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Brasil tem ambiente propício para a manipulação de jogos, diz pesquisador

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Brasil tem ambiente propício para a manipulação de jogos, diz pesquisador

 

O doutor Felippe Marchetti analisa, no Bate Papo 65, a integridade no esporte no Brasil e as consequências dos recentes casos de manipulação de jogos por quadrilhas de apostadores

 

Foto: Reprodução

O recente escândalo envolvendo quadrilhas que manipulam partidas de futebol no Brasil despertou um novo problema a ser enfrentado pelas autoridades brasileiras. Como preservar a integridade esportiva e a credibilidade do futebol nacional diante dos ataques destes grupos criminosos foi o tema central do programa Bate Papo 65, que acontece toda quarta Youtube.

Para compreender essas questões, Carlos Albérico entrevistou Felippe Marchetti, doutor em Integridade do Esporte pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os debatedores analisaram como as recentes investigações do Ministério Público Federal de Goiás (MP-GO) desnudaram a atuação de grupos criminosos que aliciam atletas vulneráveis para manipular jogos e lucrar rios de dinheiro. Marchetti também sugeriu como promover medidas de integridade que visem proteger o esporte.

Operação Penalidade Máxima

Em fevereiro, o MP-GO deu início a Operação Penalidade Máxima que colocou o futebol, “um patrimônio cultural de todos os brasileiros”, segundo Felippe Marchetti, em meio às investigações do Ministério Público de Goiás.

A Operação, deflagrada em 14 de fevereiro, pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), de Goiás, cumpriu um mandado de prisão temporária e nove de busca e apreensão em Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

De acordo com as investigações deste primeiro desdobramento, o grupo criminoso teria atuado em, no mínimo, três partidas da série B, do campeonato brasileiro de 2022. Naquele momento, os investigadores identificaram movimentações de R$600 mil entre os criminosos e atletas aliciados.

Segundo o MP-GO, a estimativa é de que os apostadores teriam um lucro aproximado de R$2 milhões.

Em abril, a operação chegou a uma segunda etapa e cumpriu outros três mandados de prisão preventiva e 20 de busca e apreensão. Os agentes suspeitam que o grupo criminoso tenha concretamente atuado em, pelo menos, cinco jogos da série A do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2022, bem como em cinco partidas de campeonatos estaduais.

Em maio, o Ministério Público de Goiás denunciou à Justiça 16 pessoas por fraude para manipular 13 partidas de futebol (8 do Campeonato Brasileiro da primeira divisão de 2022, um da série B de 2022 e quatro campeonatos estaduais, em 2023).

Em São Paulo, a polícia civil também investiga ao menos 18 casos de fraude envolvendo jogos do brasileirão feminino e torneios menores da Federação Paulista.

Brasil, um ambiente propício a proliferação da manipulação

Segundo Marchetti, o ambiente no Brasil é propício à proliferação deste tipo de crime. “O futebol brasileiro apresenta debilidades que o tornam suscetível à ocorrência desse tipo de crime – desde a vulnerabilidade econômica e social dos atores esportivos até problemas de governança e de gestão nas entidades de administração do esporte”, diz o pesquisador.

Marchetti alerta para a reação impensada de criticar apenas os atletas neste momento inicial. “O que a gente tem visto muito na mídia, atualmente, é uma questão de apontar o dedo para o atleta”, disse. “Claro que eles cometeram um erro, até mesmo um crime. Mas o cenário que temos no Brasil é um cenário de extrema suscetibilidade destas pessoas”, argumentou Marchetti.

Segundo o pesquisador, 95% dos atletas do país ganham menos de R$ 5 mil/mês. Pior: “aproximadamente 87% deles ganha até um salário mínimo. Grande parte destes atletas, mais da metade deles tiveram alguma espécie de atraso salarial nos últimos dois anos”.

Para Marchetti, esses aspectos tornam a grande massa de atletas do país muito suscetível à manipulação. “Ao mesmo tempo que esses valores são pagos a eles como salário, uma partida manipulada pode render cerca de US$ 20 mil”, diz.

Regulamentação

A regulamentação ou proibição das apostas pelo Estado não é a melhor solução, segundo o pesquisador, já que sites hospedados no exterior seguirão sendo ofertadas no Brasil.

Devido à crescente expansão do mercado, as apostas esportivas tiveram permissão para operar no Brasil a partir da sanção da lei 13.756, assinada pelo golpista Michel Temer, em 2018.

No entanto, a lei previa que o setor fosse regulamentado nos quatro anos seguintes, o que não foi respeitado pelo último governo, do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na prática, sem a regulamentação, esse mercado segue livre de qualquer tipo de imposto, e operando sem regras.

