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Atualização da Lei Rouanet tem que falar da cultura afro-brasileira

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Atualização da Lei Rouanet tem que falar da cultura afro-brasileira

 

Atualização não pode ser tratada como ampla e democrática se não reconhecer as políticas de ação afirmativas e todas as formas de contribuição de matriz africana na Cultura nacional.

 

Cultura afro-brasileira | Foto: divulgação

A Cultura, por meio de suas expressões e segmentos, mexe com a vida de muitos brasileiros, desde a expansão da liberdade de expressão, com as inúmeras possibilidades de criação e produção, ao fortalecimento e reconhecimento da diversidade, pluralidade e o multiculturalismo presentes em nossa nação. É através de diversas manifestações artísticas que promovemos a transformação. Economicamente, movimenta uma cadeia criativa enorme, sendo grande multiplicador de renda, emprego e inclusão produtiva, evidenciando nossos costumes, fazeres e tradições redesenhados, atualmente, pelo uso das novas tecnologias.

Nos últimos anos, além do desmerecimento das construções culturais criativas, houve uma tentativa de apagamento das construções históricas da presença negra nos alicerces de desenvolvimento de nosso Brasil. O negacionismo tornou-se central, inclusive nas omissões de execução de políticas públicas que inviabilizou nossas ações de enfrentamento ao racismo, promoção das culturas Afro-brasileiras e expansão das ações afirmativas.

A ausência de políticas públicas para a área da Cultura, nos últimos anos, inviabilizou o acesso aos recursos públicos, dificultou o enfrentamento ao racismo institucional e estrutural, sendo o nosso foco as formas de investimento e redução das desigualdades pela Cultura. A negação sobre as nossas expressões culturais perpassa pela invisibilidade dos promotores regionais e locais, das nossas comunidades e periferias, fontes de aprendizagem e criação.

Personalidades negras históricas foram canceladas, sendo desmerecidas de suas criações e contribuições para construção de um sentimento fraterno de nação plural, criativa e inovadora.

A atualização da Lei Rouanet, não pode ser tratada como ampla e democrática se não reconhecer as políticas de ação afirmativas, nossas linguagens artísticas, nosso movimento, todas as formas de contribuição de matriz africana na Cultura nacional.

Como desafio compartilhado, entendo a relevância da Lei Rouanet, instituída desde 1991, temos imensas barreiras a serem quebradas, sendo essencial o movimento proposto pelo Ministério da Cultura (MinC) de atualização da Lei para um olhar dirigido sobre os desafios governamentais em ofertar mais acesso e inclusão para os atendidos das normativas que regem este incentivo público, devendo se colocar de maneira mais expansiva, inclusiva e democrática.

Considerando a linha do tempo de instituição da lei, a incompreensões sobre os critérios de acesso e aplicação. Incompreensões estas que fez com que este incentivo cultural fosse brutalmente atacado e desvalorizado pela última gestão. Devemos lembrar que a cultura foi um dos setores mais impactados no período da Covid-19, onde produtores, profissionais do setor e multiplicadores, foram duramente penalizados, estigmatizados pelo processo de negação encontrando-se ainda em processo de recuperação.

A atualização deve imprimir de maneira objetiva o reconhecimento da herança cultural de matriz africana do nosso país. Sobretudo, neste ano de retomada da democracia, estamos sobre as comemorações recentes dos 20 anos da Lei 10639/2003 que estabelece, além das retrizes e bases da educação nacional, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A ciência afro-brasileira é nossa patente com expressões populares como Samba, Jongo, Carimbó, Maxixe, Maculelê e Maracatu, entre tantos que compõe nosso folclore, festejos populares, forjada a partir da mistura de elementos culturais provenientes da África, dos indígenas e dos europeus.

Esses elementos compõem a identidade de um povo que tem muito a oferecer, promover e protagonizar, diz e versa sobre nossas regionalidades. A composição que me refiro fortalece e promove regiões não absorvidas igualitariamente, ou intensamente pelo benefício do incentivo estimulado pela lei, às regiões matrizes: Norte, Nordeste e Centro Oeste, espinha dorsal de promoção da identidade e produções negras tradicionais.

Dados mostram que o valor total captado pela Lei Rouanet desde 1993 atinge cerca de 22 bilhões de reais (dados até 1º de outubro de 2021). As áreas mais beneficiadas ao longo de 30 anos foram artes cênicas (26,6%) e música (21%). Na sequência, aparecem patrimônio (14,6%) e artes visuais (11,8%); humanidades, audiovisual e artes integradas captaram entre 6% e 8% do total.  Segundo o observatório Itaú Cultural, em 2019, por exemplo, o estado do Rio de Janeiro captou 16,4%, enquanto São Paulo chegou a captar 47,2% do total.

