Vitória da democracia: Bolsonaro está inelegível até 2030
Vitória da democracia: Bolsonaro está inelegível até 2030
Depois de ameaçar o processo eleitoral por inúmeras vezes, ex-presidente é considerado culpado pela maioria do plenário do TSE.
Publicado pelo Portal Vermelho
O Tribunal Superior Eleitoral formou, nesta sexta (30), maioria para condenar ex-presidente Jair Bolsonaro por crimes de abuso de poder e uso indevido de meios de comunicação. A decisão colegiada deixa Bolsonaro inelegível até 2030.
Bolsonaro foi processado por deslegitimar o processo eleitoral durante uma reunião convocada pelo ex-presidente a embaixadores no Palácio da Alvorada, em 22 de julho de 2022. No evento, o então presidente e candidato a reeleição mentiu sobre as urnas eletrônicas, chantageou a justiça eleitoral, mencionando sugestões das Forças Armadas, além utilizar aparelho público para atiçar suas bases como estratégia eleitoral.
A maioria no TSE foi formada pelos ministros Benedito Gonçalves, relator e corregedor-geral da Corte, além dos ministros Floriano Marques, André Ramos, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Abriram divergência o ministro Raul Araújo e Nunes Marques.
Walter Braga Netto, que compôs a chapa de Bolsonaro à reeleição, foi excluído da sanção, uma vez que, para o colegiado, não ficou demonstrada sua responsabilidade na conduta. Nesse ponto, a decisão foi unânime.
A sessão foi encerrada na tarde desta sexta-feira (30) com a proclamação do resultado pelo presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes.
O julgamento foi marcado pelas posições extravagantes das partes divergentes, defesa e ministros Raul Araújo e Nunes Marques, que, apesar de admitirem o teor mentiroso do discurso do ex-presidente no Alvorada, consideraram, no entanto, as declarações como liberdade de expressão.
O ministro Raul Araújo, chegou a dizer que a transmissão da reunião por uma emissora pública era uma situação normal, uma vez que a agenda do presidente da República possui cobertura da Emissora Brasileira de Comunicação (EBC).
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O relatório demolidor de Benedito Gonçalves
O relator, ministro Benedito Gonçalves, no seu voto, procurou rebater os pontos em que a defesa procurou descaracterizar a natureza eleitoral da reunião. “A reunião portanto teve finalidade eleitoral, mirando influenciar o eleitorado e a opinião pública nacional e internacional com uso da estrutura pública e das prerrogativas do cargo de presidente da República foi contaminado por desvio de finalidade em favor da candidatura da chapa investigada”, leu o ministro.
“Os ilícitos perpetrados pessoalmente pelo primeiro investigado [Jair Bolsonaro], na condição de presidente da República, chefe de Estado, candidato à reeleição em 2022, esgarçaram a normalidade democrática e isonomia. Ao propor uma cruzada contra uma inexistente para fraudar as eleições, [ele] não estava perdido em autoengano. Estava fazendo política e estava fazendo campanha. A recusa de valor ao conhecimento técnico a respeito das urnas e a repulsa à autoridade do TSE foram manejadas como ferramentas de engajamento”, completou o relator.
Além do abuso de poder político, o ministro Benedito Gonçalves ainda contra-argumentou as posições da defesa do ex-presidente quanto a naturalização da transmissão da reunião com os embaixadores por uma emissora pública.
Benedito Gonçalves afirmou que o então candidato a reeleição estava ciente da popularidade desse tipo de conteúdo na internet e utilizou a condição de presidente da República para gerar engajamento e manter uma mobilização política de caráter passional incapaz de aceitar contestações vindas de fora da bolha.
“Assim, no que diz respeito à tipicidade, a conduta se amolda à difusão deliberada e massificada por meio de emissora pública e das redes sociais de severa desordem informacional sobre o sistema eletrônico de votação e sobre a governança eleitoral brasileira em benefício de candidatura dos investigados”, afirmou.
