MEC tem caixa zerado, universidade pode parar e bolsistas não receberem
MEC tem caixa zerado, universidade pode parar e bolsistas não receberem
Problemas incluem falta de recursos para livros didáticos, pagamento de bolsas e possível apagão no Enem, Sisu e Fies. Universidades estão sem dinheiro para despesas básicas
Publicado pelo Portal Vermelho
O governo de Jair Bolsonaro (PL) ainda não acabou, mas seu Ministério da Educação (MEC) já está encerrando as atividades. O atual ministro da pasta, Victor Godoy, afirmou que não tem como pagar em dezembro os 14 mil médicos residentes de hospitais federais e os 200 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) após novo congelamento de verbas decretado pelo presidente na última semana.
A lista de problemas, que vai muito além, foi apresentada no final da tarde desta terça-feira (6) pelo GT da Educação da equipe de transição do governo eleito após reunião com a atual gestão do MEC.
O coordenador dos grupos de trabalho, o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante, fez um resumo das emergências identificadas e disse que o quadro da educação é talvez o mais grave entre outras áreas em situação crítica. Ele lembrou que da educação dependem diversos outros setores, além do futuro do país e foi enfático em relação à responsabilidade do atual governo. “Jair Bolsonaro quebrou o país. Tudo bem que teve pandemia, guerra. Mas também má gestão. Neste período eleitoral, Bolsonaro furou o teto em R$ 800 milhões. Perto da eleição, havia 2,5 milhões de “famílias” unipessoais (ou seja, de uma única pessoa) recebendo auxílio, que eles reconhecem agora. A Caixa liberou R$ 4 bilhões de crédito consignado para 2 milhões de pessoas que a partir de janeiro vão perder seu auxílio. Aí teve subsídio para combustível para motorista de caminhão. Um represamento durante anos e, na véspera da eleição, romperam a comporta e não tem dinheiro para pagar”, disse.
A Capes, fundação ligada ao MEC que atua, entre outras frentes, no financiamento de pesquisas de graduação e pós-graduação, confirmou ainda nesta terça, por meio de nota oficial, o atraso no pagamento de 200 mil bolsas de estudo para este mês. A instituição diz que foi pega de surpresa pelos cortes e não sabe dizer quando a situação será normalizada.
“A Capes foi surpreendida com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro (Anexo II), impondo idêntica restrição a praticamente todos os Ministérios e entidades federais”, diz trecho da nota.
“Isso retirou da Capes a capacidade de desembolso de todo e qualquer valor – ainda que previamente empenhado – o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas, cujo depósito deveria ocorrer até amanhã, dia 7 de dezembro”, completou a instituição.
Situação é “inacreditável” e “inédita”
O novo bloqueio ocorre em um período no qual as universidades já enfrentavam grandes dificuldades para o pagamento de compromissos assumidos, devido à retirada de R$ 438 milhões realizada em junho deste ano. O presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), reitor Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR), em vídeo publicado na última sexta-feira (2), afirmou que é “inacreditável” que o governo tenha bloqueado os recursos, seis horas depois de ter liberado, e classificou a situação como “absolutamente inédita”.
“De maneira inacreditável, as universidades e os institutos federais viram acontecer uma reviravolta na questão do bloqueio de seus recursos. De um lado o Ministério da Educação restituiu os limites dos nossos gastos, de outro, o Ministério da Economia simplesmente retirou os recursos. É uma situação absolutamente inédita, e nos deixa sem recursos e sem possiblidade de honrar os gastos das universidades, inclusive bolsas, conta de luz e água, coleta de lixo, e nossos terceirizados”, afirmou.
Ele explica ainda que compromissos como bolsas assistenciais para estudantes em vulnerabilidade, segurança, limpeza entre outras áreas de serviços ficam completamente comprometidas. “São pessoas humildes, podem passar o Natal com a possibilidade de não receber. Também luz, água, retirada de lixo e outros projetos devem ser retirados nesse caos orçamentário”, lamenta o presidente da associação.
Universidades não terão dinheiro para despesas básicas
Ao Portal Vermelho, Olgamir Amancia, Decana de Extensão da Universidade de Brasília (UnB), relata que é um “absurdo” ter que testemunhar tamanha irresponsabilidade. “Nós nunca tínhamos vivido isso porque não é só o bloqueio dos nossos recursos, a redução dos recursos, mas é também a retirada de orçamento impedindo que as universidades cumpram aquilo que elas já haviam se colocado. Agora nós não temos orçamentário para cumprir com os nossos compromissos. O que vai inviabilizar em certa medida ou comprometer muito a nossa atuação.”
