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Mídia atuou como juiz e queria apenas homologação do STF no caso Lula

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“Vence a estratégia”, disse o ministro sobre o resultado que se desenhava no julgamento do pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela execução antecipada da prisão do ex-presidente Lula num julgamento predominantemente político que evidenciou a forte pressão midiática que já julgou e apenas queria que o Supremo homologasse o resultado.

Por Dayane Santos

Foto: André Dusek Estadão

 

“Que isso fique nos anais do tribunal: vence a estratégia, o fato de Vossa Excelência não ter colocado em pauta as declaratórias de constitucionalidade”, disse Marco Aurélio à presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, que decidiu julgar o recurso do ex-presidente antes de analisar as duas ações declaratórias de constitucionalidade que tratam sobre a prisão em segunda instância. A afirmações de Marco Aurélio escancarou que o julgamento que estava sendo feito contra o ex-presidente era político, ferindo a democracia.

O país está mergulhado numa grave crise política em que a judicialização foi o caminho escolhido pelo consórcio da direita conservadora para tentar frear o avanço das forças progressistas que venceu nas urnas por quatro vezes consecutivas.

Com tem feito desde o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, a mídia diz que um “robusto” conjunto de provas e que Lula era culpado, pois não há mais chance para análise do mérito em julgamento de instâncias superiores, ou seja, se o Supremo acatasse o pedido de Lula estaria manipulando a decisão para favorecer o ex-presidente.

Essa mentira foi propagada diuturnamente, inclusive por membros do Ministério Público que foram entregar um abaixo-assinado dizendo que, caso o habeas corpus fosse concedido, homicidas, estuprados e latrocidas ficariam livres.

“Isso é fake news do processo penal ou argumento terrorista falacioso. Populismo punitivista”, rebateu Aury Lopes Junior, titular do programa de pós-graduação em Ciências Criminais na PUC-RS e autor de diversas doutrinas de processo penal. “O que se está discutindo é apenas a possibilidade ou não de alguém ser preso, automaticamente, após a decisão de segunda instância, ainda na pendência de recursos e sem trânsito em julgado. Qualquer pessoa pode ser presa em qualquer fase do processo, incluindo obviamente a fase de investigação e a fase recursal, desde que exista necessidade, periculum libertatis, ou seja, qualquer um pode e continuará podendo ser preso preventivamente a qualquer momento”, acrescenta o professor.

Mas o discurso do terror insuflou grupos da direita a convocar atos em nome do combate à impunidade e foi sob essa pecha que os ministros julgaram o recurso do ex-presidente.

“É uma decisão que mostra visivelmente que está havendo uma pressão para que seja tomada uma determinada posição. E não é uma decisão natural. Se perguntar a todos os constitucionalistas e penalistas, com raras exceções, todos vão dizer que essa decisão [do Supremo] é escatológica”, afirmou Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao Portal Vermelho.

Dalmo Dallari, jurista e professor emérito da USP, também concorda que a mídia exerceru forte influência no resultado da votação do Supremo. “Vivemos uma situação de muitas incertezas. E um dado que está evidente é a excessiva influência do poder econômico que pesa demais na imprensa, no noticiário e no comportamento do parlamento. E isso é muito engativo”, afirmou.

Sobre o dicurso propagado pela mídia de que as instância superiores não podem revisar condenações, Dallari disse que é um “verdadeiro absurdo”.

“Toda a legislação, inclusive a Constituição, prevê as várias instâncias e possibilidades de recursos porque muitos fatores podem pesar e distorcer uma decisão, levando a interpretações inadequadas, além de se considerar a interferência de fatores não jurídicos. Isso é universal: nenhuma decisão de primeira instância é terminativa. Esse discurso da mídia é uma forma de pressionar por uma decisão do Supremo, mas evidentemente é uma afirmação desonesta”, disse.

Judicialização da política

Para o professor Gilberto, esse processo de judicialização da política vem minando a democracia desde 1988, atingido o seu ápice com o golpe de 2016. “Por uma estratégia equivocada do PT, que perdia muitas questões na política e recorria ao Judiciário via Ministério Público para tentar reverter as suas derrotas, essas instância que não são eleitas e não tem esse poder pela Constituição, foram ganhando força e usurpando competências e funções”, explicou o professor.

Ele salienta que num sistema presidencialista, quando o presidente perde enfraquece ou perde legitimidade, o Judiciário, Tribunal de Contas e Ministério Público começam a ganhar poder, expandindo a sua influência.

“Hoje temos um presidente ainda mais fraco, pois nem legitimidade esse governo tem. Essas instituições que não são eleitas, simplesmente se arrogaram do poder que eles não tem e isso ficou mais visível de 2016 para cá porque um executivo fraco facilita isso”, reforça Gilberto.

E acrescenta: “Na época do Fernando Henrique ou do Lula isso não acontecia porque eram presidentes que tinham legitimidade, para o bem e para o mal. O presidente é o núcleo num sistema presidencialista. O Congresso virou esse balcão de negócios mais do que sempre foi porque tem um presidente fraco”.

Para o professor da USP, o caminho é o fortalecimento da política e talvez uma nova Constituição. ”É preciso fortalecer a política. Este ano, a Constituição completa 30 anos, mas ela não vigora mais desde 2016, pelo menos. O sistema político se autodestruiu e a democracia foi junto, pois não vivemos num estado democrático”, acredita.

Chantagem midiática

O jornalista e professor aposentado da Faculdade de Comunicação da USP, Laurindo Lalo Leal, avalia que o julgamento “foi claramente político”.

“Os votos dos ministros que aceitaram o recebimento do habeas corpus do ex-presidente Lula foram muitos claros em mostraram que juridicamente devia ser concedido o habeas corpus por ser uma garantia constitucional. Ao contrário, os outros seis que votaram contra a ação tiveram votos que usaram um palavreado jurídico e técnico para encobrir a decisão política”, disse o jornalista.

Segundo ele, a decisão por maioria apertada do Supremo “é mais um capítulo do golpe”. “Não pode ser analisada de forma isolada, pois há todo um processo que iniciou em 2013, tendo seu ponto mais alto com o golpe que retirou a presidenta Dilma do governo e, agora, dá mais um passo para retirar a possibilidade da candidatura Lula”, apontou.

Lalo reforça que a decisão do Supremo tem como estratégia “tirar as forças populares da disputa eleitoral” e que a grande mídia articulou esse processo.

“A mídia teve papel de protagonista no julgamento. Em todo o processo do golpe, mas no julgamento mostrou mais uma vez que pode influenciar os votos no Supremo”, disse o professor Lalo, citando uma frase dita pelo ministro Ricardo Lewandowski, durante o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, em que disse que estava “votando com a faca no pescoço”.

“Ontem os ministros votaram com a faca no pescoço. Quem segura essa faca é a mídia. Alguns conseguiram segurar a mão da mídia. Os outros seis evitaram que os esfaqueassem dando o voto como queria a mídia”, frisou o professor. “Na liderança desse processo midiático está a Rede Globo. E mais uma vez, como fez em 2013 e 2016, convocou a população a sair às ruas para entrar em manifestações de massa para influenciar a decisão do Supremo”, completou.

Do Portal Vermelho