“A extrema gravidade do uso indevido de meios de comunicação foi potencializada pelo uso dos símbolos da Presidência da República como arma anti-institucional, visando levar a atuação da Justiça Eleitoral ao completo descrédito”, completou o ministro Benedito Gonçalves.
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A um voto da inelegibilidade
Depois do voto do ministro Raul Araújo, na quinta (29), que concluiu que o evento com os embaixadores não foi considerado grave, os ministros Floriano Marques e André Ramos fecharam a penúltima sessão do julgamento determinando o placar de 3 a 1 pela inelegibilidade do presidente.
Os ministros procuraram rebater o argumento de Raul Araújo de que a decisão do colegiado não poderia se basear em todo contexto da campanha eleitoral, mas somente no evento para os embaixadores no Palácio do Alvorada.
Floriano Marques considerou que, naquele dia, o discurso de Bolsonaro, em si, era o suficiente para condena-lo, uma vez que teve “claro objetivo” estratégico eleitoral.
“O teor da reunião em nada condiz com matéria atinente às relações internacionais ou com nações estrangeiras. O tempo todo se falou se assuntos domésticos, do funcionamento da Justiça Eleitoral, dos predicados e defeitos dos candidatos, do curso de inquéritos policiais. Nada relacionado às relações com nações estrangeiras(…) Tal trecho se aproxima muito mais de um discurso de comício em praça do interior”, disse o ministro Floriano Marques.
Floriano ainda fez uma analogia para refutar o argumento da defesa de Bolsonaro de que o ex-presidente estaria amparado pelo princípio da liberdade de expressão.
“Alguém pode acreditar que a Terra é plana, mesmo contra todas as evidências científicas. Este sujeito pode integrar um grupo de estudos terraplanista, ou uma ‘confraria da borda infinita’ e dedicar seus dias a imaginar como um avião dá a volta no plano para chegar ao outro extremo. Porém, se este crédulo for um professor da rede pública, não lhe é permitido ficar a lecionar inverdades científicas aos seus alunos, pois isso seria desviar as finalidades educacionais que correspondem a sua competência de servidor docente”, disse Floriano.
O ministro André Ramos, por sua vez, também rebateu o argumento do ministro Raul Araújo sobre a liberdade de expressão de Bolsonaro. “Temos que o direito fundamental à livre expressão, consagrado explicitamente na Constituição de 88, não alberga a propagação de mentiras”, disse André Ramos
O ministro ainda desconsiderou o argumento da defesa de que, se analisado na totalidade, embora tenha trechos problemáticos, o discurso teve caráter positivo, a favor da segurança nas eleições.
“É absolutamente inviável, objetivamente falando, acolher a tese defensiva na linha de que não houve divulgação de informação falsa ou ainda que a informação veiculada baseou-se em subsídios concretos capazes de sustentar um discurso que, como resultado geral final, teria sido positivo e verdadeiro. Total descolamento da realidade está plenamente operante nesta pretensão”, disse o ministro.
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O serviçal Nunes Marques
Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro Nunes Marques pode ser considerado exceção aquela regra de que uma vez empossada ministro do STF, o magistrado atinge a independência. Em seu voto na sessão desta sexta, apesar de considerar falso os ataques do seu padrinho às urnas eletrônicas, o ministro afirmou que a reunião com os embaixadores “constitui mero exercício de funções privativas do chefe de Estado”.
Nunes Marques também afirmou que o ex-presidente convocou a reunião com embaixadores para “confrontar” o então presidente do TSE, Edson Fachin, que em maio de 2022 promoveu um encontro com representantes internacionais para falar sobre o sistema eleitoral brasileiro.
“Da análise que faço, o investigado buscou com o evento uma confrontação pública com o presidente do TSE. Fosse uma declaração com conotação eleitoral, o ministro Fachin jamais se colocaria em posição de altercação”, disse Nunes Marques.
