Desde sexta-feira (3) até este domingo (5), o PCdoB realizou seu Encontro Nacional de Comunicação, marcando o retorno das atividades presenciais na sede do partido, em São Paulo. Este encontro ocorre em um momento crucial, dada a proximidade das eleições municipais em um contexto de intensa polarização política e em meio à chamada guerra cultural.

Além das mesas de debate sobre a comunicação nas campanhas eleitorais e a regulamentação das big techs, o encontro focou na integração do Sistema Nacional de Comunicação do PCdoB, que engloba diversos veículos de comunicação e plataformas online. Na primeira mesa, na sexta-feira, foram discutidos “Os desafios atuais da comunicação: da luta de ideias à regulamentação das big techs”.

Os expositores foram Sergio Amadeu, professor na Universidade Federal do ABC e membro da ABCiber, Renata Mielli, secretária nacional de Comunicação do PCdoB e coordenadora geral do Comitê Gestor da Internet (CGI.BR) e Altamiro Borges, jornalista e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, que participou remotamente.

Economia da atenção

O sociólogo Sergio Amadeu lançou luz sobre os intricados desafios que permeiam a comunicação contemporânea, em um debate provocativo centrado nas plataformas digitais e suas implicações. Em sua análise, Amadeu traçou um panorama da transformação do ecossistema informacional, impulsionado pela disseminação global da internet nas últimas décadas do século XX.

Uma mudança fundamental se delineou nesse cenário em constante evolução: a transição da economia da comunicação, anteriormente ancorada na difusão de informações pelos meios de comunicação de massa, para a economia da atenção. Nesse novo paradigma, a essência não é mais apenas falar, mas sim ser ouvido em um contexto onde a disputa pela atenção do público é a moeda dominante.

Amadeu ressaltou que, apesar das expectativas iniciais de que essa mudança representaria um avanço democrático, a realidade se revelou muito mais complexa. A captura da atenção em uma economia da atenção se mostrou desafiadora, especialmente em um ambiente onde a disseminação de informações é descentralizada e distribuída.

Três crises fundamentais emergiram com o avanço da internet e das plataformas digitais, conforme destacado por Amadeu. Primeiramente, a crise da rede distribuída questionou a suposição de que uma rede descentralizada seria automaticamente democrática. Em seguida, a crise da participação evidenciou a ativa presença de diversos atores políticos no ambiente digital, independentemente de sua posição ideológica.

Por fim, a crise do livre fluxo de dados colocou em xeque a premissa de que a liberdade na circulação de informações na internet automaticamente promoveria a democracia. Amadeu enfatizou a necessidade premente de compreender e enfrentar essas crises com estratégias adequadas, em vez de recuar diante das mudanças tecnológicas.

A acumulação de capital por parte das chamadas Big Techs, como Google, Facebook e YouTube, foi destacada como um fenômeno central nesse novo panorama. Essas empresas passaram a mediar uma vasta gama de relações sociais, influenciando diretamente o que as pessoas veem e consomem online por meio de algoritmos sofisticados.

Diante desse contexto, Amadeu enfatizou a urgência de regulamentar essas plataformas para evitar abusos e proteger os dados dos usuários. No entanto, ele ressaltou os desafios enfrentados no Brasil devido à influência desproporcional do imperialismo e do colonialismo sobre a elite política e econômica do país.

Amadeu instou à utilização do poder de compra do Estado e dos espaços institucionais para reverter essa realidade, alocando recursos em projetos comunicacionais distribuídos e estratégicos. Ele alertou para a necessidade premente de enfrentar o “Brasil paralelo”, uma distorcida realidade criada por forças políticas de extrema-direita que dominam as redes sociais e disseminam desinformação.

No contexto político atual, Amadeu destacou o avanço do fascismo em todo o mundo e a importância crucial de uma comunicação antifascista, capaz de enfrentar as questões de forma radical e concreta. Suas palavras ecoam como um chamado à ação em um momento em que a batalha pela verdade e pela democracia na esfera digital se intensifica.

Uma trincheira bolsonarista

O jornalista Altamiro Borges destacou a posição defensiva em que se encontra a esquerda brasileira, apesar da derrota eleitoral do bolsonarismo, enquanto a extrema-direita e a direita continuam avançando na guerra cultural.

