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Em chamas, Brasil paga a conta de ter virado uma “Gomorra ambiental”

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Em chamas, Brasil paga a conta de ter virado uma “Gomorra ambiental”

 

Às queimadas crescentes na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal se somou uma onda de incêndios criminosos no estado de São Paulo

 

Foco de incêndio em São Paulo (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Está na Bíblia: Deus, em momento de ira, resolveu castigar Sodoma e Gomorra com uma chuva de enxofre e fogo. Incendiadas, as cidades da Planície do pecado, situadas junto ao Mar Morto, tornaram-se cinzas. Curiosamente, a destruição não aparece em Apocalipse, o livro que fala do fim do mundo – mas, sim, em Gênesis, no relato da Criação.

A sensação de que o Brasil virou uma “Gomorra ambiental” requer cuidado. Se assim fosse, estaríamos na fase do pecado ou do castigo? As elevadas temperaturas registradas no ar das cidades brasileiras em 2023, embora gravíssimas, vão parecendo um mal menor ou inicial perto do que o País sofre neste 2024.

Verdade seja dita: recordes sucessivos de calor tornaram-se uma tendência mundial desde junho do ano passado, conforme as medições mensais feitas por cientistas do observatório europeu Copernicus. Com exceção de julho de 2024, o Planeta teve 14 meses seguidos com temperaturas acima do teto histórico. Os extremos climáticos não são fenômenos exclusivos do Brasil.

Mas o País parece estar em 2024 no epicentro da emergência. O peso das mudanças climáticas é real – mas não é absoluto. Fatores ideológicos, políticos e culturais próprios do Brasil agravaram sensivelmente a crise.

Exemplo disso é o legado do governo negacionista e predador de Jair Bolsonaro (PL) – cujo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aproveitou a pandemia de Covid-19 para, confessadamente, “passar a boiada”. Como? Flexibilizando regras ambientais, liberando agrotóxicos, desmontando órgãos fiscalizadores e atendendo cada vez mais ao lobby de latifundiários, mineradores e garimpeiros.

De volta ao poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou medidas importantes, como o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente, a retomada do Fundo Amazônia e o combate ao garimpo ilegal. Ainda é pouco, porém, neste momento em que o Brasil paga a conta de um histórico descaso e parece ficar irrespirável.

Um primeiro aviso ocorreu no primeiro semestre, com as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, atingiu 471 cidades e matou mais de 170 pessoas, além de deixar centenas de milhares de desabrigados e desalojados. Lula chegou a criar uma Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução com status ministerial e liberou para o estado R$ 98,7 bilhões.

As prefeituras gaúchas e o governo estadual se mostraram invariavelmente despreparados não apenas para a prevenção a enchentes e deslizamentos. Os gestores demonstraram incompetência até para lidar com processos menos burocráticos e ter acesso mais rapidamente aos recursos federais. Agora, sem ter se recuperado o suficiente, o Rio Grande do Sul já sofre com um novo impacto ambiental: a chamada “chuva preta”.

Da água para o fogo, passando pela pior seca na história do País – a qual se espalha por 59% do território nacional –, não houve região imune a prejuízos. Às queimadas crescentes na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal se somou uma onda de incêndios criminosos no estado de São Paulo.

Só no mês de agosto, o Cerrado teve 2,4 milhões de hectares de área queimada, e a Amazônia, 2 milhões, conforme o levantamento “Monitor do Fogo”, divulgado pelo MapBiomas. Neste domingo (15), um incêndio atingiu uma área de 1,2 mil hectares do Parque Nacional de Brasília.

No caso paulista, quase 50 cidades do interior entraram em estado de alerta para queimadas no final de agosto. O governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), criticado pela resposta demorada e tímida, praticamente se limitou a declarar emergência de 180 dias.

De acordo com a Orplana (Organização das Associações de Produtores de Cana do Brasil), houve mais de 3 mil focos ativos de incêndio em canaviais do estado de 23 de agosto a 8 de setembro. O fogo destruiu 181 mil hectares e provocou prejuízos acumulados de R$ 1,2 bilhão.

Ainda em chamas, o Brasil não consegue estimar o conjunto de perdas e impactos. Mas um dado divulgado pela empresa suíça de tecnologia IQAir – que monitora a qualidade do ar em cem cidades – mostrou a dimensão da emergência. Em setembro, Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) e, sobretudo, São Paulo (SP) despontaram por dias como as áreas com maiores níveis de poluição no mundo.

O sistema de saúde será inevitavelmente prejudicado. Especialistas apontam para a ameaça de uma explosão de doenças respiratórias e cardiovasculares. Pessoas com comorbidades ficam mais expostas ao risco de mortes prematuras.

Na economia, a combinação de secas com queimadas, impulsionada pela extensão de áreas desmatadas, já começou a afetar safras e pressionar a inflação de diversos alimentos, além de encarecer o custo da energia. Produtos como açúcar, etanol, soja, milho, carne e leite ficarão mais caros.

Há fatores climáticos, há ação criminosa e há descaso político. Na última terça (10), Lula prometeu a criação de uma Autoridade Climática para fortalecer o Plano Nacional de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos. O governo federal, porém, não conseguirá dar conta sozinho de tamanha crise. Um pacto nacional é imprescindível e urgente.

Na Bíblia, Abrahão intercede junto a Deus para livrar os “justos” da destruição de Sodoma e Gomorra. Aparentemente, a emergência no Brasil não poupa mais ninguém. A hora de combater nossa “Gomorra ambiental” é agora.

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