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Como fake news matam e continuam matando

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Como fake news matam e continuam matando

Drama ocorrido há nove anos que inspirou novela se repete na mesma cidade
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À janela Yasmin de Jesus, de 21 anos, filha de Fabiane Maria de Jesus, vítima de um espancamento por ser confundida com a “Bruxa do Guarujá” . Foto: Reprodução

Era sábado, 3 de maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus foi à igreja pegar sua Bíblia que havia deixado no templo. Entre as páginas de versículos, as fotos das filhas e seu telefone anotado na contracapa. Quando voltava para casa, Fabiane foi arrebatada pela ignorância e a violência. Durante as duas horas seguintes, foi espancada e arrastada pela vizinhança com um cabo de energia em Morrinhos, bairro do Guarujá, cidade do litoral paulista.

O que moveu a fúria do povo foi a mentira, uma fake news divulgada por uma página de rede social. A postagem contava que uma mulher sequestrava crianças na região do Guarujá e era envolvida com magia macabra. Um retrato falado, originalmente feito na investigação de um crime no Rio de Janeiro ocorrido dois anos antes, ilustrava uma loira apelidada no texto de “bruxa do Guarujá”. Não havia sequer denúncias de sequestro registradas na polícia da cidade. “Se é boato ou não, devemos ficar alertas”, a publicação encerrava o causo sensacionalista incitando o medo e a indignação da comunidade.

Nas ruas do bairro Morrinhos, o impulso vigilante das pessoas encontrou o azar de Fabiane. Morena, tinha pintado os cabelos de ruivo. Não gostou. Descoloriu o cabelo para depois voltar à cor original. Estava loira.

De acordo com os autos do caso, um gesto de Fabiane para uma criança foi o que incitou a barbárie. As pessoas à volta viram nela a loira do retrato falado na fake news. Apontaram Fabiane e incitaram as outras a castigarem a tal bruxa do Guarujá. Começaram a bater nela. Os retratos de suas filhas, guardados dentro da Bíblia resgatada na igreja, tornaram-se fotos de crianças vítimas da falsa bruxa aos olhos dos algozes de Fabiane. Até o livro mais sagrado do cristianismo foi tido como um manual de rituais sinistros pela multidão ensandecida, julgado pela capa preta apesar dos dizeres “Bíblia Sagrada”.

Dois dias depois, Fabiane Maria de Jesus morreu devido os ferimentos do linchamento, há nove anos. Além da violência física, as imagens do seu martírio foram amplamente disseminadas nos dias após o crime. Suas filhas ficaram sem a mãe, cinco pessoas foram indiciadas e presas por participarem daquela crueldade.

Justamente no aniversário dessa tragédia motivada pela mentira, um homem sofreu ataque semelhante na mesma Guarujá. No 3 de maio desse ano, um homem conduzindo uma moto foi apontado como tendo roubado o veículo. Assim como aconteceu com Fabiane, ele acabou também linchado pelos presentes. Bastou um “Pega ladrão” para ele ser alcançado pela fúria vulgar de pessoas que se sentem no direito de fazer falsa justiça por meio da violência.

As informações mais recentes dão conta de que esse motociclista sobreviveu ao ataque e encontra-se numa UTI. O dono da moto foi à polícia para desmentir o falso roubo e identificar a vítima, seu amigo para quem havia emprestado o veículo.

Existe um ditado que o povo conhece bem e que recentemente o presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva citou na abertura do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável: “A mentira é mais rápida que a verdade”. Revelar os fatos demanda no mínimo um tempo de observação e um momento de reflexão. As mentiras apelam aos anseios das pessoas, ao que elas desejam ou se identificam. Verdades não podem ser escolhidas por preferências.

A história real de Fabiane inspirou a ficção da novela Travessia, que tenta tratar o tema com o público. As fake news são um mal do nosso tempo que dependem da atenção de cada um na hora de tratar a realidade de maneira mais honesta e, por isso mesmo, mais abertos à dúvida. Porque é da dúvida que se faz a luz, não a paus e pedras.