A tríade do financiamento da cultura brasileira, que perpassa pela Lei Rouanet de 1991, é a cara do Brasil, que potencializa em suas produções setores mais privilegiados e reforça o mito da democracia racial, permanente e constante, no mercado e no resultado das produções incentivadas, ainda perpetuando a invisibilidade das obras que referenciam à promoção da  cultura afro-brasileira.

A lei deve ser vista para subsidiar a cultura e não ser tratada só pelo aspecto de benefício para marketing cultural, onde adiciona-se somente à logomarca para projetos grandiosos patrocinados, desfavorecendo, assim, novas produções, o que promove o retrato desigual e não inclusivo. Devemos, cada vez mais, reconsiderar sobre: para onde vai; como; e a quem atende à distribuição do incentivo?

O banco de dados do Observatório Itaú Cultural aponta que a região sudeste é a que detém maior concentração de projetos captados, em 2019, exemplo, o estado do Rio de Janeiro com 16,4% e São Paulo, com 47,2% do total. A consulta da base de dados da Secult, o Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), mostrou um volume expressivo na captação de recursos para região sudeste – vale ressaltar que não necessariamente as produções estão sendo executadas localmente, porém o volume de investimento de captação chega a 70% de investidores, que são na maioria da região Sudeste.

Observando que o objeto das produções selecionadas, suas linhas, pode falar por vezes de nós, sem atender a todas e todos nós, não possibilitando real instrumentos de protagonismo, promoção da população negra com meios de inclusão cultural, inclusão financeira em um formato equânime.

Sobre a ‘tipicidade normal’ e ‘tipicidade singular’, este pensamento distributivo de tetos e valores a projetos, cachês artísticos e das diárias para locação de espaços culturais devem ser revisados, visto que depois da última alteração foi desigual, e para que o investimento não segregue, precisamos rever e ofertar possibilidades de acesso equilibrado, pois este item perpassa também por relações de gênero, raça, classe e laicidade do estado.

A atualização tem que dirimir as contradições existentes que segregam, entre os artigos 18, que tem o valor do desconto na próxima declaração de 100% – mais acessado – pois está na lógica patrocínio, enquanto o artigo 26 – menos acessado –  total  varia de 30% a 70%, levando a desigualdade, de distribuição de investimento uma vez que o artigo 26, trata de temas primordiais de fortalecimento da cultura afro brasileira, pois nesta linha encontra-se o investimento à Preservação e difusão do acervo audiovisual; Preservação do patrimônio cultural material e imaterial; Construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em municípios com menos de cem mil habitantes, trata de uma forma precisa temas que enfrentam o racismo.

Como desafio de conduzir o tratamento igual, creio que devemos ter um único formato de isenção para todos os temas que perpassam pelo enquadramento no artigo 18, para assim instrumentalizar pela lei, oportunidades equitativas de inserção das produções culturais afro-brasileiras com real relevância. Esta visão tem que ir para além de orçamento, ficha técnica, cronogramas e medidas de acessibilidade, trazendo o desafio do incentivo nas pequenas, médias e grandes produções.

Neste sentido precisamos enquadrar e estimular regras explícitas de valorização de critérios raciais por meio dos comitês de patrocínio cultural também das estatais. Participação e investimento é discussão necessária e deve estar dentro do limite nas áreas principais de investimento cultural da lei como artes cênicas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Além de contemplar a presença das produções afro brasileiras para o enfrentamento à desigualdades.

Cotas são necessárias, com linhas diretas de estímulo a produtores iniciantes e artistas pretos ainda não consagrados, de preferência que estimulem a cultura afro-brasileira, fazendo com que possamos de fato levar oportunidades econômicas para a maior parcela das pessoas do nosso país.

Não é só o movimento de cotas, mas a descentralização, mapeamento dos recursos investidos, com a prerrogativa de exercício da territorialidade, investimento real nas produções de alcances das comunidades quilombolas, tradicionais e periféricas, pois é neste território que se concentra a maior parte da população negra com arcabouço de ideias inovadoras, de expressão cultural local e ancestral, a serem absorvidas e viabilizadas, permitindo à movimentação mas ampla desta cadeia criativa no acesso maior a lei.

A atualização do exercício da lei para os órgãos governamentais deve abraçar o desafio das reservas, em projetos que podem impulsionar as políticas públicas constantes e centrais da Fundação Cultural Palmares, que passou por períodos duros, mas que pode ser o propagador (disseminador e executor) das propostas relacionadas às comunidades quilombolas, com memórias, promoção das culturas locais e regionais de proteção e preservação cultural.

Agradecimentos:
João Jorge Rodrigues
Nelson Mendes
Ronaldo Ferreira

Referências:
http://leideincentivoacultura.cultura.gov.br/legislacao/
Observatório Itaú Cultural

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Edição: Bárbara Luz

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