Intervenção: especialistas contam o que já mudou no cotidiano das favelas do Rio
Pouco mais de uma semana depois da aprovação da intervenção militar no Rio de Janeiro, uma série de transformações já podem ser notadas no dia a dia dos moradores das favelas e áreas de conflito da capital. O Brasil de Fato conversou com especialistas para discutir sobre os direitos fundamentais que estão sendo violados no cotidiano da população mais pobre com o início das operações militares.
A começar pelo fichamento obrigatório de moradores da da Vila Kennedy, da Vila Aliança e da Coreia, na zona oeste do Rio, realizado por oficiais do exército na última sexta-feira (23). Todas as pessoas que passavam nas ruas dessas favelas, foram paradas para que fotos de seus rostos fossem tiradas, acompanhadas do documento de identidade.
“A constituição coloca que a pessoa que possui documento de identidade, legível, não pode ser obrigada a outras formas de fichamento com fins criminais. Tampouco o estado é autorizado a realizar banco de dados de forma obrigatória, ainda mais sem explicar a finalidade desse tipo de procedimento”, afirma Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
O defensor complementa que outro direito que tem sido violado é o da privacidade, através das revistas ilegais sem qualquer fundamentação. “A lei estabelece que revistas podem ser realizadas quando houver uma fundada suspeita e não de forma generalizada, indiscriminada, com base em estereótipos e preconceitos com relação ao local de moradia e cor da pele”, alerta.
As duas práticas geram constrangimento de liberdade e do direito de ir e vir. De acordo com relatos registrados pela Defensoria Pública do Estado, houve caso de pessoas que foram revistadas 10 vezes no mesmo dia, principalmente, homens jovens. Há ainda relatos de pessoas que não conseguiram se deslocar ao local de trabalho por não estarem com identidade ou outro documento com foto.
“Isso é a mais pura expressão dos processos de criminalização da pobreza e racismo em que se baseia essa política de segurança pública. Moradores de favela, que são em sua maioria negros, estão tendo presunção de inocência e o direito à imagem violado e exposto dessa forma. É um absurdo”, afirma Guilherme Pontes, pesquisador da área de segurança pública e violência institucional da Justiça Global.
Procurada pelo Brasil de Fato, a Assessoria de Comunicação do Comando Conjunto das Operações em Apoio ao Plano Nacional de Segurança Pública informou que o fichamento é chamado de “sarqueamento” e consiste em um procedimento policial para “averiguação da existência de mandado judicial contra pessoas sob suspeição”. A assessoria ainda justificou que o uso da plataforma digital móvel, como smartphone por exemplo, dá celeridade e abrevia qualquer incômodo aos cidadãos e que o procedimento é legal. A assessoria não se posicionou quanto as revistas dos moradores.
A possibilidade de que as Forças Armadas utilizem mandados de busca e apreensão coletivos é mais uma preocupação sobre as operações da intervenção militar. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil declarou em nota que estuda formas legais para impedir esta ameaça aos direitos dos cidadãos.
“Em resumo, podemos falar que todos os direitos previstos na constituição serão violados com essa intervenção. O direito à vida, à integridade física, a intimidade, ao domicílio. Fica muito claro que são medidas que só valem para parcela pobre e preta da população”, conclui Guilherme.
Você sabia?
A Defensoria Pública do Estado tem canal de atendimento ao público aberto a queixas e denúncias. Para entrar em contato basta ligar no número 129 e pedir mais informações. A Defensoria fica rua México, nº 11, 15º, no centro. No atendimento é garantido o sigilo das fontes.
Brasil de Fato