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Campeonato espanhol nunca suspendeu uma partida por insultos racistas

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Campeonato espanhol nunca suspendeu uma partida por insultos racistas

 

Lendas como Ronaldo e Samuel Eto’o já sofreram com insultos racistas no país, mas nunca tiveram a partida suspensa. Única vez que isso aconteceu na Espanha foi em solidariedade a um nazista

 

Foto: Reprodução

No domingo, 21, o atacante brasileiro Vinícius Junior foi alvo de um novo ataque racista. Em Valência, torcedores locais imitaram e chamaram Vini de macaco durante toda a partida. Já é a décima vez que a estrela de São Gonçalo denuncia o preconceito na esfera esportiva espanhola.

Nos últimos 40 anos, pelo menos 11 jogadores sofreram com o preconceito na Espanha. Em 2005, o pentacampeão Ronaldo Fenômeno reagiu a insultos racistas jogando uma garrafa de água nos torcedores do Málaga. Dias antes, os torcedores do clube já haviam ofendido o costa-riquenho Paulo César Wanchope, jogador do Málaga.

A lenda camaronesa Samuel Eto’o, que jogou no Barcelona de 2004 a 2009, também foi vítima de racismo durante os cinco anos que jogou na Espanha. Numa das ocasiões, em 2006, Eto’o foi insultado racialmente por grande parte do estádio do Zaragoza. O atacante ameaçou deixar o campo dizendo “não jogo mais”.

Outros tantos jogadores já passaram por esse tipo de situação na Espanha. Daniel Alves, Thomas Nkono, Carlos Kameni, Iñaki Williams, Nico Williams, Mouctar Diakhaby, Frédéric Kanouté, Yaya Tour, Jefferson Lerma já sofreram com ofensas racistas nos estádios da Espanha. Nenhuma das partidas em que estes jogadores foram provocados por um racista ou uma multidão deles foi suspensa.

Reação

Até aqui Vinícius Junior vem se tornando um exemplo de resistência em um país em que as autoridades competentes pareciam não estar aptas a solucionar o problema. Uma das figuras centrais do reacionarismo espanhol, Javier Tebas Medrano, presidente da La Liga (o campeonato do país), vem afrontando o jogador brasileiro toda vez que ele vai as redes sociais para denunciar.

“Antes de criticar e injuriar a La Liga, é necessário que se informe adequadamente. Não se deixe manipular e assegure-se de entender bem as competências de cada um e o trabalho que estamos fazendo juntos”, escreveu o dirigente em resposta ao brasileiro, depois dos incidentes de domingo, em Valência.

Em 1975, após a morte do ditador Francisco Franco, Tebas ingressou no partido Fuerza Nueva, que na transição democrática buscava se posicionar como herdeiro do franquismo. Recentemente, o presidente da La Liga fez declarações afetivas ao Vox, partido de extrema-direita espanhol.

Por causa da irresponsabilidade dos dirigentes do campeonato espanhol e sua clara incompetência (ou falta de vontade) para solucionar o problema, o governo brasileiro e a FIFA entraram em campo e cobraram medidas efetivas dos órgãos competentes.

Ainda no Japão, onde estava para participar da reunião do G7, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenou os atos racistas dos torcedores espanhóis e cobrou oque a Fifa e a liga espanhola de futebol tomem “sérias providências” a partir do caso.

Em nota conjunta, cinco ministérios condenaram “nos mais fortes termos” os ataques racistas que o jogador de futebol Vinicius Júnior vem sofrendo reiteradamente na Espanha. O documento foi publicado nesta segunda (22) e foi assinado pelo Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Igualdade Racial, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério do Esporte e Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O presidente da FIFA, Gianni Infantino, prestou apoio ao brasileiro após os incidentes de domingo. A direção da entidade máxima do futebol pretende enviar uma notificação à La Liga questionando por que o protocolo contra o racismo não tem sido usado integralmente.

