Quais são as perspectivas do Brasil pós-crise?
Artigos reunidos pela Associação Keynesiana Brasileira apontam as razões de uma das piores recessões da história e indicam caminhos para o crescimento sustentado de um país “que não é para amadores”, como dizia Tom Jobim.
Por Daniela Magalhães Prates e Fábio Henrique Bittes Terra*
No tocante ao período pré-crise, Maryse Farhi, Daniela Prates e Saulo Abouchedid recontam analítica e historicamente as operações swap levadas a efeito pelo Banco Central após 2002, com destaque para o período pós-Crise Financeira Global. As autoras e o autor discutem as inter-relações que decorrem do uso deste instrumento para com as políticas fiscal e monetária.
Marcelo Milan avalia a trajetória macroeconômica brasileira de curto e médio prazo para analisar os seus indicadores de desempenho no período anterior e durante o que denomina de a Grande Recessão Brasileira. O autor também avalia a centralidade da política econômica na explicação da crise brasileira. Suas conclusões apontam o caráter cíclico das economias monetárias e o papel pouco relevante que as políticas econômicas podem ter como causa das crises, embora o autor reconheça o poder delas em influenciar a dinâmica macroeconômica.
Fábio Terra, Fernando Ferrari Filho e Marco Flávio Resende usam a noção de convenções de Keynes para discutir, por um lado, o papel das políticas monetária e fiscal implementadas no período 2011-2016 na crise brasileira e, por outro lado, o engessamento fiscal instalado com a emenda constitucional 95.
Rafael Cattan e Lílian Rolim respondem à questão: quais as causas da queda do investimento privado no Brasil entre 2011 e 2015? Autor e autora respondem sugerindo que a queda dos investimentos públicos foi a principal responsável pela redução do investimento privado, seguida pela existência de capacidade ociosa. Apontam ainda o próprio movimento cíclico do investimento como fator explicativo da perda de seu dinamismo pós-2011.
Guilherme Mello, Pedro Rossi, Ana Luíza Matos de Oliveira e Arthur Welle debatem o Brasil entre a crise, que os autores e a autora reconhecem ter começado com o choque recessivo das políticas econômicas implantadas de 2015 em diante, e o momento atual, que denominam ‘Keynesianismo Fisiológico’ do Governo Temer.
Carmem Feijó, Mariana Finello Corrêa, Pedro de Medeiros Lemos argumentam que as causas da crise se relacionam à crise econômica internacional de 2007-08 e à recessão que se seguiu e atingiu a economia europeia, culminando na crise da área do euro. Autoras e autor destacam que as expectativas empresariais das firmas não-financeiras foram tomadas por desconfiança em relação ao futuro, contribuindo para a crise brasileira.
Para o período durante a crise, Ana Rosa Ribeiro, Simone de Deos, Brunno Sibin e Marília Ceci Cubero discutem a importância da Caixa e do FGTS na política de crédito. Neste sentido, autoras e autor destacam o papel da institucionalidade do sistema financeiro envolto na concessão desta modalidade de crédito, fundamental para a dinâmica de crescimento do emprego e da renda no país.
Danilo Spinola usa as vertentes estruturalista e pós-keynesiana para analisar dois diferentes momentos da economia brasileira, 2003-2013, em que há o boom de commodities, e 2014-2017, a crise brasileira. O autor analisa a evolução das taxas efetiva, natural e compatível com restrições no Balanço de Pagamento para observar a forma pela qual elementos de demanda interagem e são restringidos pelo lado da oferta e pelo setor externo da economia brasileira.
Eliane Araújo, Elisangela Araújo e Flávia Vinhaes analisam o mercado de trabalho no período 2012-17 para examinar a relação entre crescimento, emprego e mudança estrutural. Partindo da hipótese kaldoriana de que o crescimento econômico sustentado é fruto de estruturas produtivas baseadas na indústria manufatureira e em serviços sofisticados, chegam à conclusão de que a redução da participação desses setores no Brasil coloca limitações estruturais ao seu crescimento de longo prazo.
A evolução do emprego no Brasil é também analisada por Lauro Mattei. O autor examina o emprego no Brasil pré-crise, 2003-14, quando se alcança a menor taxa de desemprego da história recente do País e, após 2015, momento com a maior taxa já registrada. O autor destaca ainda que com o elevado número de desempregados após 2015, os indicadores sociais passaram a piorar.
Já no período pós-crise, Cristina Reis e Tatiana Berringer trazem ao Dossiê uma análise da política externa após o impeachment de 2016 em consonância com a forma de articulação da economia brasileira nas cadeias globais de valor. As autoras argumentam que há um aprofundamento da dependência externa brasileira pós-2016.
Fabrício Míssio, Frederico Jayme Jr., Lúcio Barbosa e Hugo Carcanholo discutem a política cambial como promotora de mudanças estruturais nos processos produtivos. Exames empíricos apontam uma relação positiva entre nível do câmbio real e a acumulação de capital e os autores argumentam, assim, que o Banco Central tem sido omisso ao permitir um longo período de apreciação do Real.
Em seu artigo, Giuliano Contento de Oliveira denota que a economia brasileira caminha em marcha lenta, em função de não se ter o Estado como elemento organizador e promotor de investimentos em infraestrutura, essenciais para que a estrutura produtiva se expanda. O autor aponta que sem a participação mais incisiva do Estado, o crescimento econômico brasileiro será inevitavelmente frágil e instável.
Karla Vanessa Leite e Ricardo Schmidt partem do referencial teórico de Keynes para analisar os impactos da política econômica recessiva implementada no Brasil pós-2015. Autora e autor sustentam que a austeridade e a contração monetária podem fazer com que o Brasil sofra uma limitação estrutural que se traduzirá na impossibilidade de crescimento sustentado com justiça social.
Em linhas com estes dois debates mencionados, Antônio Correia de Lacerda discute criticamente a ‘fada da confiança’: a ideia de que políticas econômicas voltadas ao ganho de credibilidade, baseadas em ajuste fiscal recessivo e aperto monetário, não constituem bases para crescimento sustentado.
Os dois últimos artigos discutem questões relacionadas à política monetária e ao sistema financeiro. Luiz Fernando de Paula e Nelson Marconi analisam uma das “jabuticabas” brasileiras: a indexação da dívida pública à Selic via as Letras Financeiras do Tesouro. Após examinarem os efeitos da existência desses títulos, os autores propõem formas para sua extinção. Já André Perfeito, Camila de Caso e Fábio Terra apresentam o puzzle da curva de juros flat da economia americana, fenômeno que se relaciona com surgimento de crises, e debatem seus possíveis efeitos sobre o Brasil.
A expectativa da AKB é que os artigos do Dossiê V contribuam para a compreensão de um país que, por um lado, sai cambaleantemente de uma de suas piores recessões e, por outro lado, não é para amadores, como ponderou Tom Jobim.
Acesse a íntegra aqui: Dossiê V da AKB.
*Daniela Magalhães Prates é professora da Unicamp, pesquisadora do CNPq e atual diretora da Associação Keynesiana Brasileira – AKB e Fábio Bittes Terra é professor do IE-UFU e pesquisador visitante do Departamento de Land Economy, Universidade de Cambridge
Fonte: Brasil Debate