Olgamir afirma que, mesmo com o contingenciamento dos recursos, a UnB “resistirá e continuará fazendo o trabalho” buscando chamar a atenção da sociedade para a gravidade da situação. “Nossa posição é de manter o funcionamento da universidade. Nós vamos ter que chamar atenção da sociedade para o que está acontecendo. Porque esse não-recurso para a universidade ele tem um impacto. Por exemplo, em relação a UnB, são R$ 11,5 milhões de reais que deixarão de circular em Brasília nos próximos dias. São recursos que estavam empenhados para pagar bolsa de estudantes, pagar restaurante, pagar limpeza, segurança, água, energia… e tudo isso não será pago, mas a universidade não encerrará as suas portas, ela resistirá e continuará fazendo o trabalho.”
A decana disse ainda que para reverter a “posição absurda do Governo Federal” será preciso enfrentar algumas “batalhas”, sendo uma no campo jurídico, onde “nossos parlamentares podem contribuir acionando a justiça, para que a gente, de fato, reverta essa situação. Então tem que trabalhar nessa raia, da reversão por meio da ação judicial, e aí todos aqueles que tem condições de acionar para isso, devem fazer. As organizações, os partidos e a mobilização social.”
E outra, considerada fundamental, “é que nossos estudantes, associações docentes, sindicatos dos trabalhadores da educação, e a sociedade como um todo, se mobilizem no sentido de defender a sua instituição.” Segundo Amancia, “a universidade pública é uma instituição da sociedade. Ela é fundamental para essa sociedade e para o projeto de desenvolvimento que nós queremos para o Brasil.”
Amancia cita ainda o papel fundamental das universidades no enfrentamento da Covid-19, quando a pandemia estava no auge, enquanto o país era deixado à mercê pelo seu próprio governo. “Foram as universidades que deram as respostas no momento que o governo virava as costas para a grave crise que o povo brasileiro atravessava. Então, não-funcionamento da universidade, ou um funcionamento capenga, repercute sobre os interesses da sociedade. Por esse motivo, é preciso fazer um movimento no sentido de que a sociedade compreenda o significado desses cortes, dessa retirada do orçamento. E a repercussão disso sobre a vida das pessoas no seu cotidiano.”
Situação vexatória
Já o presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Raimundo Macêdo, disse ao Portal Vermelho que os cortes têm implicações imediatas na manutenção das universidades e institutos federais, em seus compromissos rotineiros, como pagamento de água, energia, limpeza e segurança. “São despesas, em geral, já empenhadas, que deixam essas instituições em situação vexatória. Mais ainda, o sistema brasileiro de pesquisa e pós-graduação está ameaçado pelo não pagamento de bolsas a estudantes de pós-graduação, no Brasil e exterior. Muitos desses estudantes dependem desses recursos para sua subsistência. Outros fizeram a opção pela carreira acadêmica, renunciando a outras possibilidades profissionais. É necessário muito tempo para se construir e consolidar um sistema nacional de pós-graduação. Medidas como esses cortes abruptos causam uma desmobilização e desmotivação geral nos jovens pesquisadores, que tendem a buscar outras alternativas profissionais, saindo, inclusive, do país.”
Macêdo enfatiza o caso, em particular, da Computação. “O mercado de trabalho está bastante aquecido. Fazemos um grande esforço nas universidades e institutos federais para manter esses jovens, que facilmente encontrariam alternativas profissionais. Sem estabilidade e planejamento de longo prazo no financiamento de pesquisa e pagamentos de bolsas, todo nosso sistema está ameaçado, comprometendo o desenvolvimento social e econômico de nosso país.”, conclui.
Mobilização Nacional
Para o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG, Vinícius Soares, os cortes na Educação são consequência direta da “devassa” que Bolsonaro realizou nas contas públicas a fim de garantir a reeleição. “Os estudantes estão tendo que pagar a conta. Trabalhamos mais horas por dia em benefício do Brasil do que ele [Bolsonaro] e Paulo Guedes no mês inteiro, e mesmo assim estamos recebendo calote.” Além disso, “milhares de pós-graduandos possuem a bolsa como única fonte de renda e todos estão angustiados, pois precisam das bolsas para comer, se locomover e pagar contas.”
De acordo com Vinicius, a entidade começou a mobilizar as pessoas, ainda nesta terça, a reivindicarem o pagamento imediato das bolsas de estudos. “A ANPG convocou uma paralisação nacional, que já tem tido apoio de diversas entidades, para pressionarmos o governo federal a liberar o financeiro para que as universidades e a Capes possam cumprir suas obrigações orçamentárias.”, disse. “Já não bastasse os 75% de desvalorização das bolsas de estudos, temos essa instabilidade de pagamentos. Não é justo com quem se dedica com afinco diariamente pelo país. Os pós-graduandos são trabalhadores da ciência e merecem ser pagos.”, completou.