Carestia anula efeito eleitoral do Auxílio Brasil e castiga Bolsonaro
Carestia anula efeito eleitoral do Auxílio Brasil e castiga Bolsonaro
Alta no preço dos alimentos pode fazer a inflação pesar até três vezes mais para as famílias de baixa renda
Publicado pelo Portal Verrmelho
Às voltas com um país em crise, Jair Bolsonaro (PL) ignorou os apelos de sua equipe econômica e turbinou o valor do Auxílio Brasil durante o período eleitoral. De olho no ganho em popularidade que colheu em 2020, logo após a implantação do auxílio emergencial na pandemia de Covid-19, o presidente esperava que o novo benefício fosse seu grande trunfo na campanha à reeleição.
É possível que, com o Auxílio Brasil, reajustado de modo temporário – e eleitoreiro – para R$ 600, Bolsonaro tenha contido a perda de votos para o ex-presidente Lula nas camadas mais pobres do eleitorado. Mas a “redução de danos” não impedirá o presidente de sofrer uma derrota particularmente expressiva entre esses eleitores.
A principal razão para o impacto limitado do Auxílio Brasil é o aumento das despesas básicas, notadamente com alimentos, que impacta justamente os mais pobres. Mesmo com a tendência à deflação no País, a sensação de carestia segue presente no dia a dia das famílias de baixa renda.
A carestia castiga o candidato Bolsonaro porque esse eleitor é mais vulnerável ao encarecimento dos produtos da cesta básica. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a alta no preço dos alimentos pode fazer a inflação pesar até três vezes mais para as famílias de baixa renda.
É o que tem ocorrido desde meados de 2020. Números do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, a inflação oficial do Brasil) mostram que, nesse período, o preço dos alimentos cresceu mais do que o conjunto dos produtos e serviços. Em setembro, a inflação geral acumulada em um ano baixou para 7,17%, enquanto a inflação de alimentos segue em dois dígitos: 11,71%.
A campanha eleitoral chegará ao fim sem que Bolsonaro tenha resolvido (ou ao menos enfrentado) efetivamente a carestia e a insegurança alimentar. Nos últimos três meses, graças à redução no preço dos combustíveis e da energia – que receberam subsídios –, houve deflação no Brasil. Com os alimentos, no entanto, o governo não recorreu a subsídios e só houve registro de deflação em setembro, após alta de 0,24% em agosto.
Assim, mesmo com preços agora em queda, diversos alimentos acumulam inflação de dois dígitos nos últimos 12 meses, conforme o IPCA. O leite, em um ano, ficou 40% mais caro, e o café, 37%. O preço da cebola mais que dobrou, elevando-se em 127%. O macarrão encareceu 20%, e a farinha de trigo, 35%.
A renda extra garantida com o Auxílio Brasil tem sido tragada, acima de tudo, pela inflação de alimentos, o que anula seu efeito eleitoral. Nas casas onde o benefício de R$ 600 chegou, usa-se o dinheiro para repor alimentos recém-cortados e pagar dívidas.
“A inflação de alimentos, em particular os para preparo no lar, tem impacto direto nas percepções e na confiança dos consumidores, em especial os de baixa renda, que tendem a ‘pensar com o bolso’”, diz Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem. Segundo ele, para os mais pobres a carestia pesa “nas avaliações sobre perspectivas do presente e do futuro próximo com impacto direto nas suas decisões de toda natureza. Especialmente em período de eleições”.
Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira (14) mostra a “vingança” desse eleitor contra o presidente. Conforme o levantamento, Lula, em uma semana, passou de 54% para 58% entre os eleitores que têm renda familiar mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.424). Já Bolsonaro oscilou de 37% para 36% – e justo num momento em que o programa tem um número recorde de beneficiários.
Segundo o Datafolha, metade do eleitorado ganha, em média, até dois salários mínimos. A vantagem de Lula sobre Bolsonaro nesse grupo – de 22 pontos percentuais – é muito superior à sua dianteira no conjunto do eleitorado, hoje em cinco pontos (49% a 44%).
A penúltima pesquisa do instituto, divulgada em 7 de outubro, cinco dias após o segundo turno, questionou os entrevistados sobre a relevância de alguns temas para a definição do voto. Para 76%, é importante manter o Auxílio Brasil a R$ 600 – uma demonstração do apoio majoritário a uma espécie de renda mínima.
Porém, os eleitores se revelaram ainda mais preocupados com a redução do desemprego (89%), o combate à inflação (89%) e a defesa dos direitos trabalhistas (91%). Quando o Datafolha pergunta qual dos dois presidenciáveis no segundo turno é “mais preparado” para enfrentar cada um desses desafios, Lula se destaca.
O ex-presidente é visto como o candidato com mais condições de garantir empregos (50%), direitos (55%) e inflação baixa (48%). Na população de baixa renda, esses percentuais saltam, respectivamente, para 57%, 60% e 54%. Não houve auxílio ou qualquer outra medida eleitoreira que tenha feito Bolsonaro superar Lula na preferência dos que mais precisam.