Incêndio que destruiu 90% do Museu Nacional completa um mês
O incêndio que destruiu 90% do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, desencadeou uma série de ações por parte do governo federal. Em um mês, houve desde o anúncio de liberação de recursos para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responsável pela gestão financeira, à criação da Agência Brasileira de Museus (Abram) e extinção do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).
Após a tragédia, o esforço é para transformar os anúncios em ações de recuperação e restauração. Os ministérios da Cultura (MinC) e Educação (MEC) concentram as decisões.
O MEC se comprometeu a repassar R$ 10 milhões à UFRJ para ações emergenciais. Do total, foram liberados R$ 8,9 milhões. Segundo o secretário executivo do MEC, Henrique Sartori, o valor pode aumentar para até R$ 12 milhões, “dependendo da necessidade da UFRJ”, mas ainda não tem data para ocorrer.
Acompanhando de perto as ações, com viagens constantes ao Rio e em reuniões do grupo formado para acompanhar a reconstrução, Henrique Sartori disse que os trabalhos estão na fase inicial.
“Estamos aguardando a conclusão do inquérito da Polícia Federal [PF] que ainda está no Rio de Janeiro fazendo a perícia. Depois, começa o trabalho de rescaldo. Hoje os pesquisadores ainda não conseguem totalmente executar tarefas de recuperação de acervo em função da presença da PF”, afirmou o secretário. “Temos muito trabalho. Os primeiros passos foram dados e conseguiremos trabalhar de forma mais focada com a saída da PF.”
Ações
Os R$ 8,9 milhões já liberados deverão ser usados no escoramento estrutural do prédio, para evitar desabamentos e garantir a conclusão da perícia pela Polícia Federal. Também serão aplicados na cobertura provisória do museu (já que grande parte do telhado foi destruída) e no fechamento de esquadrias.
A verba será usada ainda para a retirada dos escombros, que deve ser feita com cautela para separar, cuidadosamente, entulho e acervo. Esta é a etapa inicial das ações. Em seguida, há a implementação de um projeto executivo para a reconstrução do museu, incluindo um novo prédio. A disposição é para mobilizar recursos por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. Na etapa seguinte, haverá a recomposição do acervo.
Em viagem à Europa, o ministro da Educação, Rossieli Soares, conversou sobre a necessidade de colaboração externa para a recomposição do acervo. Ele se reuniu com autoridades da França, Espanha e de Portugal. Nas conversas, os europeus se comprometeram a contribuir com ajuda técnica e também com peças.
Segundo Sartori, essas colaborações ainda não chegaram porque a recuperação está no começo. A expectativa é de que nas próximas etapas as contribuições comecem a ser enviadas.
Negociações
Oito dias após o incêndio, o presidente Michel Temer assinou duas medidas provisórias (MPs), uma delas autorizando a criação da Abram, que passará a administrar os 27 museus que estão sob responsabilidade do Ibram. A Abram também participará da reconstrução do Museu Nacional.
A outra MP estabelece o marco regulatório para a captação de recursos privados, com a criação de Fundos Patrimoniais, que terá parte dos recursos voltada para a Abram e para a reconstrução do Museu Nacional. Ambas foram publicadas em 11 de setembro, no Diário Oficial da União, passando a vigorar.
Porém, as medidas dependem de aprovação do Congresso Nacional para serem transformadas definitivamente em lei. O prazo para que isso ocorra é de no máximo 120 dias. Segundo o MinC, na fase atual está em processo de elaboração a minuta do decreto que regulamentará a MP e o projeto de estruturação da Abram.
O Ibram, criado em 2009 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será segmentado em Secretaria de Museus e Acervos Museológicos, responsável por estabelecer as diretrizes e políticas públicas, e a Abram, responsável por executá-las. A Abram terá um perfil de serviço social autônomo, podendo gerir recursos privados e fazer contratações. A secretaria será criada dentro do MinC.
Controvérsias
As mudanças envolvendo o fim do Ibram, a criação da Abram e o estabelecimento de uma secretaria no MinC geram polêmicas e reações entre os especialistas. Para o museólogo Newton Soares, representante dos trabalhadores do Ibram, haverá um enfraquecimento do setor.
“A parte de gerir a Política Nacional de Museus ficaria com a secretaria, que seria enfraquecida e dificilmente conseguiria colocar em prática da maneira como o Ibram vem colocando”, disse ele.
Newton Soares lembrou que o Ibram nasceu de um esforço coletivo. “O Ibram é fruto da Política Nacional de Museus, discutida com [pessoas que atuam nesse] campo, que vem apresentando resultado há alguns anos. Não é só a criação da Abram, mas de uma secretaria, que sabemos que não tem nem a mesma força e nem o mesmo valor e autonomia que um instituto.”
Os servidores do Ibram participaram de oito reuniões apenas em Brasília, além de encontros em outros estados para debater a questão. “O que a gente está fazendo é mobilizar tanto museus quanto a sociedade na luta para derrubar a MP”, afirmou o museólogo.
A diretoria do Ibram encaminhou ao MinC uma nota técnica elencando os motivos pelos quais é contra a extinção do Instituto. O grupo argumenta que as funções desempenhadas pelo instituto não estão previstas na MP e poderão ser prejudicadas, como o programa Pontos de Memória, voltado para o reconhecimento e a valorização da memória social de indígenas, quilombolas, povos de terreiro, mestres e grupos das culturas populares.
Financiamento
O texto prevê que a Abram receberá 6% das receitas provenientes da contribuição prevista no artigo 8º da Lei 8.029/1990, mecanismo pelo qual são direcionados atualmente recursos para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. O valor equivale, de acordo com o MinC, a cerca de R$ 200 milhões.
No entanto, houve reações. O Sebrae ingressou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal contra a MP pela retirada de parte dos recursos. No documento, os advogados questionam pontos da MP e afirmam que há “desvio de finalidade” da contribuição.
MinC
Em relação ao financiamento, o MinC diz que, como serviço social autônomo, a Abram poderá também ter outras fontes de receita, como fundos patrimoniais, venda de ingressos, licenciamento de produtos, incentivo e aluguel de espaços. Questionado sobre a nota técnica do Ibram, o ministério informou não ter encontrado “qualquer observação capaz de motivar, com o devido embasamento técnico, mudanças na MP. Os pontos levantados foram respondidos”.
À Agência Brasil, o Ministério da Cultura informou que “são inúmeros ganhos em termos de gestão, segurança, atendimento, governança e sustentabilidade, sem qualquer perda em relação ao que há hoje. A Abram receberá mais recursos, terá mais agilidade e poderá contratar profissionais qualificados, sem as restrições próprias de uma autarquia. Trata-se de uma grande evolução”.