UNE e estudantes de Direito defendem a presunção de inocência
Na véspera de aniversário de 30 anos da Constituição, UNE e entidades estudantis de Direito apelam à Carmen Lúcia que reconsidere incluir na pauta os processos referentes à restrição da presunção de inocência e contra a prisão após condenação em 2ª instância
Estudantes de cursos de Direito de todo o Brasil lançaram nesta segunda-feira (19/3) uma carta endereçada à presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, defendendo que a prisão de qualquer indivíduo se dê somente após o devido trânsito em julgado. Na véspera de aniversário de 30 anos da Constituição, os futuros bacharéis afirmam que o respeito à Constituição é inseparável da defesa da democracia e que com o pretexto de universalizar o alcance da Justiça, o intuito de atingir determinadas figuras política de relevo não pode chancelar a adoção de métodos arbitrários.
“Nós, estudantes comprometidos com o Estado Democrático de Direito, entendemos que a espetacularização do Judiciário não pode abalroar a presunção da inocência e o direito à ampla defesa, reiteradamente atacadas por setores judiciais em conluio com grandes conglomerados midiáticos. A pressão de segmentos da imprensa, sua defesa de procedimentos punitivistas, o reforço de sentimentos autoritários, favoráveis à prisão dos condenados em segunda instância, não pode desvirtuar a função de guardião constitucional do STF”.
Leia na íntegra:
Carta dos Estudantes de Direito
À Ministra Cármen Lúcia
Excelentíssima Senhora Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
Nós, estudantes de Direito do Brasil, em conjunto com a União Nacional dos Estudantes, dirigimo-nos à Vossa Excelência, acompanhando o assombro com o qual a comunidade jurídica e a Academia recebem a arbitrariedade institucional que sofre o Direito e o Estado brasileiro.
A Constituição de 1988, todavia, estabeleceu um pacto entre os setores militares e civis, bem como entre os diferentes atores da vida social do país, possibilitando o retorno das liberdades civis e políticas após duas décadas de ditadura. Para tanto, foram determinantes as formas de segurança e proteção dos agentes do processo democrático e dos espaços de exercício da cidadania, com a preservação de um ambiente de divergência de opiniões, bem como de certa soberania popular e da proteção às garantias fundamentais.
A defesa da legalidade democrática demanda a salvaguarda dos direitos, das garantias individuais e coletivas, expressas no texto constitucional, assim como dos avanços da democracia e da participação social.
A Constituição da República procurou blindar a sociedade dos arbítrios do Estado e fortalecer os direitos individuais, políticos e sociais. Ela possibilitou a conquista de avanços na busca da justiça social, da igualdade material e da solidariedade. Seu ordenamento abriu caminho para o desenvolvimento e a soberania nacional, a promoção do bem de todos, sem distinção, assim como da erradicação da pobreza e da marginalização, da redução das desigualdades sociais e regionais, premissas da construção de uma sociedade livre, justa e igualitária.
Constata-se hoje, no entanto, o reverso de nossos sonhos. Na véspera do aniversário do terceiro decênio da Carta Cidadã, lutamos para evitar sua precoce extinção prática, cientes das nefastas consequências, explicitadas ao longo da história, de rupturas da ordem constitucional. Diante disso, torna-se ainda maior a responsabilidade e o zelo para evitar o agravamento da atual crise institucional. Não é necessário lembrar que a arbitrariedade prevalecente impacta diretamente a parcela da população mais pobre.
Questiona-se, hoje, se a própria opção do sistema de governo, referendada pelo voto majoritário dos brasileiros em 1993, ainda se encontra vigente. Torna-se patente uma usurpação da autonomia dos Poderes da República, e o desvirtuamento de resultados eleitorais pela imposição de reformas estruturantes não contempladas em programas de governo democraticamente eleitos.
O abalo das estruturas que organizavam a sociedade, a fragilização do invólucro constitucional que permitiu a redução da desigualdade e da exclusão, trilhada pelo Brasil nas últimas décadas, bem como o desrespeito à soberania popular, tendem a destituir a legitimidade das instituições. Esse processo foi intensificado pela ausência de harmonia entre os Poderes, que passaram a disputar as determinações da vida política e das ações governamentais.
Diante de tamanha instabilidade, não há como deixar de observar crescente e desproporcional politização que vem adquirindo certos setores do Ministério Público e o Poder Judiciário. A Operação Lava-Jato, sobretudo, tem atacado severamente garantias constitucionais arduamente conquistadas. Apoiada pelas grandes empresas de comunicação, as decisões e etapas da Operação têm pautado a agenda política do país, afetando a institucionalidade política.
Nós, estudantes comprometidos com o Estado Democrático de Direito, entendemos que a espetacularização do Judiciário não pode abalroar a presunção da inocência e o direito à ampla defesa, reiteradamente atacadas por setores judiciais em conluio com grandes conglomerados midiáticos.
