Revogaço na Saúde acabará com negacionismo e restaurará pacto federativo
Revogaço na Saúde acabará com negacionismo e restaurará pacto federativo
Presidente do Conass, Nésio Fernandes, considera que algumas revogações são óbvias e imediatas, mas outras políticas precisam de repactuação e aperfeiçoamento
Publicado pelo Portal Vermelho
Foto: Reprodução/TV
Entidades da sociedade civil e do próprio movimento de saúde defendem um “revogaço” de medidas e portarias do governo Bolsonaro no Ministério da Saúde. O próprio Gabinete de Transição reconhece que é possível revogar de imediato algumas medidas, assim como outras áreas como Meio Ambiente e Segurança Pública pretendem fazê-lo. No entanto, isto não pode ser automático, segundo pondera o presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Nésio Fernandes.
Em entrevista ao Portal Vermelho, o chefe da Saúde no governo do Espírito Santo apontou os critérios que precisam ser considerados para se descartar políticas bolsonaristas do Sistema Único de Saúde. A ausência de pactuação tripartite (governos federal, estaduais e municipais) em torno de algumas políticas, e o negacionismo em torno de outras, seriam bons motivos para uma revogação, em sua opinião.
“O revogaço é um tema complexo. Algumas portarias podem ser revogadas de imediato, porque não tiveram nenhuma pactuação tripartite”, refletiu. A lei 8080, a partir de 2011, deixa claro que toda política nacional tem que ser aprovada tripartite. Além de obrigatória por lei, a pactuação é relevante para definir critérios de distribuição das verbas, metas e outros indicadores de cada política. No entanto, o Ministério da Saúde tomou várias decisões sem consultar a Comissão Intergestores Tripartite [CIT], no que foi confrontado esse tempo todo pela ilegalidade.
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Agora, conforme explica ele, existem políticas que exigem debate, antes de serem revogadas. São aqueles que foram pactuadas na CIT e deixam de ser do governo Bolsonaro para serem interfederativas. “Portanto, se for revisar políticas nacionais de atenção básica e outras que foram aprovadas, é necessário haver discussão. Elas não podem ser alvo de revogaço imediato de início de governo. Alguns desses assuntos podem ser aperfeiçoadas no debate, em vez de revogados”.
Sem o debate e o amadurecimento do consenso, diz Nésio, política nenhuma se implementa ou operacionaliza. “O grau que a gente dedica a debater, organizar e acumular força é necessário para a implementação exitosa”. Por isso, medidas impostas de cima pra baixo são um entulho burocrático sem efeito na realidade.
“Essas são medidas que podem ser revogadas, assim como portarias obviamente negacionistas, como textos e manuais do Ministério contra o aborto legal, que estimulam a criminalização da vítima e o uso da cloroquina, por exemplo”, acrescenta Nésio. Para ele, mesmo que as implicações práticas sejam sutis, isso vai ter um impacto de “moralizar o Ministério da Saúde e livrá-lo de normas sujas”.
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Em uma primeira análise, a avaliação do Gabinete de Transição é que há cerca de 60 regras que podem ser revogadas. Os textos são decretos, portarias e notas do Ministério da Saúde e de outras pastas, como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
O secretário de Saúde do Espírito Santo exemplifica como o governo Bolsonaro decidia políticas sem pactuação, que não tinham capacidade de gerar impacto nenhum em indicadores de saúde. “Aprovaram uma medida que dava R$ 20 por gestante, recentemente, que não representava nenhuma melhoria na prática para os municípios. Algumas políticas são publicadas para atender interesses parlamentares ou teses academicistas”, observou.
Emergência sanitária da covid
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) foi das entidades sociais que recomendaram que o governo Lula revogue pelo menos 12 medidas adotadas pelo mandato de Jair Bolsonaro na área da saúde. A entidade pediu que o Ministério da Saúde retome a emergência em saúde pública, que foi cancelada em abril, entre outras questões.
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Nésioafirma que o Conass foi a entidade que mais brigou com o Ministério da Saúde por causa do fim do estado de emergência. Afinal, os gestores públicos locais foram muito afetados pelo fim de medidas emergenciais que aceleravam a tomada de decisão sobre o combate a covid nos estados e municípios.
De 22 de abril a 22 de maio, a polêmica foi enorme, segundo ele. “Porque foi totalmente inadequado [decretar o fim da emergência sanitária de forma unilateral]. Não teve base técnica, não teve plano de saída e recuperação da pandemia. Uma decisão que veio do Palácio do Planalto de cima pra baixo”, criticou.
Nésio explicou que o Brasil participa de uma iniciativa internacional de acompanhamento da condição de saude pós-covid dos países, liderado pela OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde). “Há uma série de iniciativas internacionais em que o Brasil pode incrementar sua participação. Que reconhecem e tratam com profundidade o pós-covid. São agendas obrigatórias da saúde no momento. Não houve um plano de reabilitação para sair da covid, nesse governo”, explicou, mencionando as centenas de milhares de pessoas que saíram de internações graves, com sequelas e consequências para suas famílias que não podem ser ignoradas.
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A equipe de transição ainda planeja nova estrutura para o ministério, com a criação de departamento de saúde mental, e mudanças no controle dos hospitais federais do Rio de Janeiro. O grupo da saúde também quer reforçar a política de produção nacional de medicamentos e insumos.
Nésio diz que é plenamente possível ampliar o escopo de atuação do Ministério, em relação ao abandono e desmonte atual, se considerarmos o baixo empenho do orçamento da saúde no atual governo. Ano passado, para que a união tivesse arcado com 50% dos gastos públicos em saúde no Brasil, ela teria que ter aplicado R$ 223 bi, mas aplicou apenas R$ 161 bi. Na última década, gastos da união foram 27% do financiamento total de gastos. 73% dos gastos foram arcados com recursos próprios de estados e municipais. “Existe um descompasso enorme na aplicação dos entes federais e dos entes supranacionais, especialmente nos estados”.
“Se a união arcar com mais recursos, ela consegue induzir modernização e expansão do sistema de saúde”, aposta ele.