Jogadores também prestaram solidariedade a Vinícius Junior. O astro Kylian Mbappé, considerado por muitos o melhor jogador do mundo, disse em suas redes sociais que o brasileiro não está sozinho: “você não está sozinho. Estamos com você e vamos te apoiar, Vinicius Junior”, disse o francês nas redes sociais.

Camisa 10 do Brasil nas últimas três edições da Copa do Mundo, Neymar também enviou mensagem de apoio. “Estou contigo, Vini”, publicou o brasileiro.

A única partida suspensa não foi por ofensas raciais

Nos últimos 40 anos, diversos atletas negros sofreram com pelo menos um caso de racismo na Espanha. Nomes mais conhecidos, como Ronaldo, Samuel Eto’o, Yaya Toure, entre outros. Mas a La Liga nunca suspendeu um jogo por ofensas a jogadores negros. A única vez que uma partida foi paralisada por xingamentos vindos da arquibancada foi em 2019, quando a torcida do Rayo Vallecano chamou o ucraniano Roman Zozulya de nazista.

A paralisação do jogo gerou uma série de reações na Espanha. No Twitter, o cientista político espanhol Íñigo Errejón protestou: “Quando um jogo foi suspenso por insultos racistas? Por um futebol que é um exemplo, comprometido, solidário, sem nazistas”, Errejón.

A partida era válida pela segunda divisão da Espanha, quando o Rayo Vallecano recebeu o Albacete em Vallecas, Madrid. Na ocasião, o ucraniano Zozulya chegava ao campo como alvo preferencial da torcida do Rayo.

Isto porque, em 2017, o jogador chegou a ser anunciado como a nova contração da equipe de Madrid, mas diante dos protestos da torcida do Rayo, notoriamente conhecida pelo seu posicionamento de esquerda, a diretoria e o jogador desistiram do contrato sem Zozulya vestir a camisa dos franjirrojos (apelido do time de Madrid, que tal como o River Plate tem uma inconfundível faixa vermelha transversal no uniforme).

Tanta ojeriza ao ucraniano tem justificativa: em 2016, quando o jogador desembarcou em Sevilla para trocar o F.K. Dnipro pelo Real Betis, Roman Zoluya vestia uma camiseta do Pravyy Sektor (Setor Direito), uma organização paramilitar ultranacionalista com tendências neonazistas.

Roman Zozulya desembarca em Sevilha com camiseta do grupo ultranacionalista ucraniano Setor Direito, em 2016

O ucraniano, à época, tentou se explicar: “lamentavelmente, minha chegada à Espanha esteve acompanhada de um mal-entendido por culpa de um jornalista que conhece muito pouco a realidade de meu país e minha própria trajetória. Cheguei ao aeroporto de Sevilha com uma camiseta com o escudo do meu país, Ucrânia, e uns versos do poeta Taras Shevchenko, estudado em todas as escolas da União Soviética”, disse Zozulya, quando desistiu de jogar pelo Rayo Vallecano.

Em 15 dezembro de 2019, Zozulya já defendia as cores do Albacete que visitava o estádio Vallecas para disputar com o Rayo Vallecano a 20ª rodada da segunda divisão espanhola. E é claro que a torcida do Rayo não deixou barato.

Toda vez que o ucraniano tocava na bola os torcedores gritavam “Zozulya, um p*** nazista”, “fascistas fora de Vallecas”. O estádio repleto de cartazes protestava contra a presença do jogador no bairro de Vallecas. A torcida chegou a entoar a canção “Bella Ciao”, de resistência ao fascismo. Veja o vídeo abaixo:

No intervalo, o locutor do estádio chegou a pedir que os cânticos fossem encerrados, mas não teve respaldo dos torcedores. Na súmula da partida, o árbitro López Toca afirmou que depois de seguir o protocolo de paralisação momentânea, consultou a coordenadora de segurança do jogo, que disse que “as forças não podiam garantir a segurança dos participantes do encontro na atual situação”. Pediu então para que os torcedores do setor de onde vinham os insultos fossem retirados do estádio, mas ouviu que “não havia efetivos suficientes para a desocupação”. Com isso, “esgotando as possibilidades”, decidiu pelo fim do jogo.

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