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A ousadia da Vai-Vai e a gritaria dos fascistas

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A ousadia da Vai-Vai e a gritaria dos fascistas

 

Desde o desfile da Vai-Vai, a extrema-direita tenta estigmatizar a escola – e o próprio Carnaval – por conta da ala “Sobrevivendo no Inferno”

 

Maior campeã do Carnaval paulistano, a Vai-Vai ousou no desfile deste ano ao homenagear os 50 anos do hip-hop em São Paulo. Inspirado no icônico álbum Sobrevivendo no Inferno, do Racionais MC’s, a escola apresentou o enredo Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e do Povo, o Hip Hop – Um Manifesto Paulistano.

Em 2022, o grupo de rap liderado por Mano Brown foi retratado no documentário Racionais – Das Ruas de São Paulo pro Mundo. Em 2023, Brown recebeu o título de “Doutor Honoris Causa” pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Na Unicamp, o Conselho Universitário (Consu) foi além e aprovou a outorga do mesmo título para todos os integrantes dos Racionais – Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. Só faltava mesmo o reconhecimento à altura de uma escola de samba igualmente histórica.

Mas, desde o desfile da Vai-Vai, na noite de sábado (10), a extrema-direita tenta estigmatizar a escola – e o próprio Carnaval – por conta da ala “Sobrevivendo no Inferno”. Seus integrantes foram ao Sambódromo do Anhembi fantasiados de policiais com chifres vermelhos e asas de demônio, numa denúncia dos abusos e excessos da Tropa de Choque da Polícia Militar.

Dois bolsonaristas que fazem parte da “bancada da bala” – o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) e a deputada estadual Dani Alonso (PL-SP) – encaminharam ofício ao governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos, e ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Pediam uma punição econômica: o fim do repasse de qualquer verba pública à Vai-Vai. Acovardados, os dois governantes tentaram respaldar os parlamentares.

“Nesse momento, não temos como saber se haverá punição e, se houver, qual será”, disse Nunes. “Se eu fosse jurado, daria nota zero no quesito fantasia”, afirmou Tarcísio. Alguém precisa avisar ao mal informado governador que, no Carnaval de São Paulo, as notas variam de oito a dez (e que a Vai-Vai teve nota máxima em fantasia).

A escola de samba do Bixiga não levou o título, mas, a exemplo da Portela no Rio, deixou o Carnaval de 2024 como “campeã moral”. As diversas manifestações de solidariedade recebidas pela Vai-Vai suplantam – e muito – a gritaria dos fascistas.

É o caso da estupenda nota divulgada pela cantora, compositora e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) e também do artigo “Por que a Vai-Vai incomoda(ou)?”, do professor Dennis de Oliveira, que saíram em defesa da escola e do hip-hop.

“Ao dar voz a este movimento, aproveitando a visibilidade midiática dos desfiles de escolas de samba, o Vai-Vai rompeu o cerco do silenciamento que possibilita que diariamente se assassine um jovem negro a cada 21 minutos nos territórios periféricos no Brasil. É o silenciamento que permite o genocídio da população negra periférica”, escreveu Dennis. “A Vai-Vai incomodou pelo enredo de 2024. Mas incomoda há muito tempo por reunir milhares de pretos e trabalhadores no centro da cidade.”

Já Leci detalhou os laços de sua carreira com o hip-hop. “O Samba e o Rap dialogam de várias maneiras, além de serem gêneros que foram criminalizados e combatidos pelo Estado em suas origens”, registrou a artista. “Tenho dito, há anos, que o gênero musical que mais aborda a verdadeira realidade das periferias hoje no Brasil é o Rap. Os MC’s cantam verdades que a sociedade em geral finge não ver e isso incomoda muito.”

Os ataques à Vai-Vai ocorrem num momento em que diversos expoentes da direita e da extrema-direita – a começar pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – estão na mira da Justiça por envolvimento em atos golpistas. É preciso denunciar e combater os agentes do autoritarismo. Nesse sentido, Leci vai direto ao ponto ao frisar que as instituições brasileiras têm de aprender “conviver com a Democracia”.

“Nenhuma instituição ou agente público está acima da crítica. Aliás, a crítica social é necessária na medida em que ela força as instituições a se autoavaliarem e melhorarem”, afirmou Leci. “Numa Democracia, a arte não tem que pedir licença para quem quer que seja. Se assim fosse, estaríamos novamente vivendo em uma ditadura.”

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