Aos embaixadores, Bolsonaro atacou três ministro do Supremo Tribunal Federal: o então presidente do TSE, Edson Fachin, o ministro que o precedeu na presidência da Justiça Eleitoral, Luís Roberto Barroso, e o ministro Alexandre de Moraes, que viria se tornar presidente da Corte durante o período da campanha eleitoral.
Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes dão xeque-mate no golpismo
Na abertura da última sessão do julgamento, a ministra Cármen Lúcia votou para formar a maioria pela inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, determinando o placar de 4 a 1.
Em seu voto Cármen Lúcia procurou defender seus colegas no STF que resistiram aos “achaques a ministros” do então presidente Jair Bolsonaro. “A crítica feita a qualquer servidor público acontece e faz parte, o que não se pode é um servidor público, em espaço público, com equipamento público e transmissão pública fazer achaques contra ministros do Supremo como se não estivesse achacando a própria instituição —e a democracia é feita com um judiciário independente”, disse.
A ministra fez questão de também rebater a ideia de que o julgamento encaminhava para a análise do contexto e não do evento em si. “O que está aqui não é um filme, o que está em apreciação é uma cena, aquilo que aconteceu e pelo qual não se controverte nos autos. Ocorreu, portanto, essa reunião e nessa reunião, num monólogo, o primeiro investigado, que era presidente da República, a menos de três meses das eleições, que se cuidava ali de uma exposição basicamente sobre alguns temas, todos eles relativos à eleição. Esse é o objeto” disse.
Já o ministro e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, votou após a abertura de divergência do ministro Nunes Marques. Último a votar, Moraes declarou que “a Justiça Eleitoral, como toda Justiça, pode ser cega, mas não é tola”.
“Nós não podemos criar, de forma alguma, o precedente avestruz – todo mundo sabe o que ocorreu, todo mundo sabe o mecanismo utilizado para conseguir votos, mas todos escondem a cabeça embaixo da terra”, disse o ministro durante a leitura de seu voto.
Um dos ministros mais atacados pelo bolsonarismo, Moraes deixou claro que todos aqueles que participaram das eleições sabiam das condições impostas pela Justiça Eleitoral.
“O TSE está reiterando seu posicionamento consubstanciado em julgamento de inúmeras Aijes [Ações de Investigação Judicial Eleitoral]. A Justiça Eleitoral avisou a todos os participantes das eleições que não admitiria extremismo criminoso e atentatório aos poderes de Estado, não admitiria notícia fraudulenta, desinformação a título de tentar enganar eleitores sobre fraudes nas eleições, sobre o sistema eleitoral”, falou.
E acrescentou: “Nenhum pré-candidato, nenhum candidato, especialmente o investigado, Jair Messias Bolsonaro, poderia alegar desconhecimento sobre o posicionamento dessa Corte eleitoral das principais premissas que deveriam ser observadas para as eleições de 2022″.
Segundo o presidente do TSE, o evento com os embaixadores é um “monólogo eleitoreiro” feito para atiçar as bases. “Um encadeamento, uma produção cinematográfica, com a TV Brasil, com vídeos das reuniões, para imediatamente, em tempo real, na sequência até a eleição, as redes sociais bombardearem os eleitores com essa desinformação”, disse o ministro.
O ministro ainda detalhou o caráter eleitoral daquela reunião. “Uma pauta dele, pessoal, eleitoral, faltando dois meses e meio para o primeiro turno das eleições. A pauta foi instigar o seu eleitorado e eleitores indecisos, instigar contra o sistema eleitoral, contra a Justiça Eleitoral, contra as urnas eletrônicas”, disse.
“Uma série de informações mentirosas, notícias fraudulentas, mas qual objetivo? O objetivo era simplesmente, vamos dizer, desopilar? O presidente acordou nervoso um dia, quis desopilar o seu fígado, e aí vamos atacar, quem vamos atacar? O tribunal eleitoral. O Supremo ficou na outra semana, o ataque ao ministro Alexandre foi nas três anteriores, então vamos agora no TSE e nas urnas eletrônicas”, concluiu