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Na contramão do mundo, Senado criminaliza porte e posse de qualquer quantidade de drogas

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Na contramão do mundo, Senado criminaliza porte e posse de qualquer quantidade de drogas

A proposta tem como um dos seus principais problemas o fato de não deixar claro como fará a diferenciação entre usuário com pequena quantidade de drogas e o traficante. PT votou contra

Alessandro Dantas

“Nós vamos colocar todas essas pessoas na prisão?”, questionou o senador Humberto Costa (PT-PE)

Senado vai na contramão do mundo e criminaliza porte e posse de qualquer quantidade de drogas
Plenário do Senado votou a proposta, em dois turnos, nesta terça-feira (16/4)

O plenário do Senado deu um grande passo rumo ao retrocesso e aprovou nesta terça-feira (16/4), em dois turnos, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45/2023). De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a proposta criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga ilícita. Agora a proposta de mudança constitucional segue para análise da Câmara dos Deputados.

A PEC das Drogas tem como um dos seus principais problemas o fato de não deixar claro como fará a diferenciação entre usuário com pequena quantidade de drogas e o traficante.

Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), desde que o Brasil adotou a estratégia do encarceramento excessivo por conta da confusão feita entre usuário e traficante, o que houve foi a superlotação das prisões, aliado ao aumento da criminalidade, do consumo de drogas e a ampliação do próprio mercado ilegal.

“A superlotação das prisões, inclusive com jovens, tem ampliado o exército recrutado para trabalhar a serviço das organizações criminosas. Nós deveríamos estar discutindo a política de drogas com medidas de tratamento, de redução de danos, que fossem acessíveis a quem precisa, mas nós estamos criminalizando”, alertou o senador.

 

“Essa PEC, ao invés de estimular aquelas pessoas que sintam necessidade de ter tratamento médico, de procurar um serviço de saúde, na verdade, vai afastá-las”, emendou Humberto.

O senador ainda citou levantamento, feito em 2017, de pessoas que, em algum momento, recentemente à pesquisa, tinham feito uso de droga ilícita. E chegou-se a encontrar 3,6 milhões de pessoas que haviam consumido algum tipo de droga.

Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.343, conhecida como Lei de Drogas, e despenalizou o usuário de drogas, conforme o artigo 28 da legislação. Ao ser flagrado transportando ou portando entorpecentes, não é autuado em flagrante, não é registrado como criminoso e não paga fiança.

O legislador, à época, optou por não aplicar a pena restritiva de liberdade ao usuário, mas medidas para alertar sobre os riscos e evitar o vício, aplicando tratamento diferenciado em relação ao traficante. Com a PEC, essa mesma pessoa, ainda que usuária, pode ser indiciada por tráfico, já que o texto aprovado não define parâmetros para definir quem seria usuário e quem seria traficante.

“Estamos dando a servidores públicos do Poder Judiciário, ou policiais, o poder discricionário para definir quem é dependente químico e quem é traficante. E essa discricionariedade é a base da maior parte da corrupção que a gente tem em todos os países. Quanto maior a discricionariedade, maior a possibilidade de vermos atos de corrupção e de injustiça. Se queremos fazer justiça, temos obrigação de estabelecer critérios objetivos. Transferir para terceiros se aquele cidadão é dependente químico ou traficante vai gerar injustiça e um sistema que vai colocar muita gente na prisão sem necessidade”, disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Em março, a proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com amplo apoio da oposição. A votação, na oportunidade, foi simbólica e teve votos contrários de apenas quatro senadores: Humberto Costa (PT-PE), Fabiano Contarato (PT-ES), Marcelo Castro (MDB-PI) e Jaques Wagner (PT-BA).

 

Em resposta ao STF, Senado toma caminho errado

A questão do porte de drogas também está sendo analisada no Supremo Tribunal Federal (STF). Provocada por ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que apresentou recurso extraordinário (RE 635659) ainda em 2011, o Supremo avalia se é constitucional ou não trecho da Lei de Drogas (o artigo 28 da Lei 11.343/2006) que criminaliza o porte e a posse para consumo pessoal.

Durante o debate em plenário, o senador Beto Faro (PA) apontou para o fato de o Senado Federal ter adotado uma proposta de mudança constitucional para dar uma resposta equivocada para o tema das drogas.

“Esse é um debate extremamente importante, mas, na avaliação do Partido dos Trabalhadores, essa não é a melhor forma de fazer essa discussão. Estamos reagindo de forma equivocada, na minha avaliação, a cada questão decidida pelo STF. E o principal debate, realizado ontem, mostra claramente que essa PEC não resolverá o problema”, disse o líder do PT do Senado, em referência à sessão de debates em que especialistas teceram duras críticas à PEC.

O líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também lamentou o fato de o Senado Federal ter adotado o caminho da mudança constitucional com potencial para encarcerar em massa dependentes químicos, numa tentativa frustrada de solucionar o problema das drogas no país.

“A lei [das drogas] nós já tínhamos votado em 2006. A lei já dizia tudo que estamos colocando na PEC. O Senado precisa dar exemplo, e não podemos reduzir essa discussão sobre quem é a favor e quem é contra a dependência. Nosso problema é se aquilo que estamos votando terá eficácia e eficiência. Seguramente não será entupindo as cadeias do Brasil que nós vamos resolver. Estamos fazendo uma tarde memorável pela afirmação do plenário do Senado como legislador, e, ao mesmo tempo, não sei se eficiente, porque não sei se é isso que vai resolver o problema das drogas no Brasil”, afirmou Wagner.

Do PT no Senado