Abril Vermelho do MST começa com ocupações de terra pelo país
Abril Vermelho do MST começa com ocupações de terra pelo país
Dirigente do MST, José Damasceno avalia o dia com 24 ocupações em 11 estados brasileiros, mobilizando mais de 20 mil famílias sem-terra
Publicado 15/04/2024 18:54 | Editado 15/04/2024 19:23
Começou nesta segunda-feira (15), a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária com o lema “Ocupar para o Brasil Alimentar”. A Jornada vai até sexta (19), com um conjunto de ações em todas as regiões do país para cobrar a realização da Reforma Agrária, em memória aos 28 anos das mortes dos mártires de Eldorado do Carajás e celebra os 40 anos de lutas do MST.
Até o momento, a Jornada contabiliza a realização de 30 ações diversas, em 14 estados do país, mobilizando mais de 20 mil famílias Sem Terra. Desse total, o MST realizou 24 ocupações de terra em 11 estados.
As ocupações ocorreram no mesmo dia em que o Governo Federal lança o Programa Terra da Gente. A iniciativa faz parte de uma nova estratégia para ampliar e dar agilidade à Reforma Agrária. O anúncio do programa foi realizado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e pelo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Aldrighi, em cerimônia.
De acordo com a estratégia do programa, a estimativa é de que 295 mil famílias agricultoras sejam beneficiadas, em todo o país, até 2026.
Em uma entrevista ao Portal Vermelho, José Damasceno, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná, compartilha o tom que sua organização quer dar às ações planejadas para a Jornada do Abril Vermelho, destacando a importância da reforma agrária para garantir alimentação saudável e também o enfrentamento à violência no campo.
Ao abordar as atividades programadas para o período de 15 a 19 de abril, Damasceno ressalta que a mobilização está centrada no lema “Ocupar para o Brasil alimentar”. Ele enfatiza uma série de ações planejadas, incluindo acampamentos, marchas, mobilizações e atividades de repúdio. Todas estão destinadas a sensibilizar a sociedade para a necessidade urgente da reforma agrária e para denunciar a violência persistente no campo, desde o massacre de Eldorado dos Carajás em 17 abril de 1996 até a recente ação das milícias rurais, conhecida como “Invasão Zero”.
A sociedade contra as milícias do campo
Sobre a ameaça do grupo “Invasão Zero”, uma milícia terrorista rural, contra as atividades do Abril Vermelho, Damasceno destacou a importância do apoio da sociedade para dissuadir ações violentas e garantir a continuidade das lutas pela reforma agrária. Ele enfatizou a necessidade de uma pressão pública sobre o governo e as autoridades para enfrentar grupos que promovem a violência no campo.
Em Campinas (SP), o Abril Vermelho começou com brutalidade policial. Foto: Filipe Augusto Peres/MST
Para o movimento, a reforma agrária é uma causa da sociedade brasileira, porque a produção de alimento é maior do que a necessidade dos sem-terra, especialmente com o avanço da mudança climática. “Por isso, o apoio da sociedade é que vai fazer com que essas ações desse grupo violento que atua no campo, se inibam, se desfaçam. A pressão da sociedade é decisiva para que as autoridades constituídas tomem medidas dentro do campo da institucionalidade, por dentro do Estado brasileiro, por dentro da legalidade, que é para fazer avançar essa questão da reforma agrária. É assim que nós estamos nos preparando pra fazer nossa luta pela reforma agrária continuar, mesmo com a existência desse grupo violento, ameaçando o tempo todo”, ponderou.
Repressão policial a acampamentos
Sobre as mobilizações do dia, Damasceno relatou 24 ocupações de terra em todo o Brasil, destacando casos como Agudos (SP) e Brasília, além de Goiás e Campinas (SP) onde os sem-terra enfrentaram reações violentas de autoridades locais. Ele enfatizou a resistência contra políticas de governadores de extrema-direita, como Ronaldo Caiado (GO) e Tarcísio de Freitas (SP), que se opõem à reforma agrária e defendem o agronegócio predatório.
