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A universidade pública e a bolha social

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 “Se eu nunca tivesse entrado na Universidade Federal do Ceará nunca teria saído da minha bolha e provavelmente teria dificuldade na hora de compreender a realidade do meu próximo”.

Por Marília de Castilho*

Mídia ninja

 

Esse texto não é sobre política.

Sou filha de pais com ensino superior e funcionários públicos, todo meu ciclo familiar mais próximo também possui graduações e/ou estão empregados. Na minha casa nunca faltou nada. Nasci em maternidade particular e sempre tive plano de saúde, nunca peguei longas filas para ter consultas médicas e sempre que os primeiros sintomas de gripe me pegavam meu pai já me colocava dentro do carro para eu ir ao médico.

Durante minha vida escolar estudei em três colégios particulares, sendo esses colégios excelentes em ensino, professores excepcionais e estruturas muito boas. Sempre tive material escolar novo, livros com aquele cheirinho de nunca usado, estojo repleto de artigos de papelaria que talvez nem fossem necessários. Todos os dias fui para o colégio de carro ou transporte escolar. Fiz cursos de redação, aulas extras e meus pais nunca negaram um centavo para qualquer coisa relacionada à educação.

Todas as pessoas ao meu redor possuíam as mesmas, ou parecidas, condições financeiras que a minha. Lembro que, no início do ensino médio, quando conversava com amigos sobre as cotas na universidade pública muitos detestavam a ideia. E essa era a minha bolha: adolescentes, brancos, muitos católicos e de classe média. O próprio meme da Barbie Fascista. Eu não conhecia uma realidade muito diferente daquela e no auge da minha inocência, pasmem, achava que meu grupo restrito de amigos e conhecidos eram o retrato do Brasil.

Entrei na universidade pública federal. Um choque de realidade. Para mim, em 2015, o Brasil mudou de rosto. Nos últimos 3 anos eu mudei mais como pessoa do que mudei nos 18 anos que vivi antes de entrar na Universidade. Conheci TANTA gente diferente que segue uma listinha de poucos exemplos:

– pessoas que estudaram em colégio público;
– pessoas que foram os primeiros de suas famílias a entrarem numa universidade;
– pessoas que usufruíam do SUS para tratar da saúde;
– pessoas que não tinham dinheiro para se alimentar e dependiam exclusivamente do Restaurante Universitário para comer;
– pessoas que dependem da Residência Universitária para ter moradia em Fortaleza;
– pessoas que receberam bolsa família;
– homossexuais;
– homossexuais que foram expulsos de casa por serem homossexuais;
– transsexuais;
– pessoas que moravam no interior e para chegar na Universidade na mesma hora que eu acordavam às 3:30 da manhã;
– evangélicos, ateus e umbandistas…

E essa galera que eu citei não representa nem metade da pluralidade de seres humanos que eu convivo ou convivi. Uma explosão na minha bolha social e do retrato que eu tinha de Brasil.

Hoje habito do mesmo espaço, me alimento da mesma comida no Restaurante Universitário, tenho aula com os mesmos professores e usufruo da mesma infraestrutura que essas pessoas. A Universidade não é de esquerda, não é comunista, não é sobre polarização política, é sobre humanidade. Se eu nunca tivesse entrado na UFC nunca teria saído da minha bolha e provavelmente teria dificuldade na hora de compreender a realidade do meu próximo.

O discurso de ódio tão falado nessas eleições não vai se perpetuar se conhecermos o nosso colega. Busque entender a realidade de outros seres humanos. Respeite. Ame. Enalteça os seus conhecidos.

Eu vou me formar nos próximos anos ao lado de uma galera extremamente plural, a UFC não só vai me formar como engenheira de alimentos mas também vai me formar como um ser humano. Sou extremamente grata a todos que participaram/participam de forma direta/indireta do meu processo de desconstrução. Estamos juntos. Não é sobre política, é sobre existência, oportunidade, amor. Se fere a existência de qualquer um, seremos resistência.

*Marília de Castilho é estudante de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal do Ceará.

Portal Vermelho