A crise dos combustíveis e a resistência aos desmandos do governo
Para entender os acontecimentos que varreram o Brasil nos últimos dias é preciso ir além do que apresenta a velha mídia.
Por Maksandro Souza*
A disputa pelo acesso ao petróleo é um elemento chave na disputa geopolítica mundial. A Guerra do Golfo em 1990, do Afeganistão em 2001, Iraque em 2003, Líbia em 2011 e a guerra que se desenvolve hoje na Síria parecem corroborar a afirmação. Trata-se de controlar e ter acesso às fontes de energia para si e impedir que outros países o façam. Nesse sentido, enquanto as principais potências buscam estreitar a relação estratégica entre o Estado e o acesso ao petróleo, o Brasil e a atual política da Petrobras vão na direção contrária, abrindo mão de qualquer visão de longo prazo, com reflexos imediatos nos preços dos derivados.
O preço dos combustíveis disparou e segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE nos últimos 30 dias ocorreram 16 reajustes no valor dos combustíveis. O diesel pulou de R$ 2,89 para R$ 4,00 (aumento de 38,4%). A gasolina subiu inacreditáveis 47%, saindo de R$3,40 para R$ 5,00.
Mas, porque subiu tanto? O crescimento de 23% da cotação do preço do barril do petróleo no mercado internacional guarda relação com as sanções dos EUA sobre o Irã, o aumento da tensão no Oriente Médio, a queda da produção na Venezuela e o acordo entre a Arábia Saudita e a Rússia visando restabelecer preços. É importante frisar que no período recente, os EUA passaram a ser exportadores de petróleo, o que pode ajudar a esclarecer a opção política subserviente da Petrobras. A alta nos preços deve-se tanto por fatores conjunturais (desvalorização do real frente ao dólar) como por razões internas. No entanto, a nova política de preços da Petrobras é decisiva para elucidar o que ocorre atualmente.
O regime de preços da estatal brasileira caracteriza-se por: 1) praticar nas refinarias os mesmos preços vigentes no mercado internacional, sem considerar as devidas compensações adotadas anteriormente, como os custos e o volume de produção de petróleo e de refinado no pais, a variação da demanda, entre outros (DIEESE;) e 2) reduzir a produção nas refinarias próprias da empresa, com o requinte de anunciar a venda de outras 4 refinarias. As refinarias, que tem capacidade de refinar 2,4 milhões de barris/dia, operam com 68% dessa capacidade. Por conseguinte, o país tornou-se mais vulnerável aos efeitos externos.
Quanto menor a utilização das refinarias, maior é a entrada de importadores de petróleo no país. Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) dão conta de 392 empresas autorizadas a importar derivados. Dessas, 129 (33%) foram cadastradas depois de 2016. Segundo a Reuters, o mercado de distribuição é dominado por empresas como a Raizen, dos grupos Cosan e Shell; Ipiranga, da Ultrapar; e a BR distribuidora.
Como forma de abrandar os efeitos da política de preços da Petrobras, setores mais ligados ao interesse dos sócios-minoritários estrangeiros da empresa apontam a redução de impostos como remédio para todos os males. A verdade é que menos tributos significa limitar o já combalido poder de ação do estado brasileiro.
Ao apontar o dedo para os impostos, os defensores do laissez-faire fogem do debate sobre qual deve ser o papel das empresas estatais: se elas devem se guiar pelo interesse comum ou atender interesses econômico-financeiros. O que poucos ousam revelar é que os ditos sócios-minoritários estrangeiros são, na verdade, pouco mais de 80 fundos de hedge, como o Renaissance Technologies, Millenium Management e Discovery Capital management. Fundos de cobertura, também conhecidos como fundos abutres, se caracterizam por ser pouco regulados e muito agressivos em suas operações.
Não há solução duradoura e socialmente aceitável que não seja o abandono da política de paridade internacional de preços e a ampliação do volume de Petróleo refinado pela própria Petrobras. Os efeitos da greve/locaute dos caminhoneiros, associada à vitoriosa greve dos petroleiros, derrubaram Pedro Parente da presidência da Petrobras e transformaram o governo Temer num morto-vivo. Expedientes autoritários seriam tão desestabilizadores quanto são estúpidos. Só há saída para a crise pelo reforço à democracia.
Assim, há que se ter firmeza para seguir combatendo duramente o governo e qualquer tentativa deste de prosseguir com a aplicação do receituário neoliberal. Uma campanha massiva pela redução dos preços do gás de cozinha e da gasolina pode galvanizar a simpatia e entusiasmo de enormes parcelas do povo, contribuindo na resistência ativa aos desmandos do presidente-zumbi.
No entanto deve-se ter, na mesma medida, habilidade e perspicácia para assegurar a realização de eleições livres e democráticas previstas para 2018.
*Economista