76% dos resgatados do trabalho escravo no Brasil são vítimas do agronegócio
76% dos resgatados do trabalho escravo no Brasil são vítimas do agronegócio
De 1995 a até 2022, 57.772 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no país. 43.906 eram exploradas na agropecuária. Dados do MPT e da OIT mostram crimes cometidos pelo setor que controla a CPI do MST
Publicado pelo site do PT
De 1995 a até o ano passado, 57.772 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no Brasil. Do total, 43.906 (76%) eram exploradas na agropecuária. Os números são da Plataforma SmartLab – Promoção do Trabalho Decente Guiada por Dados, iniciativa conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no país. Para reparar os danos coletivos dessas ilicitudes, o MPT propõe aos responsáveis a assinatura de Termos de Ajuste de Conduta (TACs) e, quando necessário, instaura ações civis públicas.
O mesmo compromisso com a legalidade, porém, não é visto no Congresso Nacional, onde a situação é bastante favorável ao escravismo: os interesses do agronegócio contam com ampla rede de apoiadores, como os deputados que criaram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pela reforma agrária.
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A plataforma, com acesso aberto ao púbico (https://smartlabbr.org/), tem fortalecido a cooperação com organizações governamentais e não-governamentais – nacionais e estrangeiras – que atuam na promoção do trabalho decente e que precisam de informações para a tomada de decisões. Por meio de Observatórios Digitais, a SmartLab beneficia também a comunidade científica, que passa a ter acesso a informações com facilidade sem precedentes para pesquisa.
Entre as fontes dos dados utilizados pela plataforma estão o Radar SIT – Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, do Ministério Trabalho e Emprego; Bancos de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, do Sistema de Acompanhamento do Trabalho Escravo (SISACTE) e do Sistema COETE (Controle de Erradicação do Trabalho Escravo).
O sistema mostra que, de 1995 a 2022, a atividade de criação de bovinos explorou 29% dos trabalhadores resgatados no período, seguida do cultivo da cana-de-açúcar (14%), produção florestal – florestas nativas (7%), cultivo de café (6%), cultura de soja (3%), entre outras.
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Os resgates de trabalhadores é feito pelos grupos móveis de fiscalização de trabalho escravo, do qual fazem parte a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego, o MPT, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre outros órgãos.
Os dados sobre trabalho escravo em 2023 ainda não estão disponíveis no SarmartLab, mas já foram levantados pelo Radar SIT, segundo o qual, neste ano, 1200 pessoas foram resgatadas, em 17 das 27 unidades da federação. Dos casos registrados, 87,3% envolvem trabalho rural. Em Goiás, 372 pessoas foram encontradas em situação análoga à escravidão desde o início de janeiro. Todas elas em estabelecimentos agrários. É o estado com o maior número de ocorrências.
Na sequência, vem o Rio Grande do Sul, com 296 casos. Esse número foi impulsionado pela operaçao de resgate nas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, em Bento Gonçalves (RS), onde 207 trabalhadores viviam em condições degradantes. Em março, semanas após a fiscalização, foi assinado um acordo com o MPT, pelo qual as três empresas se comprometeram a pagar R$ 7 milhões em indenizações.
O episódio também gerou reação da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que pediu a expropriação dessas terras e o confisco dos bens das vinícolas, como prevê o Artigo 243 da Constituição Federal. A entidade divulgou um manifesto público que recolheu centenas de assinaturas.
Diferencial
O compromisso de produzir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos e outros produtos nocivos à população, e a garantia de renda e trabalho decente para pequenos produtores rurais são alguns dos diferenciais do MST em relação ao agronegócio. Atualmente, 450 mil famílias assentadas do Movimento estão organizadas, em 24 unidades da federação, em 160 cooperativas, 1900 associações e 120 agroindústrias. Elas conquistaram a terra por meio da luta e da organização dos trabalhadores rurais. Esse contexto permite inferir que quanto maior o número de famílias assentadas pela reforma agrária, menos trabalhadores estarão sujeitos à exploração do trabalho escravo no agronegócio.
Organização criminosa
A maioria que controla a CPI do MST na Câmara é formada por deputados da bancada ruralista e da extrema-direita, muitos dos quais sem qualquer condição moral para criminalizar o Movimento. O presidente da Comissão, Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), por exemplo, é investigado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo tribunal Federal (STF), por suspeitas de envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro.
Por sua vez, o relator é Ricardo Salles (PL-SP), o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro que é investigado, também no STF, por suspeita de integrar uma organização criminosa que exporta madeiras nobres da Amazônia para Europa e Estados Unidos. Salles pretende usar a CPI como palanque eleitoral, interessado em disputar a Prefeitura de São Paulo.
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Na sessão de terça-feira (23) da CPI, o deputado federal Padre João (PT-MG) destacou que o governo Bolsonaro promoveu o desmonte de várias instituições com a finalidade de favorecer o cometimento de crimes, entre eles a exploração do trabalho escravo. “Destruíram o Incra, destruíram todo o aparato fiscal, para quê? Para ter trabalho escravo no latifúndio, mas tem o artigo 243 que garante que as áreas que têm trabalho escravo tem que ser recuperado para a reforma agrária também. Nós temos dois artigos na Constituição que deixam claro uma forma de adquirir as terras para a reforma agrária. Isso é uma ameaça para vossas excelências, que representam o agro”, afirmou o parlamentar.
Já a deputada federal Camila Jara (PT-MS) classificou a CPI como um “circo” incapaz de atender às cerca de 33 milhões de pessoas que passam fome no Brasil. “Senhores, vocês me desculpem, mas eu me elegi para mudar vidas, para transformar realidades, para discutir problemas sérios, que precisam de pessoas que estejam comprometidas em mudar a realidade, não para fazer um circo dessa CPI. E eu espero que aqui a gente possa, sim, saber como a gente vai financiar a reforma agrária e cumprir a Constituição brasileira, que, para quem não entende de análise política, é uma Constituição social-democrata, que coloca na responsabilidade do Estado a construção de um país mais justo e menos desigual”, disse.
“Nós estamos falando de um país com 33 milhões de pessoas que passam fome, e de um agronegócio pujante, que serve, sim, para exportação, mas que não dá conta de alimentar o próprio povo. É sobre essas questões que a gente devia estar debatento”, acrescentou a deputada, frisando ser mais fácil para os ruralistas criminalizar o MST do que resolver os problemas sociais do país.
Da Redação