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Entrevista: Frei Betto fala sobre eleições e ameaças do “inominável”

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Entrevista: Frei Betto fala sobre eleições e ameaças do “inominável”

 

Ao Portal Vermelho, durante ato em solidariedade a Cuba e ao povo cubano, Frei Betto também falou sobre religião e o seu novo livro “Tom Vermelho do Verde”.

 

Imagem: Aroeira

Durante o ato em solidariedade a Cuba e ao povo cubano, em São Paulo, Frei Betto, autor de mais de 70 livros, entre eles Batismo de Sangue (1982), vencedor do Jabuti, principal prêmio literário do Brasil, concedeu entrevista ao Portal Vermelho. Na oportunidade falou sobre política, eleições, religião, o seu novo livro “Tom Vermelho do Verde” e as ameaças do governo Bolsonaro, o qual prefere não citar o nome, o chamando de inominável. Confira:

O senhor já afirmou que “é um engano achar que a ditadura foi melhor”. Mas existe algum paralelo do que vivemos hoje com o período da ditadura militar?

Há alguns paralelos. Naquele momento havia menos militares nas estruturas do governo federal do que agora. Agora houve uma ocupação muito significativa com a vantagem que eles têm de duplo soldo. O soldo da caserna e o salário de funcionário público federal. Mas ainda não temos um sistema de censura completa como havia na ditadura e nem uma repressão sistemática com tortura, desaparecimentos, banimento, enfim, isso realmente não dá para dizer que é a mesma coisa. Não é a mesma coisa! A ditadura foi muito pior do que o que estamos vivendo.

Mas a situação atual também é muito trágica, porque na ditadura teve uma política econômica que imprimiu uma certa melhoria de vida durante um período, o que não acontece no governo do inominável. Eu me recuso a dizer o nome. No governo do inominável a economia está em frangalhos. A pandemia com quase 700 mil mortos é um retrato do descaso e da incapacidade dele em exercer até o cargo de síndico de um prédio. Creio que a reação da sociedade civil, felizmente está brotando. Principalmente com este manifesto para 11 de agosto [que remete a Carta aos Brasileiros de 1977] e o manifesto da FIESP, mas eu sinto muita falta das mobilizações de rua que havia durante a ditadura e hoje, infelizmente, a gente está muito tocado por uma certa inércia.

A sociedade está desperta para um risco de um eventual segundo mandato do atual presidente?

Olha, eu acho que não tem uma conjuntura internacional favorável para um golpe no modelo de 1964. Primeiro que eu não vejo a possibilidade dele ter um segundo mandato. Ele pode tentar sabotar o processo eleitoral, como decretar um estado de emergência, ou dizer que tem que adiá-lo. Mas acho difícil por causa da conjuntura internacional e de um posicionamento claro que o governo dos Estados Unidos teve de que deve haver eleições.

Frei Beto no ato em solidariedade a Cuba e ao povo cubano. Foto: Murilo da Silva

primeiro ato oficial de campanha do Lula está marcado para o Vale do Anhangabaú. O que remete às marcantes manifestações das Diretas Já, se opondo aos atos convocados para o 7 de setembro pelo atual presidente.

Espero que vá o maior número possível de pessoas. Estarei lá também. É muito importante essa mobilização popular. Como eu disse, estranho que hoje a gente esteja nesta inércia, porque mesmo sob à ditadura ocorreu a passeata dos Cem mil, a passeata das Diretas Já, enfim, várias manifestações de massa, ocupando com milhões de pessoas nas ruas. Isso não tem ocorrido agora apesar dessa enorme rejeição dessa figura inominável.

No artigo Religião e Eleição, o senhor fala que o poder de cooptação do sistema capitalista se mostra muito mais sedutor que os ensinamentos cristãos. O inominável trabalha dentro desse campo. Como o senhor avalia o artigo em paralelo com o atual presidente?

