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Ângela Guimarães: Combater a intolerância religiosa todos os dias

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Segundo a nossa tão combalida e atacada Constituição Federal de 1988, no seu Artigo 5º, § VI: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

 

 

Entretanto, na vida real não tem sido assim. O desrespeito, a intolerância e o racismo religioso têm sido absolutamente persistentes ao longo dos anos em nosso país. Marcas indeléveis de um Brasil da Casa Grande que tenta, a todo custo, manter subjugada a população de origem africana.

A intolerância religiosa é uma das mais destacadas formas de desrespeito aos direitos humanos e às liberdades individuais, com graves impactos em todas as dimensões da vida humana. A possibilidade de vivenciar crenças em uma dimensão espiritual é parte da história da humanidade. Há uma infinidade de religiões e de convívio com o sagrado permeando a nossa existência, assim como o materialismo, o ateísmo, tem o seu lugar histórico.

A luta contra essa violação aos direitos humanos tem sido feita por um grande número de lideranças religiosas, variados movimentos sociais e coletivos de diversas expressões religiosas inconformados com atos de agressão e violência perpetrados contra espíritas, candomblecistas, muçulmanos, dentre outras denominações religiosas.

A União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro), ao longo dos seus 30 anos de existência, tem se somado a esta luta histórica e coletiva, levada a cabo por muitas gerações, e essencial para que exista o respeito às diversas expressões de fé e crenças religiosas.

Como resultado desta intensa luta, no ano de 2004, foi sancionada a Lei Municipal nº 6464/2004, que instituiu, em Salvador, o Dia Municipal de Combate à Intolerância Religiosa. Essa conquista legislativa resultou da iniciativa da então vereadora do PCdoB, Olívia Santana (primeira Coordenadora Nacional da Unegro) e foi uma homenagem à memória de Mãe Gilda de Ogum, Ialorixá que morreu vítima de uma parada cardíaca, após ataques de seguidores de igrejas neopentecostais ao seu terreiro de Candomblé, Abassá de Ogum, em Salvador.

O debate sobre a necessidade de uma Lei Nacional que estabelecesse um dia de reflexão e luta chegou ao Congresso Nacional. Em 05 de dezembro de 2007 o Projeto de Lei que institui o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, de iniciativa do deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA), originado na Câmara, foi aprovado no Senado Federal e, em seguida, sancionado pelo presidente Lula: a Lei nº 11.635.

Mesmo após 12 anos de sanção da lei que instituiu o Dia Nacional, a realidade pouco se alterou. Pelo contrário, temos testemunhado a ampliação do racismo e do ódio religioso sobretudo contra as religiões de matriz africana em todo o país. São inúmeros os registros de agressões, invasões e violações de todo o tipo que as casas e seus praticantes têm sido vitimados. O disque denúncia registra que o Brasil tem uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas e, infelizmente, as perspectivas são de crescimento, como resultado desse ambiente de neofascismo fortalecido desde o fim das eleições no ano passado.

Em 2018, um governo racista, autoritário, ultraliberal, entreguista e fundamentalista foi eleito ao lado de uma bancada neopentencostal, de donos de bancos, latifundiários e donos das indústrias de armas que, juntos, representam grande perigo às religiões de matriz africana e mesmo ao livre pensar e à liberdade de crença e culto religioso. Todas as medidas iniciais deste (des)governo têm sido na direção da diminuição dos direitos da classe trabalhadora e do povo, da entrega de nossas riquezas nacionais, da perseguição a quem não se coaduna com sua linha de pensamento, a quem representa a diversidade, a liberdade de crença e pensamento.

Este é um terreno fértil para possibilitar e legitimar as agressões, violações de direitos e aberrações como os dois últimos episódios ocorridos na Bahia: a agressão à Pedra de Xangô (monumento ao Orixá Xangô no interior de uma área de preservação ambiental no bairro popular de Cajazeiras, em Salvador) que foi alvo de vandalismo no dia 28 de dezembro de 2018. Nessa ocasião foram jogados mais de 100 quilos de sal no local. Do mesmo, modo, a invasão do Terreiro Ilê Axé OjiséOlodumare, do Babalorixá Richelmy Imbiriba (em Barra de Pojuca, em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador, na noite de sábado (12), por criminosos que, além de ameaçar e roubar pertences dos presentes à cerimônia religiosa, ainda perpetraram agressões físicas e psicológicas ao Pai de Santo e filhos/as da Casa, vilipendiaram objetos sacros, desrespeitaram os orixás manifestados e proferiram palavras ofensivas ao candomblé.

Ato na Pedra do Xangô, em Salvador, em defesa da liberdade religiosa. Foto: Raul Spinassé/ Ag. A Tarde

Diante de todo este ambiente de recrudescimento do racismo, das múltiplas intolerâncias e de violações de direitos humanos, a Unegro reforça o chamado a toda a população para se organizar na luta contra o racismo e denunciar todo e qualquer ato de desrespeito e violações às religiões de matriz africana e qualquer forma de pensamento e crença religiosa.

Denuncie no Disque 100 (disque Direitos Humanos). E, sobretudo, aquilombe-se, organize-se, participe dos atos públicos, integre-se à luta política! Não permita que nenhum ato de racismo passe em branco!! #Unegro30anos

 *Por Ângela Guimarães, Socióloga, Presidenta Nacional da União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro).

 

 

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