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Carestia anula efeito eleitoral do Auxílio Brasil e castiga Bolsonaro

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Carestia anula efeito eleitoral do Auxílio Brasil e castiga Bolsonaro

 

Alta no preço dos alimentos pode fazer a inflação pesar até três vezes mais para as famílias de baixa renda

 

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Às voltas com um país em crise, Jair Bolsonaro (PL) ignorou os apelos de sua equipe econômica e turbinou o valor do Auxílio Brasil durante o período eleitoral. De olho no ganho em popularidade que colheu em 2020, logo após a implantação do auxílio emergencial na pandemia de Covid-19, o presidente esperava que o novo benefício fosse seu grande trunfo na campanha à reeleição.

É possível que, com o Auxílio Brasil, reajustado de modo temporário – e eleitoreiro – para R$ 600, Bolsonaro tenha contido a perda de votos para o ex-presidente Lula nas camadas mais pobres do eleitorado. Mas a “redução de danos” não impedirá o presidente de sofrer uma derrota particularmente expressiva entre esses eleitores.

A principal razão para o impacto limitado do Auxílio Brasil é o aumento das despesas básicas, notadamente com alimentos, que impacta justamente os mais pobres. Mesmo com a tendência à deflação no País, a sensação de carestia segue presente no dia a dia das famílias de baixa renda.

A carestia castiga o candidato Bolsonaro porque esse eleitor é mais vulnerável ao encarecimento dos produtos da cesta básica. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a alta no preço dos alimentos pode fazer a inflação pesar até três vezes mais para as famílias de baixa renda.

É o que tem ocorrido desde meados de 2020. Números do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, a inflação oficial do Brasil) mostram que, nesse período, o preço dos alimentos cresceu mais do que o conjunto dos produtos e serviços. Em setembro, a inflação geral acumulada em um ano baixou para 7,17%, enquanto a inflação de alimentos segue em dois dígitos: 11,71%.

A campanha eleitoral chegará ao fim sem que Bolsonaro tenha resolvido (ou ao menos enfrentado) efetivamente a carestia e a insegurança alimentar.  Nos últimos três meses, graças à redução no preço dos combustíveis e da energia – que receberam subsídios –, houve deflação no Brasil. Com os alimentos, no entanto, o governo não recorreu a subsídios e só houve registro de deflação em setembro, após alta de 0,24% em agosto.

Assim, mesmo com preços agora em queda, diversos alimentos acumulam inflação de dois dígitos nos últimos 12 meses, conforme o IPCA. O leite, em um ano, ficou 40% mais caro, e o café, 37%. O preço da cebola mais que dobrou, elevando-se em 127%. O macarrão encareceu 20%, e a farinha de trigo, 35%.

A renda extra garantida com o Auxílio Brasil tem sido tragada, acima de tudo, pela inflação de alimentos, o que anula seu efeito eleitoral. Nas casas onde o benefício de R$ 600 chegou, usa-se o dinheiro para repor alimentos recém-cortados e pagar dívidas.

“A inflação de alimentos, em particular os para preparo no lar, tem impacto direto nas percepções e na confiança dos consumidores, em especial os de baixa renda, que tendem a ‘pensar com o bolso’”, diz Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem. Segundo ele, para os mais pobres a carestia pesa “nas avaliações sobre perspectivas do presente e do futuro próximo com impacto direto nas suas decisões de toda natureza. Especialmente em período de eleições”.

Pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira (14) mostra a “vingança” desse eleitor contra o presidente. Conforme o levantamento, Lula, em uma semana, passou de 54% para 58% entre os eleitores que têm renda familiar mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.424). Já Bolsonaro oscilou de 37% para 36% – e justo num momento em que o programa tem um número recorde de beneficiários.

Segundo o Datafolha, metade do eleitorado ganha, em média, até dois salários mínimos. A vantagem de Lula sobre Bolsonaro nesse grupo – de 22 pontos percentuais – é muito superior à sua dianteira no conjunto do eleitorado, hoje em cinco pontos (49% a 44%).

A penúltima pesquisa do instituto, divulgada em 7 de outubro, cinco dias após o segundo turno, questionou os entrevistados sobre a relevância de alguns temas para a definição do voto. Para 76%, é importante manter o Auxílio Brasil a R$ 600 – uma demonstração do apoio majoritário a uma espécie de renda mínima.

Porém, os eleitores se revelaram ainda mais preocupados com a redução do desemprego (89%), o combate à inflação (89%) e a defesa dos direitos trabalhistas (91%). Quando o Datafolha pergunta qual dos dois presidenciáveis no segundo turno é “mais preparado” para enfrentar cada um desses desafios, Lula se destaca.

O ex-presidente é visto como o candidato com mais condições de garantir empregos (50%), direitos (55%) e inflação baixa (48%). Na população de baixa renda, esses percentuais saltam, respectivamente, para 57%, 60% e 54%. Não houve auxílio ou qualquer outra medida eleitoreira que tenha feito Bolsonaro superar Lula na preferência dos que mais precisam.

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