Ele apenas ecoava o próprio Dino, que já havia tuitado reclamações sobre o texto horas antes. Na mesma semana, recebi ligações de outros parlamentares do partido e de pessoas ligadas ao governo do Maranhão. Em um fim de noite, um jornalista me ligou dizendo que estava apurando uma história de que nós do TIB não tínhamos dado direito de resposta a Flavio Dino, publicando a reportagem sem ouvi-lo. A “denúncia” teria partido de membros do governo Dino.
Só que é mentira.
Reclamar é do jogo. De Sergio Moro a Olavo de Carvalho, estamos sempre lidando com protestos de pessoas citadas nas reportagens do TIB. Está em nossa missão: incomodar os poderosos. Está dando certo.
O curioso (pra dizer o mínimo) é que o próprio deputado Jerry havia me ligado dias antes para saber porque não tínhamos dado direito de resposta ao governo. Eu disse que a resposta estava na matéria – o governo do Maranhão foi, sim, ouvido antes da reportagem, e qualquer um que diga o contrário mente. E perguntei se ele falava do 2º direito de resposta que o governo pediu (e que também acrescentamos ao texto, nesse caso depois da publicação). Jerry não sabia, disse que iria se informar melhor e me ligar.
Não ligou, e depois tuitou atacando o site. Uma turba de defensores de Dino tomou as nossas redes sociais para reclamar da matéria – num ataque não muito diferente do que estamos acostumados a ver quando publicamos reportagens sobre o governo Bolsonaro. “Ah, então você está comparando Dino com Bolsonaro?” Não.
Mas, em apenas 215 toques, Jerry derrapa incríveis quatro vezes. Vamos lá, passo a passo:
1. A “intensa campanha”
Publicamos uma (01) reportagem e um (01) vídeo.
2. “Distorções”
Procuramos o governo do Maranhão antes de publicar a reportagem, como eu já disse. A valente e competente repórter Sabrina Felipe (que em trocas de mensagens privadas conosco o governo do Maranhão fez questão de chamar de “freelancer”, como se isso fosse um insulto) enviou 26 perguntas a dois e-mails do governo (agencia.secap@secap.ma.gov.br e agencia.secomma@gmail.com) no dia 3 dezembro, mais de dois meses antes da matéria ir ao ar. As perguntas foram respondidas de forma protocolar, sem entrar em detalhes sobre o cerne da reportagem. Além disso, o vice-governador, uma empresa do estado e quatro secretarias foram questionadas sobre temas pertinentes à reportagem ao longo da apuração, que durou meses. O governo teve tempo e amplo espaço para fazer esclarecimentos. Optou por ser superficial.
Mesmo assim, incluímos novos acréscimos sobre o posicionamento de Dino e companhia após a publicação da matéria para ampliar a resposta do governo a pontos que não foram respondidas antes da publicação – apesar do governo ter tido mais de dois meses para enviar respostas.
Dino e Jerry atacaram coisas que não foram ditas na reportagem. Responderam coisas que sequer dissemos. O governador “esclareceu” num tuíte, por exemplo, que o governo não é parte da ação de desalojamento das famílias e que não pode descumprir decisões judiciais. E está correto. Mas nunca escrevemos que o governo era parte da ação ou que deveria descumprir a decisão. Dino tem poder para intermediar uma solução já que é a sua polícia militar que vai cumprir a decisão judicial. E há mil formas de fazer isso. A forma como eles fizeram pode ser lida e vista no TIB. Tirem suas próprias conclusões.
Como eles pretendem corrigir fatos ou distorções que não constam no nosso texto? Não faz sentido, e não publicaríamos isso.
3. “Mentiras”
Podemos ter errado alguma informação, certo? Certo. Pedimos várias vezes via WhatsApp a Jerry e assessores (sim, mais de um) para o governo corrigir fatos da reportagem. Nenhum pedido de correção foi enviado. Quando perguntamos sobre erros objetivos, todos se calaram.
4. “Que que é isso, @TheInterceptBr”
É jornalismo, Jerry. O tuíte pressupõe que existe uma campanha política contra o governo ou o governador. Isso é falso. Estamos apenas cumprindo com a nossa missão: enfrentar abusos de poder e dar voz à população que não tem megafone, dinheiro ou militantes para se defender. Se vem do PCdoB ou de sei lá onde, isso não nos importa.
Se Dino quer mesmo ser presidente, ele precisa melhorar a comunicação e as respostas que dá. Frases vazias e de efeito não resolvem nada. A não ser que queira seguir as táticas do bolsonarismo. Aí está no caminho certo.
Enquanto o governo e seus aliados criavam toda essa fumaça, ignoraram o cerne da reportagem: que populações estão sendo atropeladas por projetos que podem não ser de propriedade do governo (são privados, como dissemos) ou terem começado na gestão Dino, mas que agora estão sob a sua responsabilidade. Dino assinou três decretos de desapropriação. Precisa responder por eles em vez de coordenar ações contra nosso jornalismo.
Nós sabemos que muitos leitores do TIB discordam sobre usarmos nosso tempo para reportagens que tratam de um político que pode significar esperança para esse Brasil despedaçado. Respeitamos, mas discordamos. Nossa reportagem não é sobre Dino, mas sobre as populações que estão sendo esmagadas por esses investimentos – e com o aval do governador. É isso o que fazemos aqui no TIB, todos os dias, doa a quem doer. Leia o breve relato de uma moradora que teve 20 dias para deixar sua casa:
“Quando você vê 20 dias, você pensa: pra onde eu vou? O que vou fazer? Eu disse: ‘nós não vamos sair daqui, vamos lutar’”, conta Ana Maria. “Meu avô ficou desesperado, revoltadíssimo, dizendo que o suor dele derramado estava indo pro lixo. Ele tinha 92 anos”. O avô entrou em depressão, segundo ela, e disse que só sairia dali morto. Ele faleceu no mesmo ano.”
Não parece uma escolha muito difícil.
Abraços e bom final de semana. |