O inominável, burro não é. Então ele usa muito o fator que mais sensibiliza e mobiliza a base popular brasileira que é a religião. Fator este que, durante muitas décadas, foi desprezado com preconceito pela esquerda. A esquerda cometeu um grave erro de considerar a religião mera alienação, que não merecia nenhum tipo de análise. Isto foi quebrado pela entrevista que o Fidel me concedeu no livro “Fidel e a Religião”, onde ele coloca como o Engels e o Marx também falam que a religião é como a política. Pode servir para alienar, como pode servir para libertar. Depende como isto é conduzido. A religião não é intrinsecamente alienante. Mas durante muito tempo, por causa do preconceito positivista que influiu no marxismo clássico, principalmente na União Soviética, havia isto.

E a direita nunca abriu mão de manipular a religião e é o que o inominável faz, não tem nenhum compromisso com nenhum valor evangélico. O amai-vos uns aos outros de Jesus ele transformou em armai-vos uns aos outros. Portanto, ele apenas faz aquilo que o segundo mandamento da lei de Deus condena que é tomar o seu santo nome em vão. Isso ele abusa flagrantemente sem nenhum pudor.

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Nesta subversão de valores, há uma grande perseguição feita por alguns setores ao Padre Júlio Lancelloti….

O Padre Júlio Lancellotti faz um trabalho importante com as pessoas em situação de rua. Muito importante o trabalho que ele faz, realmente é uma figura respeitável, louvável, e que irrita muito as autoridades porque, justamente, dá visibilidade para aqueles que sempre foram considerados invisíveis e descartáveis.

E existe ataques de outros padres…

Ah, sim. Tem toda uma geração de padres e bispos formada nos pontificados de João Paulo II e Bento XVI que são conservadores, alguns são apoiadores do inominável. Isso é normal. Hoje a igreja vive um paradoxo, porque tem uma cabeça muito progressista que é o Papa Francisco, mas um corpo com forte tendência conservadora.

Frei Betto em encontro em São Paulo. Foto: Murilo da Silva

Sobre o seu novo livro Tom Vermelho do Verde, ele traz como temática a invasão de territórios indígenas. No atual governo nenhum território indígena foi demarcado e as invasões às terras cresceram. Como o livro casa com o momento atual?

Casa por uma mera coincidência mesmo. Ninguém esperava que esta atrocidade com o Bruno Pereira e o Dom Philips fosse ocorrer. O fato é que o Tom Vermelho do Verde relata um episódio pouco conhecido da história do Brasil que é o massacre que a ditadura fez de povos indígenas. No caso, uma nação específica que é a Waimiri-Atroari que fica entre o norte da Amazônia e o sul de Roraima. É uma nação muito expressiva que hoje se calcula que tenha seis mil indivíduos. Possivelmente é a maior depois dos Yanomamis. Isso nunca foi revelado com o destaque que merece.

Então é um romance baseado em um fato real, porque houve este massacre na ditadura. Eu produzi durante cinco anos, eu trabalhei nesta narrativa para que as pessoas saibam exatamente o que a ditadura fez não só com os movimentos estudantis, com os intelectuais, com os sindicatos, movimentos populares, mas também com os povos indígenas.

Estamos aqui no ato em solidariedade a Cuba. Como avalia este encontro e o atual momento que passam?

O ato é muito importante. Eu acho que Cuba está vivento um momento muito difícil devido ao bloqueio econômico, à pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia. Por isso é muito importante intensificarmos esta solidariedade com o país, com o povo cubano, que é um povo extraordinário e mostra enorme resiliência diante da pressão da Casa Branca. Merecem todo o nosso respeito e o nosso aplauso.

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 Por fim, qual a expectativa para as eleições? E para 2023?

A expectativa é que o Lula seja eleito. O Haddad seja eleito governador de São Paulo. Que a gente consiga fazer um Congresso significativamente progressista. Essa é a minha expectativa, que a gente ajude a mudar este país e reconstruir tudo isso que foi demolido.

O desafio em ter uma estrutura parlamentar de congressistas democráticos é um desafio até maior?

É até maior. Agora, eu acho que muita gente que está no parlamento não estará, o que vai surpreender. A minha intuição, avaliação, é que teremos um bom número de deputados federais e senadores progressistas.