Como Romeu Zema enforcou Tiradentes pela segunda vez
Como Romeu Zema enforcou Tiradentes pela segunda vez
Postagem nas redes sociais do governo Romeu Zema parecia não saber se exaltava ou condenava o mártir da Inconfidência Mineira
Publicado 24/04/2023 16:29 | Editado 24/04/2023 16:31
Em dezembro de 1994, ao escrever sobre a 22ª Bienal de São Paulo, Daniel Piza virou motivo de escárnio geral. A certa altura de seu artigo, o jornalista comentava, em tom crítico, a instalação Neo-Gólgota, do búlgaro Luchezar Boyadjiev. O título da obra, segundo Piza, remetia “à história cristã (Gólgota é o local onde Jesus teria sido enforcado)”.
Não é preciso ser leitor da Bíblia nem tampouco especialista em cristianismo para saber como Jesus de Nazaré morreu. Pode-se confundir – vá lá – o local da crucificação, o Monte Gólgota, que é mais conhecido no Brasil como Calvário. Mas trocar a cruz pela forca é um desses descuidos que expõem à vergonha até mesmo um dos melhores jornalistas culturais do País – caso de Piza.
Romeu Zema não é um dos melhores governadores do Brasil, muito menos um mineiro afeito à história de seu estado. Por isso, seus vexames nada têm de descuido ou mera imprecisão. À frente do Palácio Tiradentes desde 2019, o único governante do Partido Novo tem chegado ao noticiário nacional mais pelos deslizes e vexames do que pelos feitos de sua gestão.
Em fevereiro, ao participar de um programa de rádio em Divinópolis (MG), Zema foi presenteado com uma antologia de Adélia Prado, a mais célebre escritora da cidade – e a maior das mulheres poetas nascidas Minas Gerais, ao lado de Bárbara Heliodora e Henriqueta Lisboa. “Ela trabalha aqui?”, perguntou Zema ao apresentador, que não conseguiu disfarçar o constrangimento.
Após o episódio, um deputado estadual, Professor Cleiton (PV), chegou a protocolar um projeto de lei que inclui o ensino da história de Minas Gerais nas escolas públicas. Sua justificativa não podia ser outra: “O fato de existirem mineiros que não sabem quem são ou quem foram essas figuras mostra que o ensino de Minas precisa ser revisto nesse ponto”.
Agora, no feriado de Tiradentes, em 21 de abril, a gafe não partiu apenas de Zema – mas, sim, de sua administração. Uma postagem nas redes sociais do governo parecia não saber se exaltava ou condenava o mártir da Inconfidência Mineira, a quem a gestão Zema tratou como criminoso e golpista.
“A data de hoje recorda a luta dos Inconfidentes mineiros pela liberdade do Brasil e dos brasileiros. Temendo as consequências do golpe à Coroa Portuguesa, os inconfidentes não confessaram seus crimes”, dizia o post. “O único a fazê-lo foi Joaquim José da Silva Xavier, que tornou-se o Mártir Tiradentes ao receber a pena mais dura, em 21 de abril de 1792.”
O tiro que se supunha como homenagem virou bala perdida. Um internauta receitou ao governador a Educação de Jovens e Adultos (EJA): “Se o Zema quiser, na escola estadual que eu trabalho, tem vaga na EJA. Ele e sua equipe precisam”. Outro internauta mineiro emendou: “Zema, pague o piso aos professores e professoras! Tiradentes seria oposição ao seu governo!”.
Para piorar a situação, na mesma sexta-feira (21) Zema concedeu ao senador Sergio Moro (União Brasil-PR) a Medalha da Inconfidência e ao ex-presidente Michel Temer (MDB) o Grande Colar. Quem presta tributo, no principal feriado de seu estado, a um ex-juiz declarado suspeito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e a um ex-presidente golpista que está no ostracismo? A deplorável publicação oficial estava em sintonia com as escolhas do governador.
“Agora tá explicado por que Zema homenageou traidores do Brasil”, tuitou o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG). “Zema não sabe o que foi a Conjuração Mineira, não sabe que lutar por liberdade não é crime, que defender sua nação não é golpe, não sabe distinguir inocentes de canalhas. Investe em educação, Zema! E volta pra escola!”
Com tanta reação negativa, o governo alterou o texto da publicação, trocando “crimes” por “atos”, mas mantendo a expressão “golpe à Coroa”. Não houve erros básicos de informação, como dizer que Tiradentes foi crucificado, ainda que a tentativa histórica de associar sua imagem à de Cristo possa induzir a confusão. Com Adélia Prado, Zema pecou pela ignorância
Mas o ato falho da gestão Zema reflete, sim, uma releitura histórica que condena, enforca e esquarteja Tiradentes pela segunda vez, não numa tradicional praça pública, como o antigo Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, onde a Corte lhe tirou a vida. Desta vez, a saga de Tiradentes foi alvejada nestas grandes praças modernas que são as redes sociais.
“Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria pelo Brasil”, teria dito o maior dos líderes mineiros antes de ser enforcado. A primeira vida foi entregue pelo delator Joaquim Silvério dos Reis. A segunda vida foi ceifada pelo governo Romeu Zema. Que a sorte das oito vidas restantes seja melhor!