A carta do Papa contra os repetidos abusos dentro da Igreja
Em uma carta direcionada para todos os fiéis, o Papa Francisco prometeu acirrar os esforços contra os abusos sexuais dentro das igrejas ao redor do mundo e impedir o seu acobertamento. Abusos sexuais por parte de clérigos tem ocorrido em diversos países
Francisco lembra na carta que qualquer ação nunca será suficiente para pedir perdão e buscar reparar o dano causado pelos abusos a menores por parte do clero. Este crime, afirma o Pontífice, “gera profundas feridas de dor e impotência” nas vítimas, em suas famílias e na inteira comunidade de fiéis ou não. “A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade”, escreveu Francisco.
O pontífice afirmou seu compromisso “para garantir a proteção dos menores e dos adultos em situação de vulnerabilidade”.
A carta veio após a divulgação na semana passada de relatórios sobre os graves casos de abusos cometidos durante décadas no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. “Sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz”, escreve o Papa.
Acusações ao redor do mundo
Além do relatório da Pensilvânia, que trouxe a publico casos de abusos perpetrados por mais de 300 padres contra mais de mil vítimas de abuso sexual identificáveis de seis das oito dioceses católicas do estado (Allentown, Erie, Greensburg, Harrisburg, Pittsburgh e Scranton), que a Igreja tentou encobrir, só nos Estados Unidos foram houveram mais dois casos chocantes.
Ainda nesse ano de 2018, vieram a tona em Washington as primeiras acusações contra o cardeal norte-americano Theodore McCarrick, de 87 anos e ex-arcebispo da capital dos EUA, que retomam fatos ocorridos há cerca de 45 anos. Um homem (agora com 60 anos) denunciou ter sido alvo de abusos sexuais pelo padre quando era criança e uma organização independente que avalia este tipo de acusações concluiu que a acusação contra McCarrick era “credível e substanciada”. Ao relato da primeira vítima, seguiram-se outros homens, que acusavam McCarrick de te-los obrigado a dormir com ele enquanto eram seminaristas.
As revelações sobre o cardeal chocaram a comunidade religiosa de Washington, que via McCarrick como um dos membros do clero mais influentes nos EUA e um dos principais impulsionadores das políticas antipedofilia no seio da Igreja. O cardeal foi suspenso de exercer o ministério e aconselhado pelo Papa a dedicar-se a “uma vida de oração e penitência até que as acusações contra si sejam examinadas em julgamento”, como revela o jornal Publico.
Em Boston, também cidade norte-americana, a investigação por parte de um grupo de jornalistas do Boston Globe (que ficou conhecida como Spotlight) em 2002 sobre o escândalo de abuso sexual ocorrido na paróquia de Boston e encoberto durante décadas também chocou o mundo. Os crimes envolveram o padre John Geoghan, acusado de abusar de dezenas de crianças. O caso desencadeou uma avalanche de acusações, com centenas de norte-americanos afirmando terem sido abusados por padres católicos. Em muitos casos, estes padres não foram punidos pela hierarquia, mas apenas transferidos de uma paróquia para outra. Em 2015 foi feito o longa “Spotlight” sobre essa investigação, vencedor do Óscar de melhor filme.
Na Irlanda, um relatório de 270 páginas revelou uma investigação interna contra vários padres acusados de abusos sexuais e violação, durante a década de 1960. Nada aconteceu com os criminosos, que foram apenas transferidos para outras dioceses. Esses acontecimentos vieram a público em 2005; em 2009 surgiram novos relatos de abusos cometidos entre 1930 e 1970, em várias instituições católicas irlandesas para acolhimento de crianças.
Os casos de abusos no Chile também ganharam visibilidade só em 2018, o que rendeu inclusive um pedido de desculpas do Papa Francisco. Em 2010 tornaram-se públicas as acusações contra o clérigo chileno, mas a igreja promoveu demissões apenas em 2018. Fernando Karadima foi condenado em 2011 pela justiça a uma vida de reclusão e penitência por ter abusado sexualmente de pelo menos quatro jovens, todas elas menores à data dos acontecimentos, nos anos 1980, quando era pastor da igreja El Bosque, em Santiago. O padre não cumpriu pena, apenas foi expulso da Igreja. O caso foi encoberto por uma rede de padres e bispos associados a Karadima durante décadas, entre eles Juan Barros, nomeado bispo em Março de 2015 pelo Papa Francisco, que não sabia de todas as informações. Em janeiro desse ano, Francisco pediu ao arcebispo maltês Charles Scicluna, o mais respeitado investigador em casos de abusos sexuais, que as tornasse claras. E na sequência da investigação, que deu origem a um relatório com mais de 2300 páginas, o Papa Francisco admitiu (mais uma vez) que cometeu “erros graves” ao analisar este escândalo de abusos sexuais, repetindo uma fórmula já conhecida: desculpando-se com “vergonha” e “dor”; depois, recebeu as vítimas no Vaticano para lhes pedir desculpa pessoalmente. Juan Barros se demitiu.
A carta do pontífice dessa segunda-feira (20) possui um ponto importante e inédito: a condenação de forma veemente dos crimes cometidos e reconhecendo que “nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado”.