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Carlão Se Foi, Um Ser Humano Em Questão!

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Carlão Se Foi, Um Ser Humano Em Questão!

Gente boa do Blog! Como num sopro, ele perdeu sua vida, como um ser humano qualquer, desprovido de bens materiais, por algum motivo foi levado a essa vida de perambular pelas ruas de Catalão, em especial, nas redondezas do bairro São João, das Américas, Leblon e adjacências.

Como um bicho, ele revirava os lixos, pegava restos de comida, roupas velhas, brincava e sorria, a vida para ele era aquilo ali, e seu dia-a-dia, se resumia em repetir essas façanhas, mas, sem fazer mal a ninguém.

Conheci o Carlão, quando virei morador da Vila Cruzeiro, de vez em quando ele aparecia por lá, arredio, velhaco, mas, nos olhava, com um olhar mesmo de bicho do mato e partia. Depois, quando já morador do Bairro das Américas, na rua de mesmo nome, era constantes suas visitas, não em casa, mas passando pela rua, pelas calçadas, no canteiro central.

Rindo, gesticulando, conversando sozinho, mas, nunca ameaçando ou confrontando. E por último, no residencial Leblon, arrisco à dizer que ele morou, ou dormiu lá primeiro do que eu, quantas vezes o vi, ali no lote ao lado, em alguma construção, às vezes brincava com ele, conversava, ele arredio, igual a um bicho, passava, às vezes com alguma comida na mão ou na boca, mexia no lixo, mas nunca apresentando perigo, ameaça, ou algo similar.

Nada que incomodava, a não ser ver um jovem, novo, aparentemente sadio, naquelas condições, o que seria que teria acontecido com ele? Várias vezes me indaguei sobre isso. Já havia ouvido que o problema era mental e que foi o uso de drogas que fez aquilo, também que quando criança, levou um tombo, e, atingiu a parte do cérebro, por isso agia, muitas vezes como criança, mesmo!

De repente, correu a notícia, o Carlão morreu, foi atropelado, pensei: mas, será que morreu mesmo? Falei com minha esposa, com meus filhos, e eles disseram que não estavam mais vendo ele, pensei: que pena, coitado, deve ter morrido mesmo!

E não é que passando pela Praça Redonda, no bairro das Américas, dou de cara com ele atravessando no meio da rua, paro o carro e pensei, uai, é ele mesmo! Dou um grito, “Uai você não morreu? Ressuscitou no terceiro dia? Brinco, mas, depois penso, iche! O que será que tinha acontecido com ele para o sumiço?

Ele acena para mim, resmunga algo que não entendi, arredio como sempre, ele segue à passos largos em direção a rodoviária, comento com meu povo, ele está vivo, vivinho, fico sabendo que ele fora mesmo atropelado, mas não morreu. Melhor assim…

O Carlão, após essa sua morte prematura, ou melhor, inventada, sabe se porquê, ou por quês, ele não estava mais aparecendo por aqui, outros tomaram o seu lugar, tendo em vista que agora são vários que circulam nessa vizinhança, tem inclusive um casal, muito jovem, são de Crixás, ou dizem ser! Dormem na calçada, em dias de chuva, se escondem debaixo da marquise, de um bar, de um comércio qualquer, ao sair cedo para o trabalho, os vejo lá, litros de água estão ao lado, roupas velhas, uma, ou duas cobertas, e o chão duro, é o que possuem. Dias atrás, vi que o rapaz estava se contorcendo em cima da calçada, vou até eles, procuro o que está acontecendo, me dizem que na noite anterior, a polícia apareceu e jogou spray de pimenta nos olhos deles, faço uma pequena doação em dinheiro, pergunto se querem comida, uma coberta ou quê?

Ainda, se querem que eu chame os bombeiros, ou o SAMÚ, ou a polícia? Eles dizem que não, se levantam rápido, juntam os “trapos” e seguem rua abaixo, certamente sem lenço e documento, mas seguem, o corpo do rapaz está praticamente todo tatuado, as poucas roupas que vestem e carregam, colocam os nus, mas, o pior, nos faz refletir, que sociedade é essa, imagine se fossem cachorros e estivessem recebido spray de pimenta nos olhos, porque dormiam ao relento, tenho certeza que bem mais de uma dezena de defensores dos animais estariam ali, prontos para a briga, as redes sociais estariam tomadas de insatisfações, a mídia estava noticiando e tudo mais, mas, não,  eram simplesmente seres humanos, melhor deixar para lá.

Voltemos ao Carlão, seu nome real deve ser Carlos de alguma coisa, primeiro, ele fora colocado para fora da calçada, empurrado com um pedaço de pau, igual um animal, um bicho qualquer por um comerciante, não se sabe se ele estava importunando, mexendo nas mercadorias, ou apenas passando na calçada, mas, foi tocado para fora, não apenas do comércio, mas da calçada, da rua…

Depois, as dar passos para trás, e ficar na rua, ele foi atropelado por uma camionete, sem nenhuma chance de reação, o veículo de alguém que passava por lá, o jogou ao chão, ali no asfalto frio, ou quente, ele estremeceu, o levaram ao hospital, mas a pancada foi tão forte, que em minutos ele perdeu à vida!

Poucos noticiaram, ninguém se revoltou, os defensores de seres humanos não apareceram, aliás, ele era ou não era um ser humano?

Fico imaginando, se fosse um gato, um cachorro, que as câmaras estivessem filmado sendo tratado daquela forma, se tivesse sido jogado na rua, um cachorro, um gato qualquer, se fosse usado um pedaço de madeira, ou de ferro para tocá-los para fora, a quantidade de gente, legítimos defensores dos animais que tinha aparecido para reclamar, falar da lei, chamar a polícia, reclamar dos vereadores, do prefeito, do governo, enfim, teria certamente havido manifestações, afinal, um animal, havia sido agredido!

Mas, e o Carlão? Quem reclamou por sua vida? Quem perdeu um minuto de sono sequer? Quem acionou a polícia, foi ouvir o comerciante para saber o que ele havia roubado ou furtado, qual mulher ele estuprou, agrediu ou ameaçou?

 

O belo  poema “O Bicho”, escrito pelo autor pernambucano Manuel Bandeira (1886 – 1968), tece fielmente uma dura crítica social à triste realidade brasileira dos anos quarenta.

Firme, coerente e conciso, o poema traz claramente como era nossa sociedade daquela época faz, com precisão, um registro da miséria humana.

Mas, estamos em pleno século XXI, as máquinas venceram, a inteligência artificial está aí fazendo muito mais do que nós humanos, mas, e com nossos semelhantes, alguém se preocupa?

 

O Bicho, de Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.