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No Brasil do golpe, a luta de Chico Mendes é mais atual que nunca

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Adrian Cowell

O líder sergingueiro Chico Mendes em 1987, um ano antes de ser assassinadoO líder sergingueiro Chico Mendes em 1987, um ano antes de ser assassinado

Depois de passar 4 meses entre os seringueiros em unidades de conservação no Acre, e muito tempo debruçada em relatórios e materiais de pesquisa sobre o campesinato brasileiro, a pesquisadora Pietra Cepero apresenta um estudo consistente sobre o legado de Chico Mendes e os desafios da luta seringueira hoje, no Brasil que resiste de forma silenciosa.

Pietra destaca que cada região do Brasil tem suas especificidades no modo de vida rural e esta é uma das defesas da luta seringueira. A batalha de Chico Mendes não era apenas pela reforma agrária, mas sim, por uma reforma que respeitasse os modos de vida dos seringueiros. “Ao fazer isso, Chico não estava beneficiando apenas um grupo de trabalhadores, mas o campesinato como um todo”.

Segundo a especialista, autora do estudo “A produção da floresta em pé – Resex Chico Mendes (AC) do projeto à realização”, o que estava em jogo na época em que o líder seringueiro foi assassinado ainda é uma pauta dos trabalhadores rurais. “Ao resistir para não sair do campo e manter suas formas de produção, os camponeses lutam para não se proletarizar, ou seja, eles se recusam a sair do campo e vender sua força de trabalho na periferia das grandes cidades”.

O golpe dentro da reserva

Quando o Brasil sofreu o golpe de Estado, em 2016, Pietra estava em uma das reservas seringueiras no Acre e toda a percepção dela da ruptura democrática, num primeiro momento, veio através do rádio, junto aos seringueiros. “São pessoas realmente muito pobres que não têm televisão, ou uma estrutura para receber notícias, então nós acompanhamos tudo pelo rádio e a leitura deles do que estava acontecendo foi muito certeira, imediatamente eles identificaram que tudo o que havia sido conquistado até então poderia ser revogado com uma canetada”.


Debate sobre o legado de Chico Mendes realizado em livraria na capital paulista / Foto: Giselle Porto

Diferente de outras regiões do país, o Acre é um dos estados que teve o maior processo de regularização fundiária, ou seja muitas famílias têm concessão de uso sobre a terra. Mas Pietra denuncia que isso, não necessariamente, representa qualidade de vida no campo, uma vez que, com a reforma, não vieram as políticas públicas necessárias para que estas pessoas pudessem desenvolver suas atividades econômicas. “As políticas de Estado são muito pontuais e de fachada, não dão conta de atender às necessidades reais da população. Um exemplo disso é que não há mais o corte da seringa e a juventude não tem perspectivas para continuar no campo”.

Hoje o conflito no Acre é silencioso e o latinfúndio ocupa as áreas de preservação sem usar os métodos violentos tradicionais. “Os latifundiários colocam suas cabeças de gado dentro das reservas para as famílias cuidarem, mas as famílias recebem apenas uma vez, então os grandes proprietários não gastam com o pagamento de salários, nem com a manutenção do pasto, que é muito cara e essas famílias ainda sofrem com a fiscalização que apresenta relatórios muito cruéis, baseados apenas em dados matemáticos, sem levar em conta o contexto social da região”, explica Pietra.

“Ano passado nós vimos o Temer quase revogando uma reserva. Os seringueiros têm consciência de que as conquistas obtidas nos últimos anos são frágeis, ainda mais com os ataques aos direitos que chegaram com o golpe”, explica a especialista ao denunciar este processo que ela chama de “conflito silencioso”.

Mais que ambientalista, Chico Mendes foi um crítico ao sistema capitalista

Pietra está no grupo de pesquisadores que rejeita a alcunha de “ambientalista” usada para se referir a Chico Mendes. “Ele está muito associado ao legado chamado de ecologista, eu tenho uma leitura de que Chico Mendes foi um socialista cujo legado está também na radicalidade do discurso”.

É comum, principalmente na imagem construída por ONGs, o líder seringueiro ser retratado como um “ecologista”. Esta é uma forma de atenuar o legado de um homem que entregou a vida para defender a reforma agrária e hoje é uma figura em disputa.


Pietra é geógrafa, mestra em  Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) / Foto: Giselle Porto

Chico Mendes foi sindicalista, presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, foi secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros. Como tantos outros, sofreu ameaças dos poderosos da região e durante muito tempo sua proteção foi feita pela chamada “guarda seringueira. “Eu ouvi este mesmo depoimento de muitas pessoas da região, justamente quando Chico Mendes aceitou abrir mão da guarda e receber proteção da Polícia Federal, ele foi assassinado”, denuncia Pietra.

“Hoje nós vemos a precarização do trabalho sendo acelerada com a Reforma Trabalhista e há 30 anos atrás os seringueiros já se recusavam a se proletarizar, então por isso, na minha visão, Chico Mendes foi um crítico radical do sistema capitalista”.

Depois de Chico, outros líderes vieram

Ao se propor estudar o legado de Chico Mendes, Pietra se deparou com outros líderes da região cuja missão é levar adiante a luta seringueira. Na última terça-feira (6), dois destes personagens importantes do campesinato brasileiro estiveram na capital paulista para um debate com a pesquisadora. O evento aconteceu na livraria Tapera Taperá e contou com a presença de intelectuais, estudantes e interessados no tema.

Dercy Teles da Cunha e Osmarino Amâncio Rodrigues denunciaram as dificuldades de resistir no campo e a falta de assistência do Estado diante deste cenário dominado cada dia mais pelo latifúndio.


Osmarino e Dercy levam adiante a luta de Chico Mendes em defesa dos sergingueiros do Acre / Foto: Giselle Porto

Dercy foi a primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, aos 19 anos de idade. Depois participou ativamente do Movimento de Educação Popular e também militou em Carauari (AM) com os seringueiros. Nos anos 90, de volta a Xapuri, contribuiu para a criação da Reserva Extrativista Chico Mendes. E depois foi eleita duas vezes à presidência do sindicato.

Atualmente ela é considerada uma das principais lideranças do movimento. Dedica-se a denunciar o avanço do latifúndio, a grilagem de terras, a expulsão das famílias camponesas e as violações e contradições da “economia verde” no estado do Acre.

De acordo com Pietra, este conceito de “economia verde”, muito difundido por ecologistas, não leva em conta os modos de vida dos trabalhadores da região que têm mecanismos muito avançados de produção e colheita. Para a pesquisadora, a base de qualquer estudo voltado aos camponeses deve ser “as leis orgânicas, já instaladas pelos próprios trabalhadores”, uma vez que são eles quem dominam os conhecimentos sobre a região.

Já Osmarino começou a atuar no movimento seringueiro em meados dos anos 70 e foi um dos líderes mais próximos de Chico Mendes. Foram amigos e companheiros de luta. Ele integrou o Conselho Nacional dos Seringueiros e foi responsável por fazer parte da equipe que negociou a criação das Reservas Extrativistas. Também foi presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brasileia e mora até hoje na Reserva Extrativista Chico Mendes.

Ele é considerado uma das principais lideranças que lutam pela questão agrária na Amazônia e durante o debate, não poupou palavras para denunciar a atuação falaciosa do Estado na região. Segundo ele, muitas das políticas públicas voltadas aos seringueiros servem apenas de “case” para ser apresentados a instituições estrangeiras a fim de conseguir recursos financeiros que nem sempre chegam ao destino final: os trabalhadores do campo.

Do Portal Vermelho