Mês da Mulher: prisão por violência doméstica não pode ser substituída por restrição de direitos
Mês da Mulher: prisão por violência doméstica não pode ser substituída por restrição de direitos
A decisão foi tomada no julgamento de um pedido de habeas corpus a favor de homem condenado a 20 dias de prisão por agredir a ex-companheira.
Publicado pelo site do STF
Em decisão de outubro de 2017, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos de um homem condenado a 20 dias de prisão por ter agredido sua ex-companheira. A Turma seguiu o voto da ministra Rosa Weber, relatora do Habeas Corpus (HC) 137888.
O ato de agressão configurou a contravenção penal de vias de fato, prevista no artigo 21 do Decreto-Lei 3.688/1941. Em seu voto, a ministra lembrou que o Plenário do STF já havia decidido que a vedação à aplicação das medidas da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher alcança todas as práticas delituosas incluídas nesse contexto, inclusive as contravenções penais. Esse entendimento impede a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito em infrações penais que envolvam essas infrações penais.
Tapa e chute
No caso julgado na Primeira Turma, a vítima foi agredida com tapa e chute, sem lesões aparentes, ao encontrar o ex-companheiro para cobrar o pagamento de pensão alimentícia. Ele foi condenado à pena de 20 dias de prisão, em regime aberto, e o juízo da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande (MS) rejeitou o pedido de substituição da pena de prisão pela restritiva de direitos, mas concedeu a suspensão condicional da pena (sursis) pelo prazo de dois anos.
Contudo, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) converteu a pena corporal em limitação de final de semana (obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado). A decisão considerou a “baixa repercussão da conduta” e a “reduzida gravidade do delito”.
Inconformado, o Ministério Público estadual levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou a possibilidade de troca da pena. A Defensoria Pública da União (DPU), por sua vez, impetrou habeas corpus no STF em favor do condenado, alegando que não há previsão legal que impeça a substituição da pena nos casos de contravenção penal.
Mudança de paradigma
No voto que conduziu o julgamento, a ministra Rosa Weber afirmou que, segundo a Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma das formas de violação dos direitos humanos. Nesse contexto, houve uma mudança de paradigma, e não mais se admite o tratamento da questão sob a ótica das infrações penais de menor potencial ofensivo.
Para Rosa Weber, deve ser conferido o maior alcance possível à legislação que coíbe essa prática, de forma de evitar retrocessos sociais e institucionais na proteção das vítimas. Ela citou ainda que a Constituição Federal prevê a proteção da mulher pelo Estado, por meio da adoção de mecanismos para coibir a violência nos âmbitos doméstico e familiar.
Por fim, a ministra observou que o Brasil é signatário de uma série de tratados internacionais referentes à proteção da mulher e aos direitos humanos. Ela lembrou a condenação imposta ao Estado brasileiro pela Organização dos Estados Americanos (OEA), após denúncia feita por Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de agressões e duas tentativas de homicídio realizadas pelo ex-marido.
A partir da repercussão internacional do caso, o Brasil foi condenado pela negligência em oferecer mecanismos eficientes para coibir a prática e, como fruto dessa batalha de Maria da Penha por justiça contra seu agressor, o Brasil editou a Lei 11.340/2006, batizada com o seu nome.
Violência progressiva
Ao acompanhar a relatora, o ministro Alexandre de Moraes alertou para a necessidade de combater a normalização do tratamento agressivo contra mulheres. Ele destacou que a violência doméstica ocorre de forma progressiva e defendeu que essas práticas sejam coibidas com rigor. “Caso contrário, essa sequência de agressões vira rotina para o agressor que, um dia, acaba gerando lesões mais graves ou a própria morte da vítima”, afirmou.
Já o ministro Roberto Barroso destacou o caráter preventivo do Direito Penal, ao fazer com que as pessoas temam as consequências de condutas ilícitas. O ministro Luiz Fux ressaltou que o voto da ministra Rosa se alinha com os documentos internacionais firmados pelo Brasil em relação à proteção da mulher contra a violência doméstica.
Agenda 2030
A série de matérias “O STF e os direitos das mulheres” está alinhada com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.