Um dos pontos-chave abordados por Miro foi o poder do chamado “esgoto digital” da extrema-direita, que se destaca com atuação e financiamento robustos, tanto de forma orgânica quanto artificial. Ele apontou para a ineficácia do governo em responder adequadamente a essa ofensiva digital, mesmo diante de iniciativas pontuais de regulamentação.

Além disso, Miro ressaltou a mudança no quadro das mídias tradicionais, que historicamente se posicionaram de forma contrária aos interesses nacionais e populares. Ele criticou o papel dessas mídias na desestabilização de governos progressistas e na ascensão do fascismo no país.

Uma divisão interna nas mídias tradicionais também foi destacada por Borges, com parte delas apoiando explicitamente o governo fascista de Bolsonaro, enquanto outra parte enfrentava atritos com esse regime. No entanto, o jornalista alertou para uma recente coesão nesse espectro, especialmente em temas como política externa, economia e críticas ao governo Lula, representando um desafio ainda maior para os movimentos progressistas e populares no país.

Enquanto a coesão nas mídias tradicionais se fortalece, ataques intensos nas mídias digitais, alimentados pelo “esgoto digital” da extrema-direita, continuam a ser uma realidade enfrentada pela esquerda brasileira. Diante desse cenário, Miro expressou preocupação com a atual situação da batalha de ideias no Brasil, ressaltando a necessidade de encontrar estratégias eficazes para combater a narrativa dominante e avançar em suas pautas.

Ele destacou a postura do governo, mais preocupado em pacificar setores específicos do que em enfrentar as questões estruturais da sociedade brasileira, incluindo a batalha de ideias na comunicação. Miro criticou a falta de uma estratégia clara do governo para lidar com esse tema, mencionando a entrega do Ministério da Comunicação para pessoas sem histórico de luta pela democratização da mídia.

Apesar de reconhecer algumas iniciativas positivas do Ministério da Comunicação, Miro ressaltou que essas ações não são suficientes diante dos desafios atuais, caracterizados por ele como “tempos de guerra”, onde a comunicação desempenha um papel crucial.

Diante da intensa mobilização da extrema-direita, Miro enfatizou a importância de tratar a batalha da comunicação como um tema estratégico, requerendo investimento, profissionalismo e uma abordagem que abranja uma variedade de instrumentos, desde mídias tradicionais até plataformas digitais, adaptando-se a uma linguagem adequada para a internet.

Dados como insumo da economia de plataformas

A jornalista Renata Mielli trouxe à tona reflexões essenciais sobre os condicionantes econômicos, sociais, culturais e políticos que emolduram a paisagem midiática atual. Ao fazer uma retrospectiva desde a crise econômica de 2008, Renata contextualizou a emergência da chamada “economia de plataformas” ou “capitalismo de plataformas”, destacando seu impacto profundo na comunicação.

Renata explicou como esse novo modelo econômico descentralizou a produção e conferiu às empresas de tecnologia, como a Amazon e o Google, um papel central na organização da distribuição e produção de conteúdo na sociedade. Nesse contexto, as Big Techs se tornaram as principais intermediadoras das relações sociais e do debate público, utilizando a prestação de serviços como forma de capturar informações e acumular capital político.

Para a jornalista, é crucial compreender e enfrentar esses desafios com uma abordagem crítica e contextualizada, debatendo não apenas os aspectos tecnológicos, mas também os aspectos econômicos e políticos envolvidos na comunicação na era digital.

A dirigente partidária ressaltou que, de acordo com diversas pesquisas, a maioria das pessoas busca e compartilha informações principalmente por meio das redes sociais, dominadas por empresas transnacionais e monopolísticas. No entanto, ela enfatizou que o principal objetivo dessas plataformas não é garantir a qualidade da comunicação ou promover o interesse público, mas sim monetizar e capturar dados dos usuários para vender publicidade e produtos.

Além disso, Renata abordou os desafios enfrentados pela esquerda na disputa comunicacional, destacando a dificuldade de competir com o poder econômico do bolsonarismo nas redes sociais. Ela ressaltou a importância de compreender a comunicação como um instrumento e objeto de luta política, conclamando a militância a exigir a regulação das big techs no Brasil.

A jornalista também destacou a urgência de se promover um protagonismo estatal na busca por soluções que garantam a soberania digital do Brasil. Diante dos desafios impostos pelas grandes plataformas digitais, ela enfatizou a importância de uma atuação política vigorosa para regular essas empresas.