STF: Decisão sobre presas é marco civilizacional no Brasil
No prazo de dois meses mulheres presas que estejam grávidas, lactantes ou com filhos de até 12 anos, que não tiveram seus processos julgados, passarão a aguardar o julgamento em prisão domiciliar. O Portal Vermelhou ouviu a União Brasileira de Mulheres (UBM) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que marca um avanço na defesa dos direitos das mulheres no país.
Por Railídia Carvalho
“Havia uma violação gravíssima dos direitos dessas mulheres. Não havia respeito à pessoa humana. É um breque nesse avanço punitivista, respeita a maternidade enquanto função social ao reconhecer que o Estado não consegue garantir a segurança e a saúde das mulheres grávidas, puérperas e lactantes. A UBM que fez campanha por essa decisão comemora efusivamente essa vitória das mulheres e um passo civilizatório do povo brasileiro”, declarou Mariana Venturini, vice-presidenta da UBM.
É uma vitória que efetiva direitos mínimos, definiu a defensora pública, Fabiana Galera Severo, que é presidenta do CNDH. Tanto o Conselho quanto a Defensoria Pública da União são co-autores do habeas corpus coletivo, ajuizado no ano passado e concedido nesta terça-feira (20) após decisão do STF. “Comemoramos muito. Todas as instituições públicas e da sociedade civil que defendem a efetivação dos direitos humanos em temas como encarceramento e direitos das mulheres”, afirmou Fabiana.
A defensora lembrou que a prisão domiciliar nesses casos é prevista em lei mas a aplicação de medidas alternativas ao encarceramento enfrenta resistência. “A decisão do STF representa uma mudança de paradigma na forma como a Justiça lida com a situação do encarceramento de mulheres e vem para adequar a aplicação do direito brasileiro tanto à legislação nacional quanto às normas internacionais que tratam desse tema”, analisou a presidenta do CNDH.
“A maioria das presas são negras e pobres. A quem interessa manter manter uma mulher com filhos de poucos meses presa?”, questionou Mariana. “Uma sociedade machista e racista”, completou. A discriminação racial e sócio-econômica é um dos fatores também apontados por Fabiana para que a Justiça brasileira resista às penas alternativas. “O sistema de Justiça na sociedade brasileira representa uma elite que conserva um recorte racista e discriminatório. Esse componente de discriminação racial e social é muito visível no encarceramento”, ressaltou
Fabiana acrescentou que a quebra de paradigma não se dá apenas na efetivação de medidas alternativas mas também a outros grupos que podem ser beneficiados por essa decisão. “Existia uma dúvida se o habeas corpus poderia ser utilizado na efetivação de outras coletividades e grupos sociais vulneráveis. O STF inovou nessa questão processual atingindo com a decisão de forma generalizada outras coletividades que eventualmente sofram violações de direitos humanos em vez de analisar caso a caso já há um posicionamento antecipado em prol dos indivíduos. A aplicação é para preservar liberdades, não pode ser aplicado para punir”, esclareceu.
Mariana ainda lembrou que o argumento do direito sagrado à vida, bandeira das bancadas evangélicas, por exemplo, não se estende quando se trata de mulheres encarceradas. Neste ponto, ela identifica a discriminação de gênero. “O direito à vida é argumento na hora em que a mulher vai fazer um aborto mas na hora de prender a mulher grávida, com filho recém-nascido as mesmas pessoas não estão preocupadas com o direito à vida. Existe uma clara discriminação de gênero porque bandida tem que sofrer e isso acontece quando se desrespeita o direito dela ser mãe”, comparou.
Na opinião da dirigente feminista, a decisão dá fôlego a luta em defesa dos direitos das mulheres. “Sem dúvida chamou a atenção da sociedade para uma demanda feminina, uma vitória em um cenário de retrocessos desses nos dá mais gana para continuar lutando. É uma medida que impacta na vida de milhares de mulheres e tem efeito imediato e então nos dá alento para avançar e recuperar os direitos perdidos e os que estão tentando tirar”, completou.
Fabiana observou uma sensibilização da sociedade com o tema das mulheres grávidas e encarceradas com seus filhos. “Acho que sensibiliza no momento em que diante desse discurso totalizante de ódio contra a criminalidade em geral são trazidos os casos individuais. Quando vê o rosto, vê que o delito dessa mulher é desproporcional ao encarceramento. A gente não pode generalizar e colocar dessa forma totalizante de que direitos humanos é defender bandido. A gente precisa analisar as diferentes situações com diferentes complexidades. Se não há dúvida é preciso avançar e progredir”.
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