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Breves reflexões sobre o Pacote Anticrime de Sérgio Moro

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“É ilusório supor que somente medidas repressivas de combate á criminalidade, arrefecerão o ímpeto criminoso da imensa população marginalizada do Brasil”.

Por André Praxedes*

 

 

Inicialmente, sempre é oportuno considerar que continuamos seguros e firmes que a melhor forma de combate à criminalidade, notadamente, do tráfico de drogas, homicídios, roubos e outros delitos graves, consiste em conciliar políticas de repressão e prevenção, sendo que esta é conseguida através de boas politicas públicas, que, aqui no Brasil, deveriam ser estabelecidas prioritariamente em favor das populações em situação de vulnerabilidade .

Assim , é ilusório supor que somente medidas repressivas de combate á criminalidade, arrefecerão o ímpeto criminoso da imensa população marginalizada do Brasil.

A experiência com a Lei 8072/90, nos leva a essa inferência !

Mas, considerando a boa fé do atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, julgamos importante fazer, ainda que informalmente, algumas considerações nesta rede social, sem prejuízo de uma maior reflexão sobre as mesmas:

1. Da execução provisória ada pena

O atual governo pretende inserir definitivamente no Código de Processo Penal (CPP), regra expressa prevendo a possibilidade de cumprimento da pena, após condenação em segunda instância, o que até hoje, diga-se de passagem, não existe .

Não que sejamos contra a possibilidade da execução provisória da pena a partir de decisão de órgão colegiado, pois além de razoável, cumpre dizer que no direito comparado, muitos países com a mesma tradição jurídica que o Brasil, adotam-na .

A questão é que no bojo da pretensão do atual governo, de normatizar a possibilidade de cumprimento da pena a partir de decisão de segunda instância, impossível não reportar-se ao paradigmático caso do ex-presidente Lula, que, condenado pelo então juiz Sérgio Moro, encontra-se em pleno cumprimento de sua pena, mas não por autorização da Constituição ou do CPP, e sim por um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu a controvérsia por maioria de votos ( 6×5 ), influenciado, a bem da verdade, por um contexto de ódio social contra Lula.

Que fique claro de uma vez por todas. Nem a Constituição e nem as regras atuais do CPP autorizavam que Lula, a partir da ratificação da sentença de Moro pelo TRF-4a Região, iniciasse o cumprimento da pena, o que reforça, com as devidas vênias das opiniões em contrário , o caráter político de seu encarceramento .

Despiciendo aqui reportar-se aos casos conhecidos no país de pressões sofridas pelo STF, inclusive por generais do Exército, para impedir a liberdade do ex-presidente da República. Agora, não querem nem mesmo deixá-lo fruir direitos previstos na Lei de Execuções Penais (Lei No. 7210/84 ).

Voltando ao “Projeto Moro”, é curioso verificar que o mesmo, a despeito de estatuir a possibilidade da execução provisória da pena a partir de decisão de Tribunal, também estabelece hipóteses de efeito suspensivo do Recurso Extraordinário (RE) e do Recurso Especial (RESP) contra o acórdão condenatório. Em uma análise acurada do texto normativo a que se aludimos, verifica-se que as hipóteses caberiam perfeitamente à situação processual do ex-presidente .

Diz o projeto que :

“ excepcionalmente, poderão o STF e o STJ atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário e ao recurso especial, quando verificado que o recurso levanta uma questão federal ou constitucional relevante, com repercussão geral e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença… “

Diante das questões relevantes ( competência, nulidades, cerceamento de defesa, ausência de provas ) ventiladas pela Defesa de Lula no RESP ao STJ e no RE ao STF, se as regras de Moro já estivessem em vigor quando da interposição dos referidos recursos, certamente o ex-presidente obteria efeito suspensivo nos recursos interpostos perante as Cortes Superiores do país, e estaria solto esperando o resultado dos julgamento dos recursos .

Em suma: A execução provisória da pena, em casos complexo como o do ex-presidente Lula, onde há varias questões jurídicas a ser analisadas pelos tribunais superiores, pode produzir injustiça irreparável, em caso de eventual absolvição ou de anulação da sentença, perante o STJ e STF .

2. Da Legítima Defesa 

Por coerência e fidelidade a Bolsonaro , o Projeto Moro, inclui duas hipóteses desnecessárias de legítima defesa, para excluir responsabilidade penal nas ações de agentes de segurança pública, que em situações de conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previnam injustiça e iminente agressão a direito seu ou de outrem.

Trocando em miúdos: Bolsonaro e Moro querem um permissivo legal para a polícia matar pobres, notadamente pretos e pardos que vivem nas favelas e nas periferias das grandes cidades .

Suponhamos que um individuo fosse visto no Morro do Alemão portando ilegalmente um fuzil. Pelas regras atuais, deveria ser preso em flagrante e autuado no art 14 da Lei 10.826/03 ( Estatuto do Desarmamento ). Pelas novas regras,haveria autorização legal para a execução sumária dele, ainda que não estivesse agredindo ou na iminência de agredir outrem.

Suponhamos uma outra situação :

Um policial militar em uma operação na favela do Rio ou na Estrutural (DF), ao se deparar com um um indivíduo armado que o ameaça, efetua um disparo atingindo-o, vindo este a cair ferido no chão. Se o tal indivíduo não o ameaçar mais, não haveria qualquer autorização legal para que o policial continuasse atirando, e aí qualquer ação praticada a mais, seria punida a título de excesso bolso ou culposo.

Acontece que o projeto de Moro, avalizado por Bolsonaro, prevê redução até a metade, ou mesmo a isenção da penaI, para os casos em que o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.

Ora, não é preciso muito esforço intelectual para inferir a estratégia da defesa, para, nos casos de excesso, conseguir a isenção de pena ( ou a redução até a metade ) para policiais que matam nos guetos de exclusão social no Brasil .

3. Do Caixa 2 em eleições

Ainda que atualmente o Caixa 2 não seja tipificado no Código Penal (CP), data vênia, é vexatório e constrangedor, que pretendendo agora criminalizar tal comportamento, seja tolerado a presença no atual governo do Ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que confessou publicamente que se valeu de deletéria prática em eleições que concorreu.

4. Plea Bargain ( justiça negociada )

Por princípio, somos contra o acordo penal, inclusive em delitos de menor potencial ofensivo, por violação a vários princípios constitucionais.

Agora o Projeto Moro pretende ampliar a negociação penal, para alcançar também crimes cujo o máximo da pena privativa de liberdade não ultrapasse a 4 anos. Por exemplo: delito de furto ( art 155 CP )

Levando-em consideração que a maioria dos indivíduos alcançados pela justiça penal são pobres e excluídos e, considerando ainda que no Brasil a Defensoria Publica ainda não tem a mesma estrutura material que o Ministério Público e, considerando ainda os “tempos de exceção” que atravessa o país, não é muito difícil imaginar as velhas e conhecidas pressões de membros do Parquet para a realização do acordo penal, em audiências muitas vezes realizadas sem a presença de defensor público, que a pretexto de desburocratizar a justiça penal< na verdade, vilipendia o princípio da culpabilidade, da presunção de inocência, o contraditório e da ampla defesa, vetores do processo penal democrático .

Enfim, reflexões. Nada mais que reflexões !

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