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“Ainda Estou Aqui” arrebata o Oscar e inspira a luta pela democracia

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“Ainda Estou Aqui” arrebata o Oscar e inspira a luta pela democracia

 

Por sua estética, forma e conteúdo, bem como pelo desempenho magistral de Fernanda Torres, o filme rompeu a bolha e cativou um público amplo no Brasil e no exterior

'Ainda Estou Aqui', de Walter Salles

Pela primeira vez, o cinema brasileiro conquistou uma cobiçada estatueta do Oscar. Na noite deste domingo (2), Ainda Estou Aqui foi premiado na categoria de “melhor filme internacional”. O feito se deu em pleno Carnaval o que turbina ainda mais a euforia que alaga ruas e avenidas do País.

Foliões com máscaras da magistral atriz Fernanda Torres e réplicas da estatueta erguidas ao alto como taças de campeonatos de futebol passaram a se destacar entre as alegorias. Fernanda não foi agraciada como melhor atriz, mas adquiriu reconhecimento internacional e se consagrou em definitivo como parte do melhor da dramaturgia brasileira.

Ainda Estou Aqui somou quantidades significativas de público e bilheteria no País e no exterior. Realizou-se uma maratona frenética de divulgação do filme, exibido em 50 festivais pelo mundo afora. O diretor Walter Salles (que recebeu a estatueta, em nome da equipe), a própria Fernanda, o ator Selton Mello e os produtores do filme realizaram dezenas e dezenas de debates em salas de cinema, além de um número incontável de entrevistas em veículos de vários países.

Essa promoção do filme foi importante. Mas, qual teriam sido as razões de fundo dessa conquista inédita?

Duas se destacam.

A primeira, a qualidade em si do filme, que vem da maestria da direção de Walter Salles e da qualidade do elenco com Fernanda Torres à frente, a sempre notável atuação de Selton Mello e da escolha certeira da trupe jovem.

Sem ouro puro, porém, não há ourives que sejam capazes de esculpir esplêndidas joias. E ouro aqui é o livro de Marcelo Rubens Paiva. É, pois, um produto cultural cinematográfico derivado da cabeça aos pés do trabalho de gente experimentada, veterana, que foi capaz de apresentar uma “pegada nova”, original, de uma velha ferida ainda não cicatrizada: as atrocidades da ditadura militar brasileira, a partir do sofrimento de uma família que, apesar dos padecimentos, triunfa diante do regime de terror dos generais.

A cena icônica na qual Eunice (Fernanda) ordena à família que abra um sorriso largo, contrariando o pedido do editor da revista que orientara o repórter a obter uma foto triste consoante ao teor da entrevista, salienta a fibra da matriarca e a esperança apesar das trevas.

O certo é que o filme, por sua estética, forma e conteúdo, bem como pelo desempenho magistral de Fernanda Torres, rompeu a bolha e cativou um público amplo no Brasil e no exterior. Pesquisa Ipec realizada no início de fevereiro atestou que 80% dos eleitores de Lula se sentem orgulhosos pelo fato de o filme ter sido indicado a três Oscars, mas não só: 62% dos que votaram em Bolsonaro, também têm sentimento igual.

E qual seria o segundo motivo principal de um filme em língua portuguesa ter sido acolhido por estrangeiros de dezenas de países e ter vencido acirrada concorrência pelo Oscar?

Ainda Estou Aqui expressa um sentimento e suscita a necessidade de tomada de posição que pulsa forte, sobretudo, nas Américas e na Europa, devido à força emergente da extrema direita e do neofascismo. O refrão da música de Erasmo Carlos sintetiza, digamos, a mensagem do filme: “É preciso fazer alguma coisa, meu amigo”.

Por essas proezas de que somente a linguagem artística é capaz, Ainda Estou Aqui, partindo de um recorte das vítimas da ditadura militar brasileira, acontecido há mais de meio século, expressa no presente o que sente, o que pensa e o que inquieta, as pessoas de grande parte do mundo.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organizadora do Oscar e pilar da poderosa indústria de Hollywood, encontra-se emparedada pelas pressões do governo ultradireitista de Donald Trump, visto que em maioria não apoiaram o neofacista.

A vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar vai inspirar e impulsionar a jornada pelos direitos humanos, pela democracia, além de alavancar a produção cinematográfica do país e elevar autoestima dos brasileiros. Vale, sim, comemorar – e muito.