Na fazenda Mariana, em Campinas, a força policial reprimiu as famílias e despejou a ocupação, com uso indiscriminado da força repressora. Neste momento, a Guarda Municipal bloqueia a entrada do Paço Municipal impedindo a entrada e saída para impedir o diálogo com o poder público. Ainda em São Paulo, em Agudos, um helicóptero da Polícia Militar sobrevoou o acampamento recém criado para criar terror e intimidar as famílias.
No Rio de Janeiro, na manhã desta segunda (15), mais de dez viaturas do 8º Batalhão da Polícia Militar cercam o assentamento Josué de Castro, em Campos dos Goytacazes. As intimidações policiais usam drones e bloqueadores de sinal. O assentamento foi criado pelo Incra em 2007, já estando totalmente regularizado. Houve conflito também em Goiás, com ação truculenta da Polícia Militar, e no Distrito Federal e Entorno.
Foto: MST do Pará
“É lamentável isso! enquanto não vencermos estas barreiras do Estado que estão a serviço de proteger o agronegócio e de inibir a reforma agrária de avançar, vamos ter que fazer muita luta para superar essa posição política ideológica. A reforma agrária não é ideológica, mas uma necessidade da sociedade brasileira. O MST se propõe a ajudar a desenvolver o Brasil numa outra lógica. Não nessa lógica de destruição da natureza, envenenando a terra, a água e os alimentos. Uma lógica de desconcentração das grandes propriedades que causa a fome, a miséria e a exclusão”.
Quando questionado sobre a possibilidade de uma reação institucional contra a violência, Damasceno enfatiza a importância de mecanismos legais para adquirir terras e desapropriar áreas de interesse social, destacando o papel do Ministério de Desenvolvimento Agrário nesse processo.
Para ele, o Estado brasileiro é responsável por criar mecanismos por dentro da institucionalidade para adquirir terras, desapropriá-las por interesse social ou adquirir, direto com os proprietários, a partir de legislação contra trabalho escravo ou endividamento ou ainda as inúmeras áreas públicas espalhadas pelo Brasil. “O Estado brasileiro tem a prerrogativa de resolver isso por dentro da institucionalidade. Tanto o Congresso, quanto o Governo Federal por do Ministério de Desenvolvimento Agrário deve cumprir o seu papel de executar uma política de reforma agrária massiva, que assente os milhares de sem-terra afora”.
Foto: Anydaiê/MST-AL
Mudança de mentalidade na cidade
Ao refletir sobre os 40 anos de existência do MST e sua percepção pela sociedade, Damasceno destacou uma mudança significativa na compreensão do movimento. Ele observou que, inicialmente, o MST era visto como um grupo de pessoas necessitadas de terra para sobreviver, mas ao longo do tempo, a sociedade passou a reconhecer o papel do movimento na luta por alimentos saudáveis e na promoção de uma agricultura sustentável. Ele enfatizou a importância de um projeto para a agricultura brasileira baseado na produção agroecológica e no desenvolvimento econômico das comunidades rurais.
“Há uma compreensão e uma necessidade de ter alimento barato, saudável, sem veneno, e tem uma tendência muito grande na sociedade brasileira de ir cada vez mais refutando o alimento envenenado que não é comida, e a sociedade querer cada vez mais um alimento puro, um alimento de verdade”, diz o líder sem-terra. “O MST pode ser parceiro e protagonista nesse processo, que é a matriz da produção agroecológica. De levar para o campo o ensino, a ciência, a universidade. Estabelecer as comunidades com desenvolvimento econômico, com agroindústria, para gerar emprego para a juventude, para ela não precisar evadir para os grandes centros, enfim, melhoria de condições da vida social no campo”, completa.
Foto: MST-BA
Em carta ao povo brasileiro, divulgada nesta segunda (15), o Movimento Sem Terra reafirma o direito legítimo de lutar pelo acesso à terra e cobra que a função social da terra seja respeitada.
“Lutamos, porque 105 mil famílias estão acampadas e exigimos que o Governo Federal cumpra o artigo 184 da Constituição Federal, desaproprie latifúndios improdutivos e democratize o acesso à terra, assentando todos e todas que querem trabalhar e produzir alimentos para o povo”. E continua o documento: “lutamos pela Reforma Agrária para que a terra cumpra sua função social: produzir alimentos saudáveis para o povo brasileiro e cuidar da natureza.”
Foto: Parauapebas/MST-PA