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Carta em defesa da democracia é lida sob gritos de Fora Bolsonaro

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Carta em defesa da democracia é lida sob gritos de Fora Bolsonaro

 

A Faculdade de Direito da USP ficou lotada em defesa da democracia e do estado de direito. A unidade de amplos setores é a marca desse 11 de agosto histórico.

 

Fotos Publicas/Paulo Pinto

Milhares de pessoas lotaram o Largo São Francisco, os corredores, escadarias, janelas e pátios da mais antiga Faculdade de Direito de São Paulo, além de lotar o Salão Nobre e outros auditórios. No dia do advogado e do estudante, após a leitura da carta Em Defesa da Democracia e da Justiça, iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no ato ocorrido no Salão Nobre, o Pátio das Arcadas foi tomado por estudantes para a leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!” – o mais amplo manifesto pró-democracia na história do País – com acúmulo de 930 mil adesões.

Antes dos atos, religiosos cristãos, islâmicos e de matriz africana, chefes de cozinha e militantes sem terra, do coletivo Banquetaço, montaram uma mesa de pães em pleno Largo São Francisco, onde a defesa da democracia foi celebrada de forma mística, distribuindo pedaços do alimento para os presentes. Os pães artesanais foram dispostos de forma a escrever a palavra “Democracia”.

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Foto: Cezar Xavier

Contra o golpismo

Embora a unidade em torno dos documentos evitasse mencionar o presidente da República, os gritos de “Fora, Bolsonaro” ecoavam de todas as partes de dentro e fora do prédio. As cartas são uma resposta às declarações golpistas do presidente, contra a Justiça Eleitoral do país e as urnas eletrônicas. Apesar do frio, vento e garoa, pessoas levaram seus cartazes, se fantasiaram de animais, levaram crianças, se manifestaram contra a fome. Parte da multidão partiu em direção à avenida Paulista, em passeata.

Com predominância de estudantes e militantes sociais, o pátio das Arcadas foi o espaço da leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito”. Em vários pontos da faculdade e nas ruas ao redor, as pessoas podiam participar assistindo a transmissão por telão.

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Da esquerda para a direita: Walter Casagrande, Marina Silva, Marcelo Rubens Paiva, Silvio Almeida, Bela Gil, Márcio França. Fotos: Cezar Xavier

Entre as pessoas que desfilavam pelos corredores, o Portal Vermelho conversou com políticos como Marina Silva (Rede) e Márcio França (PSB), além de esportistas como Walter Casagrande, a chef de cozinha Bela Gil, o escritor Marcelo Rubens Paiva, o professor de direito Sílvio Almeida, o sindicalista Adilson Araújo (CTB) e a líder estudantil Bruna Brelaz (UNE), entre outros. Até Daniela Mercury cantou para o público que enfrentava a garoa, do alto de uma sacada.

Bela Gil achou importante participar diante das ameaças que percebe à democracia. Ela destacou a possibilidade de poder reunir tanta diversidade de pessoas nas ruas em defesa de seus direitos democráticos, “unindo forças por um Brasil melhor”.

Casagrande disse que a Carta contribuiu para que as pessoas entendessem a dimensão do ataque que a democracia vem sofrendo. Ele disse que tinha dúvida se, com as redes sociais, as pessoas iriam às ruas. “Nós estamos saindo!”

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O candidato ao Senado, Márcio França (PSB), disse que a tentativa de impor o medo acabou gerando uma reação da sociedade “à altura”, reunindo empresários, banqueiros e trabalhadores. A mesma unidade expressa nesta eleição, é parte deste clima que ele comparou às Diretas Já.

O professor Silvio Almeida diz que este momento é só o início de um processo que ainda deve construir um importante legado. Para ele, se posicionaram ali, forças que ainda não tinham se manifestado pelo “descalabro” que o Brasil está vivendo. “Isto que está acontecendo não é um ato simbólico e abstrato, mas concreto, de muitas práticas políticas que tiveram que se efetivar para que isto se realizasse. Isso pode ser o começo de algo importante, porque o Brasil não precisa apenas se reformar, mas se transformar, virar uma coisa que ele nunca foi. Para que pessoas como essas que nos governam, hoje, não possam ter espaço”.

Marcelo Rubens Paiva disse que vê todas as instituições democráticas sendo atacadas, por isso compareceu. Ele mencionou a UNE, com seus 85 anos, e outras instituições centenárias sob ataque, “por um presidente que não respeita os brasileiros e a historia do país”. “Um presidente que namora o autoritarismo e tem torturadores como seus ídolos, generais ditadores como sua inspiração. O Brasil não pode ignorar conquistas que vêm de mais de 200 anos, grão a grão, luta a luta, sangue a sangue”.

