Senado rejeita juízes indicados por Milei e escancara crise no governo
Senado rejeita juízes indicados por Milei e escancara crise no governo
Com apoio de parte do PRO e da UCR, oposição derrotou indicações à Suprema Corte; bastidores revelam racha com Villarruel e recuo de Macri no apoio ao presidente
Publicado pelo Portal Vermelho

O Senado argentino rejeitou nesta quinta-feira (3) os nomes indicados pelo presidente Javier Milei para a Suprema Corte de Justiça. Ariel Lijo e Manuel García-Mansilla, escolhidos por decreto em fevereiro, não obtiveram os dois terços necessários da Casa e foram derrotados por ampla margem, em uma sessão que escancarou o isolamento político do governo.
Lijo, juiz federal acusado de paralisar investigações sensíveis, recebeu 43 votos contrários, 27 favoráveis e 1 abstenção. Já García-Mansilla, professor constitucionalista ligado ao Opus Dei, foi rejeitado por 51 votos a 20. Segundo a imprensa argentina, é a primeira vez desde o retorno da democracia, em 1983, que o Senado recusa dois indicados presidenciais para a Corte.
A derrota foi viabilizada por uma frente ampla entre peronistas, dissidentes do radicalismo (UCR) e integrantes do PRO, partido fundado por Mauricio Macri. Parlamentares como Martín Lousteau, Guadalupe Tagliaferri e Pablo Blanco romperam com a base do governo e garantiram o quórum necessário para que a votação ocorresse.
“Se permitirmos que juízes sejam nomeados por decreto, teremos cargos ocupados por funcionários do Executivo, e não por magistrados”, alertou Lousteau.
Nos bastidores, o revés foi interpretado como um recado direto de Macri, que teria articulado pessoalmente os votos de parte de sua bancada contra os interesses de Milei. Um senador do PRO afirmou ao jornal Página/12 que “em três anos de mandato, foi a primeira vez que Macri me pediu algo de forma explícita”. A tensão entre o ex-presidente e o atual governo se intensificou após disputas pelo controle da prefeitura de Buenos Aires.
A vice-presidente Victoria Villarruel também foi alvo de ataques. Presidente do Senado, ela autorizou a sessão mesmo após ordens da Casa Rosada para suspendê-la. A deputada libertária Lilia Lemoine a chamou de “Kukarruel” em postagem gerada por inteligência artificial. Já Santiago Caputo, estrategista de Milei, sugeriu que a vice traiu o governo ao permitir que a sessão ocorresse.
“O governo tentou dinamitar a sessão com manobras inéditas, mas foi derrotado inclusive por seus próprios aliados”, avaliou a senadora Anabel Fernández Sagasti. Segundo ela, o bloco peronista agora estuda pedir ao Colégio de Advogados que retire a matrícula de Lijo por “imoralidade”.
Em comunicado oficial, o governo repudiou a decisão e classificou o Senado como “refúgio da casta política”. A nota afirma que os parlamentares priorizaram “a proteção de seus próprios processos judiciais”, em vez de garantir o funcionamento de um dos três poderes da República. “Pela primeira vez na história, indicações presidenciais foram rejeitadas por motivos meramente políticos”, diz o texto.
Durante a sessão, o senador Pablo Bensusán (UxP) afirmou que a nomeação por decreto configurava um “abuso de poder”. Ele lembrou que uma das vagas abertas na Corte, a da juíza Elena Highton de Nolasco, ocorreu ainda em 2021, durante o período ordinário do Senado, o que invalidaria o argumento da urgência invocado pelo governo.
A sessão também foi marcada pela tentativa frustrada de incluir na pauta o projeto de Ficha Limpa, que poderia barrar candidaturas como a da ex-presidente Cristina Kirchner. O texto foi rejeitado por 33 votos a 27.
A rejeição das indicações abre uma nova fase na disputa institucional na Argentina. Além de aprofundar o isolamento de Milei no Congresso, fortalece a discussão sobre uma eventual ampliação da Corte. Para setores da oposição, o resultado reafirma o papel do Senado como contrapeso às investidas autoritárias do Executivo.
Enquanto isso, García-Mansilla — que já atuava na Corte em caráter provisório — pode renunciar, segundo parlamentares da UCR. “O Executivo deveria primeiro preencher as vagas na Justiça Federal antes de culpar todos os senadores”, afirmou um senador radical. A crise entre poderes se aprofunda, e o governo libertário de Javier Milei sofre sua maior derrota institucional desde a posse.