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Artigo | Tempos sombrios: as semelhanças entre o nazismo e a ditadura

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A técnica do pau-de-arara, quando uma pessoa é presa pelos joelhos e pulsos em uma barra de madeira, era uma prática comum na ditadura - Créditos: Reprodução
A técnica do pau-de-arara, quando uma pessoa é presa pelos joelhos e pulsos em uma barra de madeira, era uma prática comum na ditadura / Reprodução

Há pouco tempo, ao entrar num ônibus, ouvi de uma moça desconhecida uma frase que me marcou muito: “são tempos interessantíssimos de se estudar e assustadores de se viver”. Essa frase me remeteu ao meu fascínio e, ao mesmo tempo horror, em estudar (mesmo que de forma rasa) dois períodos assustadores da história: o Nazismo e a ditadura militar no Brasil.

O período que antecedeu a ascensão de Adolf Hitler como führer (1934) foi marcado por uma imensa crise econômica, gerada pela derrota da Alemanha na I Grande Guerra e pela grande depressão causada pelo crash de 1929. Pelo descontentamento social com o regime democrático (o discurso da corrupção contribuindo para essa insatisfação) e o apoio popular aos partidos socialistas. O medo de uma revolução socialista levou a alta burguesia, o clero e os empresários a apoiarem os extremistas de direita do partido Nazista.

O resultado, conhecemos: entre 1934 a 1945, milhões de pessoas foram exterminadas de forma cruel em campos de concentração: comunistas, ciganos, testemunhas de Jeová e judeus (só de judeus foram mortos aproximadamente 5 milhões). Sem contar as vítimas indiretas, como os mortos em combate durante a II Grande Guerra.

Em relação ao Golpe de 1964 no Brasil, identificamos dois argumentos utilizados na época para justificá-lo: o perigo do comunismo (o mundo se encontrava em plena Guerra Fria) e a corrupção. Sob o argumento do combate a esses dois males, empreendeu-se no Brasil um dos períodos mais infelizes de nossa história: centenas de pessoas foram mortas e desaparecidas, sem contar os sem número de torturados. Choque elétrico, pau de arara, telefone sem fio, mulheres sendo estupradas diante de seus maridos, mães sendo estupradas diante de seus filhos, crianças sendo torturadas diante de seus pais, pessoas sendo jogadas de um avião ao mar ainda vivas, e todo tipo de violência. Indico que procurem ler os relatos que constam no livro “Brasil Nunca Mais” para conhecer a criatividade cruel dos torturadores. Assassinatos eram autorizados pelo “presidente da república”, como nos mostra os documentos trazidos à luz pela CIA recentemente. Esse passado é tão recente que, se pesquisarmos um pouquinho mais, todos nós conhecemos intimamente uma das vítimas desse horror.

Vocês podem se perguntar: por que falar de coisas que aconteceram há tanto tempo? Porque, meus caros, a história se repete. Temos testemunhado tempos estranhos, onde torturadores são exaltados. Como nos esquecer da referência ao monstro do coronel Ulstra feita por um certo fascista em 17/04/2015? Onde militares, de pijama ou não, fazem ameaças por redes sociais; onde populares clamam por intervenção militar; onde pessoas de matizes ideológicas diferentes são hostilizadas, baleadas, chicoteadas, assassinadas e as autoridades não tomam nenhuma providência; onde as pessoas são consideradas culpadas até que se prove o contrário; onde teorias de direito nazistas são utilizadas como meio de condenar (a teoria do domínio do fato foi criada por um juiz da Alemanha Nazista em 1939); onde àqueles que tem o dever de guardar a Constituição decidem rasgar suas cláusulas pétreas…

Tudo isso com o argumento de combater o comunismo e a corrupção. Acha que viu esse filme em algum lugar?!

É importante ressaltar um ponto: nem toda ditadura é militar e nem todo golpe começa com violência declarada. As togas, por exemplo, têm rasgado nosso Estado Democrático de Direito, e como diria Rui Barbosa, contra a ditadura das togas não há a quem recorrer.

São tempos estranhos. E eu quero muito estar enganada, mas sinto um cheiro de barbárie pairando no ar. Estejamos alertas. “É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte!”, já nos disse Gilberto Gil e Caetano Veloso na música Divino Maravilhoso.

*Lívia Terra é funcionária da Caixa Econômica Federal e diretora de Bancos Públicos do SINTRAF-JF.

Brasil de Fato