A pressão de segmentos da imprensa, sua defesa de procedimentos punitivistas, o reforço de sentimentos autoritários, favoráveis à prisão dos condenados em segunda instância, não pode desvirtuar a função de guardião constitucional do STF. O respeito à Constituição é inseparável da defesa da democracia.
No contexto político atual, nós, estudantes de Direito de diversas Universidades do país junto à União Nacional dos Estudantes, apelamos a Vossa Excelência, de forma fraternal e esperançosa, que reconsidere incluir na pauta do Plenário desta Egrégia Corte os processos referentes à restrição da presunção de inocência.
Para além do mero legalismo – uma vez que tal entendimento está expresso na Constituição –, defender que a prisão de qualquer indivíduo se dê somente após o devido trânsito em julgado constitui uma imprescindível limitação do poder persecutório do Estado. Nesse sentido, a solicitação de habeas corpus pelos advogados do ex-presidente Lula não versa apenas acerca da liberdade de um pré-candidato à Presidência da República, mas, envolve a garantia de um direito constitucional extensivo a qualquer cidadão.
Num país com a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil encarcerados, dentre os quais 40% sequer foram julgados, cabe pugnar um esforço do Poder Judiciário na defesa do direito fundamental constitucionalizado da presunção de inocência. Com o pretexto de universalizar o alcance da Justiça, o intuito de atingir determinadas figuras política de relevo não pode chancelar a adoção de métodos arbitrários.
Durante a história de nosso país, já se testemunharam outros episódios em que, infelizmente, a omissão da Suprema Corte foi determinante para, inclusive, ratificar grandes injustiças, dentre eles o lamentável incidente em que foi negado provimento ao habeas corpus de Olga Benário Prestes, levando à extradição que custou sua vida.
Guardadas as devidas proporções, o cenário atual já carrega consigo similaridades dos períodos em que as saídas autoritárias foram cogitadas e, posteriormente, implementadas. Desse modo, nós estudantes, honrando nosso papel histórico na defesa da democracia do Brasil, posicionamo-nos e contamos com o senso de Justiça e legalidade de Vossa Excelência e dos demais honoráveis Ministros que compõem a Suprema Corte.
Cordialmente, assinam esta carta as seguintes entidades estudantis:
União Nacional dos Estudantes – UNE
Federação Nacional dos Estudantes de Direito – FENED
Centro Acadêmico 22 de Agosto (PUC/SP)
Centro Acadêmico XI de Agosto (Universidade de São Paulo-USP)
Centro Acadêmico João Mendes Júnior (Mackenzie)
Centro Acadêmico Cândido de Oliveira – (CACO/Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ)
Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho (DADSF/Universidade Federal de Pernambuco-UFPE) – Gestão Florescer sobre Ruínas
Centro Acadêmico Afonso Pena – (CAAP/Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG)
Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília – CADIR/UNB – Universidade de Brasília – Gestão Geni
Diretório Acadêmico José Alfredo de Oliveira Baracho – (DAJOB/PUC Minas)
Centro Acadêmico Antônio de Azevedo Junqueira – (CAAJA/Universidade de São Paulo-USP-Ribeirão Preto)
Centro Acadêmico de Direito Edson Luís (CADEL/Universidade Federal do Pará-UFPA)
Diretório Acadêmico Fernando Santa Cruz – (DAFESC/Universidade Católica de Pernambuco-Unicap)
Diretório Acadêmico de Direito da Universidade de Pernambuco-UPE
Centro Acadêmico de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – (CADI-UNIJUÍ)
Centro Acadêmico I de Maio – (CAIM/Universidade Federal do Maranhão-UFMA)
Centro Acadêmico de Direito da Universidade Estácio de Sá de Goiânia
Centro Acadêmico da Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN)
Centro Acadêmico de Direito da Estácio-Ceará
Centro Acadêmico XX de Agosto – Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
Diretório Acadêmico Professor Tarcísio Burity – DATAB/ Universidade Federal da Paraíba-UFPB)
PAJUP (Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular) – Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, São Luís – MA
Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti (CAAC/Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN)
Centro Acadêmico de Direito Otávio Mendonça (CADOM/ Centro Universitário do Pará-CESUPA)
Centro Acadêmico de Direito Arianne Athias (CADAA/Faculdade Metropolitana da Amazônia-FAMAZ)
Diretório Acadêmico Luís Gama (DALG/Universidade do Estado da Bahia-UNEB)
Centro Acadêmico Ruy Medeiros (CARM/Universidade Estadual do Sudeste da Bahia-UESB)
Centro Acadêmico Dom Waldyr Calheiros (CADOM/Universidade Federal Fluminense, Campus Volta Redonda-UFF – VR)
Centro Acadêmico Barbosa Moreira (CABM/ Estácio-RJ)
Fonte: UNE