Bolsonaro mantém retórica da campanha eleitoral nos EUA
Para Reginaldo Nasser, Trump e Bolsonaro dão a impressão de que a política externa se faz no Twitter. Na opinião de Rodrigo Gallo, discurso de alinhamento com EUA não é produtivo para o Brasil.
Por Eduardo Maretti, da RBA
“Habituou-se a dar peso imediatista às visitas, e, na verdade, política externa, política comercial e de segurança internacional não se decidem a partir de declarações, ou desses pequenos encontros entre presidentes, mas, sim, a partir de uma série de variáveis que envolvem muitos atores de ambos os países”, diz.
Se é sempre recomendável avaliar visitas como a do presidente brasileiro aos EUA com certa precaução, isso é ainda mais notório no caso de Bolsonaro. “Tanto ele como Donald Trump são de um estilo para o qual parece que a política externa se faz no Twitter, com bravatas. Ninguém faz política externa assim”, diz Nasser.
Na opinião do professor da PUC-SP, não é a retórica que terá peso para mudar relações históricas. “Os Estados Unidos começaram a ter uma política comercial com a China em 1894. Então, é Bolsonaro que vai lá dizer o que é a China?” Ele lembra que, na década de 70, com Richard Nixon e Henry Kissinger, um de seus governos mais conservadores, os EUA se aproximaram da China de Mao Tsé-Tung. “Toda essa retórica de hoje não tem efeito nenhum, só nos tuítes do Olavo de Carvalho e deputados aliados por aí.”
Considerando que se está falando de questões diplomáticas, para Rodrigo Gallo, professor de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), é digno de nota o quase nulo protagonismo do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, na viagem, pelo menos até esta segunda-feira (18).
“É interessante que ministro das Relações Exteriores, numa missão diplomática desse porte, que teoricamente seria o mais habilitado para lidar com essas questões, quase não fala a respeito”, diz Gallo. “O mais tradicional seria termos um ministério das Relações Exteriores mais ativo.”
Os discursos de Bolsonaro continuam parecendo campanha eleitoral. Ao chegar aos EUA, o presidente afirmou que sempre sonhou “em libertar o Brasil da nefasta ideologia da esquerda” e acrescentou: “Nosso Brasil caminhava em direção ao socialismo, ao comunismo.” Informou ainda aos americanos que “o nosso país” se desviou desse caminho pela “vontade de Deus”.
Para Nasser, a ida do mandatário brasileiro aos Estados Unidos “tem um tom muito mais para eleitores e seguidores de ambos, nos seus respectivos países, do que uma sinalização mais forte de algo concreto”. Executivos da área comercial e investidores, por exemplo, não dão importância a variáveis ideológicas como as colocadas por Bolsonaro e seus auxiliares entre ontem – quando o grupo chegou aos EUA – e hoje.
Não havia nenhum representante influente do governo dos Estados Unidos no jantar do qual Bolsonaro participou no domingo, na residência do embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral. A “celebridade” mais importante no jantar foi Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump que foi defenestrado do governo pelo ex-chefe e assessorou a própria campanha eleitoral do brasileiro. “Não tinha ninguém com influência no governo ou na economia americana nesse jantar”, lembra Nasser.
Alcântara e Venezuela
Entre as questões a serem discutidas estão a Venezuela e a base de Alcântara. Bolsonaro assinou nesta segunda um acordo pelo qual autoriza os Estados Unidos a lançar foguetes da base no Maranhão.
Para Gallo, a questão de Alcântara é sensível. “É uma base estratégica de lançamento de foguetes. Acho que nem todo mundo dentro do Exército, nem a base de apoio militar do Bolsonaro, concorda, porque é ceder uma área estratégica a outro país. Um acordo desse tipo vale por décadas.”
Sobre a Venezuela, os dois presidentes devem reutilizar a retórica “pró-democracia” no país vizinho, reforçando o apoio a Juan Guaidó contra o presidente Nicolás Maduro.
Nos últimos cerca de 15 anos o Brasil priorizou uma política externa multilateral. “Esse discurso de alinhamento com os Estados Unidos não é produtivo para a política externa. O ideal é dar continuidade ao debate sobre multilateralismo”, defende o professor da Fespsp. “Mesmo no regime militar, o governo Geisel aproximou o Brasil de países africanos como Angola. Temos uma tradição de multilateralismo que não pode ser perdida.”
^Fonte: RBA