Com medo de prisão, Bolsonaro cogita pedir fim de atos em quartéis
Com medo de prisão, Bolsonaro cogita pedir fim de atos em quartéis
Judiciário e Forças Armadas já alertaram o presidente sobre a necessidade de desmobilizar os golpistas. Bolsonaro chegou a gravar um vídeo para apelar aos bolsonaristas que deixassem as rodovias federais, mas manteve silêncio sobre atos antidemocráticos nos quartéis.
Publicado pelo Portal Vermelho
Jair Bolsonaro (PL) decidiu recuar, ao menos por enquanto. O medo de ser condenado à prisão após o fim de seu governo – e do foro privilegiado – levou o presidente a vislumbrar um aceno ao Judiciário, em especial ao STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, ele já cogita pedir aos bolsonaristas o fim dos atos golpistas nas portas dos quartéis do Exército.
Ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto, Bolsonaro afirmou que falará publicamente em breve sobre o assunto, “em alguma ocasião pública ou mesmo em uma live” nas redes sociais. “A questão, porém, é o que ele deve dizer e quando fazê-lo”, registra Malu.
Aliados mais próximos sugerem que o presidente “agradeça a votação recebida nas eleições e a mobilização dos seguidores, mas diga que chegou a hora de lutar em outras frentes”. Outros creem que Bolsonaro “poderia dizer que perdeu a batalha, mas que a guerra continua – e convocar seus seguidores a ajudá-lo a resistir no Congresso contra o ‘comunismo’”.
Pesam contra Bolsonaro não apenas as desconfianças de praxe, haja vista seu recorrente desprezo ao Estado Democrático de Direito. As manifestações golpistas não são espontâneas – mas, sim, estimuladas em grupos e redes bolsonaristas. O primeiro problema adicional é que o presidente parece ter perdido o controle sobre seus seguidores.
Conforme lembra Malu Gaspar, “em alguns locais, como no Mato Grosso, manifestantes continuam fechando estradas e queimando ônibus, no que ministros do Supremo têm definido como atos terroristas”. Como convencer esses apoiadores mais extremados a saírem das ruas?
Outro problema: o STF não é a única instituição a alertar Bolsonaro. Na quinta-feira passada (24), no Palácio da Alvorada, os comandantes militares Marco Freire Gomes (Exército), Almir Garnier (Marinha) e Carlos de Almeida Baptista (Aeronáutica) foram claros com o presidente: é preciso – e é urgente – tirar os golpistas da porta dos quartéis, e só o governo pode liderar esse movimento.
Segundo o relato da CNN, dos três comandantes, dois lembraram a Bolsonaro que os pedidos de intervenção militar “não têm base legal”. Os atos, de resto, provocavam “problemas de segurança e discussões internas dentro das corporações”. Alguns “militares inconformados” com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial “estariam fomentando os protestos, com a participação de parentes e amigos”. Mas a cúpula das Forças Armadas vai seguir a Constituição.
O Judiciário já havia entrado em campo anteriormente para advertir o presidente. Ainda de acordo com Malu Gaspar, ministros do STF “enviaram diversos recados nos últimos dias” a Bolsonaro e aliados. O tom era de ultimato: se espera manter boas relações com o Supremo após o fim do mandato, o presidente tem de fazer dois gestos: “parar de insuflar questionamentos sobre o resultado das urnas e atuar para desmobilizar os manifestantes que estão aglomerados nas estradas e nas portas dos quartéis Brasil afora”.
O ministro Gilmar Mendes, que se reuniu com Bolsonaro em 22 de novembro, pediu-lhe que exerça “suas funções constitucionais” e se preocupe mais em viabilizar uma oposição a Lula do quem em questionar o resultado das eleições. Decano do STF, Mendes também conversou com Valdemar Costa Neto, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Jorge Oliveira.
Malu afirma que, diante desses interlocutores, o ministro do STF foi “mais enfático. Argumentou que na prática o governo acabou e que o ideal seria que o presidente usasse os dias que restam para acabar com qualquer resquício de tumulto institucional antes de deixar o Planalto – e, claro, demonstrar que merece um crédito de confiança do Supremo”.
O fato é que, há um mês, em 30 de outubro, Lula derrotava Bolsonaro (PL) e se elegia presidente do Brasil. Embora o resultado tenha sido reconhecido por 100% das instituições e dos observadores que fiscalizaram a votação, as horas bolsonaristas seguem contestando, sem provas, o sistema eleitoral e clamando por intervenção militar.
Dias após a eleição, o presidente chegou a gravar um vídeo para apelar aos bolsonaristas que deixassem as rodovias federais – houve mais de 900 pontos interditados ou bloqueados. Porém, em relação aos atos golpistas nos quartéis, tanto o governo quanto a família Bolsonaro mantêm um silêncio dúbio, como se estivessem à espera de uma alternativa para desestabilizar a democracia e manter a extrema-direita no poder.
Mas a percepção de que pode – e vá – ser preso deixa o presidente vulnerável. Numa espécie de ato falho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, usou parte da reunião com a equipe de Lula, no Gabinete de Transição, para choramingar o risco de uma condenação de Bolsonaro. O encontro ocorreu na semana passada, e Guedes pareceu sondar a possibilidade de uma trégua.
“Não é razoável um país onde todo ex-presidente é ameaçado de prisão – Lula, Temer e, agora, o Bolsonaro”, teria dito o ministro, conforme a coluna de Bela Megale no Globo. “Basta virar ex-presidente para ficar sob ameaça de prisão. É absurdo, uma falha sistêmica”, agregou Guedes, relativizando que, no caso de Bolsonaro, sobram bases legais para denúncias e condenações.
O tempo é inimigo do bolsonarismo, e a letargia do presidente após a derrota eleitoral agrava ainda mais a situação. A despeito dos manifestantes que estão nas ruas e lhe apoiam, Bolsonaro fica cada vez mais isolado. Convém a ele falar logo com suas bases, antes que seja tarde demais não apenas para evitar o caos – mas também para transformar a sede de prendê-lo uma obsessão.