As empresas operam com CNPJs de fora do país, a maioria em offshores, como em Curaçao, um paraíso fiscal no Caribe. Em novos debates sobre a reforma tributária, prevista para o segundo semestre, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que a pasta calcula em até R$15 bilhões o volume de imposto a ser arrecadados com a regulamentação das casas de apostas.

De acordo com os dados do Banco Central, no primeiro semestre de 2023, cerca de US$2,7 bilhões (cerca de R$13 bilhões) foram enviados ao exterior como apostas esportivas. Estimativas dão conta de que o setor faturará R$ 20 bilhões, em 2023. Em 2018, as casas de apostas movimentavam R$2 bilhões.

Não é de hoje

Os problemas com as apostas não são recentes. “Casos de manipulação vem ocorrendo desde 2015 e as divisões mais afetadas eram a segunda, terceira divisão de campeonato paulista; campeonato estadual do Rio Grande do Norte; campeonato cearense. Normalmente com equipes pequenas, sem visibilidade na mídia”, diz Felippe Marchetti.

De acordo com o pesquisador, as federações não tomaram as precauções necessárias. “Usando uma expressão bem popular: as federações acabaram passando muito pano para esse tipo de situação e não tomaram as medidas necessárias”.

Para Marchetti, essa inércia dos organizadores do futebol desinibiu os criminosos que começaram a escalar até as ligas mais importantes, cujos valores das apostas são maiores. “Eles [criminosos] começaram [a atuar] ali numa segunda, terceira divisão dos campeonatos estaduais, vai pra primeira divisão num estado que não tem tanta tradição no futebol, depois vai para a primeira divisão de um campeonato estadual importante. No final, começa a atuar na série D e foram escalando até a primeira divisão”, disse no Bate Papo 65.

Apesar de não ser uma novidade no Brasil, o volume de pessoas denunciadas pelo MP-GO e o alto valor das movimentações financeiras investigadas põem um alerta vermelho sobre o esporte no país. “Sem querer ser alarmista, para mim não resta dúvida que o esporte brasileiro passa pela maior ameaça da sua história”, diz o pesquisador.

“Muito dinheiro envolvido, crime organizado envolvido em interesses que não são para o bem do esporte e pouco conhecimento para um tema que é extremamente complexo”, alertou Marchetti.

A solução:

O debatedor elencou uma série de medidas importantes que as autoridades poderiam se debruçar para começar a enfrentar o problema:

1) Imposto Vinculado: “Primeiramente, é fundamental que parte da verba arrecadada com a regulamentação das apostas esportivas seja, por lei, destinada para a proteção da integridade esportiva”.

2) Departamento de integridade: “Criação de um departamento de integridade para tratar dessas questões. Um órgão que sirva como elo de comunicação entre os diferentes atores que compõe a cadeia de prevenção: federações esportivas, clubes, casas de apostas, polícia, sistema judiciário, empresas de monitoramento, dirigentes e atletas. Esse deve ser o centro de proteção do esporte no que tange à manipulação de resultados, com investimento em inteligência e fluxo de informações rápidas, constantes, livre de interesses externos e confiável”.

3) Agentes de integridade: “Alocação de agentes de integridade independentes e autônomos, com capacitação para receberem informações, filtrá-las e organizá-las em um sistema de educação, prevenção, auxílio na investigação e na montagem de provas para punição eficientes”.

4) Disk Denúncia: Criação de um sistema de denúncia com credibilidade, anônimo, irrastreável e de fácil acesso para os atletas, como o Red Button, já adotado em alguns países da União Europeia.

5) Medidas educacionais: Medidas educacionais para todos os atores da cadeia esportiva.

6) Regulamentação da propaganda: “Proibição de propaganda/vinculação de atletas em atividade com casas de apostas esportivas, devido ao claro conflito de interesses presente”.

7) Due Diligence:nos processos de arrendamento de clubes de futebol.

8) Investigação: “Com o boom das apostas esportivas, diversas empresas com sede em paraísos fiscais, como Curaçao, passaram a atuar no Brasil. É preciso que haja checagem de quem são os proprietários e da origem dos fundos das casas de apostas esportivas que investem no patrocínio de clubes e competições esportivas. Sabe-se que esses investimentos podem ser utilizados por organizações criminosas para fins de lavagem de dinheiro, com maquiagem de valores pagos nesses contratos para evitar a necessidade de envio do dinheiro para fora do país”.

9) Doenças a partir das apostas:“Debater a questão dos patrocínios a clubes e competições, como feito na Espanha e Inglaterra. O excesso de exposição do público à publicidade de apostas pode levar a comportamentos compulsivos e ludopatia. Dados recentes do governo britânico mostram que aproximadamente 3milhões de jovens foram impactados ou correm o risco de serem afetados pelo vício em jogo. Como o Estado brasileiro irá lidar com esse possível impacto?”

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