Novos itens arqueológicos são encontrados em obra do Metrô de São Paulo
Novos itens arqueológicos são encontrados em obra do Metrô de São Paulo
Objetos religiosos que podem ser do século XIX revelam a existência de um quilombo urbano no Bixiga, onde ensaiava a Escola de Samba Vai-Vai
Publicado pelo Portal Vermelho
Em 25 de setembro deste ano, importantes descobertas arqueológicas foram feitas durante as escavações da Estação 14 Bis-Saracura, parte da futura Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo. Entre os itens encontrados estão fios de contas, conchas e uma imagem que pode representar a divindade Exu, da cultura afro-brasileira. De acordo com o movimento Mobiliza Saracura Vai-Vai, os objetos possivelmente datam do final do século XIX.
Os achados somam-se a um vasto acervo já descoberto ao longo das obras. Mais de 40 mil itens arqueológicos foram identificados até o momento, reforçando a relevância histórica e cultural da área. A historiadora Marília Belmonte observa desde o início das escavações que as peças se inserem em um contexto ligado ao sagrado. Marília destacou que pesquisas prévias e a memória oral da comunidade já indicavam a possibilidade de encontrar objetos religiosos no local.
A moradora do Bixiga, Luciana Araújo, integrante do Mobiliza Saracura Vai-Vai, também relata que são muitas conchas marinhas, mais de 200, que foram levadas para o local, cachimbos de cerâmica e madeira, três bonecos de arame associados ao orixá Exu, e, mais recentemente, um fio de contas depositado no solo junto com elementos em ferro.
Ela explica que é possível seguir com a obra da estação e preservar os achados, como na estação Termini (em Roma), na Campo 24 de Agosto (em Portugal), a Monastiraki (em Atenas). No entanto, no Brasil, ocorre a resistência do empreendedor só está preocupado com os impactos da preservação na lucratividade.
Patrimônio afro-religioso e quilombo urbano
A descoberta sugere a existência de um antigo templo afro-religioso na área, anterior à urbanização da região central de São Paulo. O movimento Mobiliza Saracura Vai-Vai ressalta que os achados podem contribuir para uma nova visão sobre o passado da comunidade negra na cidade. “Podemos reconhecer, a partir da materialidade dos achados, um patrimônio que não aborde as experiências de pessoas negras apenas no prisma da escravização e da morte”, afirmou outra historiadora envolvida no movimento.
Essa narrativa histórica se torna ainda mais rica com a descoberta, em junho de 2022, de um sítio arqueológico onde ficava a antiga quadra da escola de samba Vai-Vai. A agremiação, tradicional no bairro do Bixiga, deixou o local devido às obras do Metrô, mas a presença de vestígios arqueológicos reforça a importância histórica e cultural da região, que também abrigou quilombos urbanos.
Estudo e preservação
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está à frente dos estudos arqueológicos, garantindo que todos os artefatos encontrados sejam devidamente catalogados e preservados. Em nota, o órgão afirmou que os itens ainda estão sendo analisados e que a datação exata dos objetos não foi confirmada até o momento. O Iphan também reafirmou o compromisso de conciliar as obras do metrô com as normas de preservação do patrimônio cultural.
As escavações arqueológicas são apenas uma parte dos desafios enfrentados na construção da Linha 6-Laranja, que conectará o bairro da Brasilândia ao centro da cidade. Enquanto algumas estações já têm mais de 40% das obras concluídas, a Estação 14 Bis-Saracura é a que está mais atrasada, com menos de 10% concluídos. Para o avanço do “tatuzão”, o equipamento de perfuração que chegará ao Bixiga no início de 2025, é necessário que a estação esteja escavada.
Os defensores da preservação arqueológica, acusam que a linha já vai receber mais de R$ 100 milhões além do valor original do contrato em função de não terem realizado adequadamente os estudos geológicos no começo da obra. Algo que nada tem a ver com a estação Saracura, mas com problemas em outras estações.
Para Luciana, se as pesquisas prévias não tivessem sido dispensadas, a população de São Paulo e do Bixiga não estaria vivendo um atraso na construção do metrô nem ameaças à preservação. “Poderíamos estar discutindo o ganho cultural, histórico, econômico, social e antirracista que esses achados trazem, o potencial que têm para aprendermos muito mais sobre a urbanização da cidade e do que foi o projeto de desenvolvimento paulistano”, ressaltou.
A concessionária LinhaUni, responsável pela construção, afirmou que monitora continuamente o trabalho arqueológico e que todos os objetos de valor histórico são devidamente catalogados. O relatório final sobre os itens encontrados será publicado no momento oportuno, de acordo com a concessionária.
A descoberta de objetos arqueológicos reforça a importância da preservação da memória histórica e cultural da cidade de São Paulo, especialmente no que diz respeito às tradições afro-brasileiras. A região do Bixiga, com sua história rica e diversificada, continua a revelar seu passado, mesmo em meio ao progresso da urbanização.
Com informações da Agência Brasil