Ao admitir que ignorou alertas sobre chuvas, Leite desnuda lógica neoliberal
Ao admitir que ignorou alertas sobre chuvas, Leite desnuda lógica neoliberal
Governador do RS optou por não priorizar ações de mitigação da crise climática em nome da “capacidade fiscal do estado”. O resultado é sentido na pele de milhões de gaúchos
Publicado pelo Portal Vermemlho
Ainda que a corrente negacionista tente minimizar os efeitos do capitalismo desenfreado sobre o clima global, essa relação está cada vez mais óbvia e concreta, de maneira que se tornou incontornável a necessidade de o mundo se ajustar ao “novo normal”, marcado por chuvas, secas e calor intensos.
No caso do Rio Grande do Sul, ao que tudo indica, alertas sobre mudanças desse tipo não faltaram, mas a administração estadual — guiada pela lógica neoliberal do Estado mínimo, do “enxugamento da máquina” e da “responsabilidade fiscal” a qualquer custo — optou por ignorá-los, conforme admitido pelo próprio governador Eduardo Leite (PSDB).
Em entrevista à Folha de S. Paulo, publicada nesta segunda-feira (20), ao ser questionado sobre estudos que já apontavam a possibilidade de aumento significativo das chuvas no estado e sobre se o governo se preparou mal para essa situação, Leite respondeu: “Bom, você tem esses estudos, eles de alguma forma alertam, mas o governo também vive outras pautas e agendas”.
Na sequência, completou: “a agenda que se impunha ao estado era especialmente aquela vinculada ao restabelecimento da capacidade fiscal do estado para poder trabalhar nas pautas básicas de prestação de serviços à sociedade gaúcha”.
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Na visão do governador, portanto, salvaguardar a vida de milhões de pessoas e animais e proteger o meio ambiente e a estrutura do estado não são mais importantes do que restabelecer a “capacidade fiscal do estado”.
Seguindo esse mesmo raciocínio, Leite alterou o código ambiental, mudando mais de 400 itens, para torná-lo mais flexível aos interesses privados, num estado que já perdeu boa parte de seu bioma mais típico, o Pampa, para o agronegócio.
Não à toa, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, mandou, em despacho nessa segunda-feira (20), que o governador e a Assembleia Legislativa do RS expliquem as mudanças na lei, que incluiu as obras de infraestrutura para irrigação no rol de atividades de interesse público, de maneira a permitir que as mesmas pudessem ser feitas em área de proteção permanente, com a retirada da vegetação nativa.
Não surpreende a visão imediatista e neoliberal do governante. Mas suscita, no mínimo, indignação o fato dele reconhecer que, mesmo diante de avisos sobre a possibilidade de um desastre e já tendo vivido as enchentes de setembro e novembro de 2023 — assim como secas recentes que também prejudicaram o estado —, Leite tenha preferido se ater a outros temas.
O Portal Vermelho abordou alguns desses avisos, levantados por vários especialistas e veículos de comunicação e que, se tivessem sido considerados, poderiam ter mitigado os efeitos da chuva sobre o estado.
Como se não bastasse essa declaração feita ao jornal paulista, ao participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, também nesta segunda-feira, Leite tentou se explicar, mas acabou desinformando. Na entrevista, ele disse que “ninguém, mesmo nas previsões que vieram, mais dramáticas ali nos dias anteriores, disse que ia chover o que choveu efetivamente naquele período”.
No entanto, conforme apontado pela agência de checagem Aos Fatos, institutos meteorológicos, como MetSul, Climatempo e Inmet emitiram alertas a respeito, desde o dia 25 de abril (as chuvas ficaram mais intensas e disseminadas nos últimos dias do mês e início de maio), assim como houve alertas do Cemaden sobre os índices pluviométricos.
A “confissão” de Leite, claro, repercutiu mal. “O governo do estado tem uma série de prioridades e construir um plano robusto de prevenção contra catástrofes climáticas não é uma delas. Ou seja, essa fala é fundamental para entendermos como nós chegamos até aqui”, disse a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS).
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Companheira de bancada, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), também se manifestou, apontando que o governador “desnudou de vez as consequências do neoliberalismo, que submete o poder do Estado aos interesses do mercado. A segurança e a vida das pessoas importam menos nesta politica. Falta responsabilidade com a sustentabilidade ambiental e incluir o povo no orçamento”. Como destacou a parlamentar, o jeito agora é “unir e somar esforços para reconstruir o RS e, neste processo, rever decisões e escolhas feitas”.
De fato, o momento, agora, é sobretudo de garantir atenção e dignidade às pessoas atingidas, mas conforme as águas vão baixando, vai ficando claro o estrago, feito não apenas pelas enchentes, mas sobretudo pela falta de visão e de cuidado com a vida, sempre secundarizada por quem tem como doutrina o enxugamento e sucateamento do Estado.