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Adilson Araújo e Bruna Brelaz. Foto: Cezar Xavier

O presidente da Central de Trabalhadoras e Trabalhadores do Brasil (CTB), Adilson Araújo, disse que o ato demonstra que a sociedade está tomando consciência da importância da defesa do Estado Democrático de direito. “Estamos numa encruzilhada em que as dificuldades vividas pelo nosso povo justificam uma resposta à altura. Bolsonaro é uma ameaça à nação, ao povo e a um sistema eleitoral reconhecido em todo o mundo. Nada justifica os arroubos autoritários de um governo genocida”, disse o sindicalista.

Bruna comemora os 85 anos de lutas da União Nacional dos Estudantes em meio a um momento histórico para a democracia. “A UNE construiu essa trajetória na luta contra o nazifascismo, contra a ditadura militar e em defesa da redemocratização do país. Queremos que as gerações que nos antecederam tenham orgulho desta que está a frente da defesa da democracia, neste momento”, afirmou.

Jamil Murad. Foto: Cezar Xavier

O médico e ex-parlamentar Jamil Murad (PCdoB) observa a movimentação como um despertar de um segmento da sociedade que entendia que tudo não passava de uma disputa eleitoral. “O que está em disputa é a escolha entre um Brasil democrático com Constituição ou um Brasil autoritário com um arremedo de Constituição, como já fizeram os generais na ditadura”, declarou.

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“O significado maior desta unidade é o de defender, manter, ampliar aquilo que nos é de mais caro, que é a democracia”, disse Marina Silva. “A democracia é a condição para que a inteligência de uns não queira substituir a inteligência de todos, o poder de todos não seja substituído pelo poder de alguns. A condição para que tenhamos muitos olhares, muitas escutas e fazeres e saberes na hora de resolver grandes problemas. Sem ela, a gente vai estar subtraído daquilo que não está com nenhum de nós, que é a inteligência coletiva. A força coletiva está entre nós”.

Leitura emocionada

Foto: Cezar Xavier

A atriz Roberta Estrela D’Alva abriu a cerimônia de leitura da Carta e Manuela de Moraes, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, deu as boas-vindas.

“Hoje surge como tarefa democrática a união de diversos setores da sociedade para defender as liberdades e os direitos pelos quais uma geração inteira de lutadores deu a vida para conquistar. (…) Somos jovens, negros, periféricos: uma nova intelectualidade que é fruto da escola pública, das quebradas e das favelas. Não queremos a democracia da fome, das chacinas e, tampouco, a democracia dos ricos. Queremos a democracia dos povos.”

O diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, também destacou a diversidade social em torno do manifesto. “Aqui nós temos a reunião de sindicalistas, de empresários e de movimentos sociais da sociedade civil. Isso mostra que as eleições já têm um vencedor, este vencedor é o sistema eleitoral brasileiro. Este vencedor é a legalidade do estado democrático de direito sempre. Principalmente, o mais importante, o vencedor da eleições é o povo brasileiro.”

Foi feita uma homenagem aos signatários da Carta aos Brasileiros de 1977, que também reuniu a sociedade civil brasileira em torno da defesa da democracia e pelo fim da ditadura militar. Aquela carta também foi lida no 11 de agosto, no mesmo Pátio das Arcadas.

O manifesto foi lido por Eunice de Jesus Prudente, professora da faculdade de direito da USP e da faculdade Zumbi dos Palmares, autora da primeira tese que propõe a criminalização da discriminação racial, em 1980. Maria Paula Dallari Bucci, professora da faculdade de direito da USP; Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, um dos articuladores da carta aos brasileiros de 77 e ex-ministro do Tribunal Superior Militar; e Ana Elisa Liberatore Silva Bechara, professora e vice-diretora da Faculdade de Direito da USP.

Foi relatado pelos responsáveis pela iniciativa que a carta já foi endossada por 727 porteiros, 8.973 desempregados, 5.045 enfermeiros, 4.217 motoristas, 6.619 policiais, 519 delegados de polícia, 28.868 engenheiros, 15 mil médicos e 4231 magistrados, entre outros. Todos os presidenciáveis, com exceção de Jair Bolsonaro (PL), assinaram o documento, assim como ex-presidentes e políticos.

A carta sofreu ataques hackers para impedir as assinaturas, mas tem sido lida constantemente nas redes sociais por artistas de todo o Brasil. O texto foi publicado também em inglês, espanhol, francês, italiano e alemão e expõe internacionalmente o isolamento do presidente Bolsonaro, em suas críticas ao processo eleitoral e à urna eletrônica.

A leitura foi encerrada por volta das 12h40 com um coro do público presente pedindo “Fora Bolsonaro”.

LEIA A ÍNTEGRA DA CARTA AOS BRASILEIROS E BRASILEIRAS EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Fotos: Cezar Xavier