Portugal, o novo eldorado da classe média brasileira
Lisboa, onde o sotaque brasileiro está se tornando cada vez mais presente
Números confirmam impressão recorrente entre brasileiros: Portugal é a bola da vez. Em busca sobretudo de segurança, são cada vez mais os que desembarcam nas terras de Cabral. Mas ficar não é tão fácil como parece.
Wagner Conde já tinha sido assaltado e agredido na rua. Mas foi quando teve seu apartamento invadido, no centro de São Paulo, e ficou sem nada, que tomou uma decisão: emigrar. Há quatro meses, o analista da área de tecnologia, de 35 anos, trocou a capital paulista por Lisboa.
“Foram uns seis meses de preparação, entre começar a guardar dinheiro, ver o que faria com minhas coisas no Brasil e resolver tudo para vir tranquilo”, conta. “Você tem uma cidade como São Paulo que tem tudo, mas tem medo de sair de casa. Quero estar num lugar onde a vida humana tem valor.”
O balanço da embaixada portuguesa no Brasil ainda não está fechado, mas já confirma, com folga, uma impressão recorrente entre os brasileiros: Portugal é a bola da vez. O ano de 2017 deve registrar cerca de 9.500 vistos emitidos para entrada no país de Cristiano Ronaldo.
Será um aumento de quase 50% em relação a 2016 e de 125% em comparação com os dados de 2015. Há ainda os descendentes, que entram no país com passaporte português – até o início do ano passado, mais de 80 mil cidadanias haviam sido dadas a brasileiros desde 2010.
É como uma redescoberta. A nova onda migratória marca o fim de um período de quase uma década em que os brasileiros estavam retornando à terra natal, impulsionados pela então melhora na economia brasileira e pela crise que, ao mesmo tempo, atingia Portugal.
“De 2004 a 2014, tivemos um período de recessão, que caracterizou o retorno dos brasileiros. Hoje, como a tensão social se agravou no Brasil, como também há descrença política, como o mercado de trabalho e a economia não estão a funcionar com a dinâmica que tiveram há dez anos, eles saem novamente para Portugal”, diz Jorge Malheiros, sociólogo do Centro de Estudos Geográficos da
Universidade de Lisboa.
“Gold”: imigração para os ricos
E quem são os brasileiros que desembarcam em Portugal atualmente? Uma parcela é de pessoas com “nível de instrução alto e com capital, que utilizam os recursos criados pelo governo português para atrair imigrantes, mas, sobretudo, para atrair capital”, define Jorge Malheiros.
Perfil que é confirmado pelos números do mercado imobiliário no país. De acordo com um levantamento feito pela consultora britânica Athena Advisers, 27% de todos os imóveis vendidos em Lisboa em 2017 foram comprados por brasileiros.
O diretor da empresa em Portugal, David Moura-George, diz que o gasto médio do brasileiro que compra um imóvel com a consultora é de 750 mil euros, “mas há quem compre de até dois milhões”.
“São investidores entre 45 e 65 anos, do Rio de Janeiro e de São Paulo, que veem em Lisboa uma boa oportunidade de investimento e, claro, de qualidade de vida”, esclarece o diretor.
Este tipo de negócio facilita a autorização para residência em Portugal através dos “vistos gold”, programa do governo português que beneficia quem investe acima de 500 mil euros no país.
Os dados mais recentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão responsável pelo controle de imigração em Portugal, mostram que os brasileiros são a segunda nacionalidade que mais é contemplada pelo programa, atrás apenas dos chineses.
Mercado exigente
Mas nem tudo é ouro neste relacionamento. Se a minoria “gold” possui dinheiro suficiente para garantir a permanência em Portugal de forma menos burocrática, a maioria, com menor poder aquisitivo, pode enfrentar demoras para atendimento no SEF, promessas frustradas de trabalho e até rejeição.
“Os portugueses têm receio com os brasileiros, uma certa resistência, mas eu não tiro a razão. Isso é para qualquer cultura, você sempre vai ficar com receio de receber alguém que você não conhece dentro da sua casa”, diz Jovana Fonseca, de 45 anos, designer de joias que deixou Goiânia e chegou a Lisboa em dezembro passado.
Para Jovana, existe uma visão que não corresponde à realidade. “Eu acho que a ilusão está muito grande. Teve uma chuva de reportagens no Brasil nos últimos seis meses fazendo propaganda de Portugal e, como as pessoas acham que é fácil, eu vi que elas estão vindo sem sequer entender como funciona a migração aqui”, diz.
O próprio governo português pode ser responsabilizado pela propaganda positiva. Na última cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Portugal propôs um regime de livre autorização de residência entre os nove Estados-membros da CPLP. Ou seja: brasileiros teriam permissão para viver em Portugal apenas pelo fato de serem brasileiros. O primeiro-ministro português, António Costa, quer que a proposta esteja em plena execução já na época do próximo encontro dos chefes de Estado, que se realiza neste ano em Cabo Verde.
De acordo com a coordenadora do GIP, o Gabinete de Inserção Profissional da Casa do Brasil de Lisboa, Patrícia Brederode, cada vez mais chegam “famílias com filhos pequenos, jovens estudantes de mestrado e doutorado, profissionais bem qualificados, brasileiros com nacionalidade portuguesa, que fogem da violência urbana, buscam novas oportunidades e mais qualificação profissional e acadêmica”.
No entanto, a coordenadora também explica que a falta de informação é um problema. “Ainda notamos um pouco de desconhecimento quanto à documentação e ao mercado de trabalho”, completa.
Segundo ela, o mercado é exigente: além de toda a documentação regular, para algumas profissões é necessário o reconhecimento das habilitações, registro na ordem profissional, como no caso dos advogados e engenheiros.
“E é cada vez mais pedido o domínio de outros idiomas, principalmente para trabalhos com atendimento ao público. Já tivemos vaga para garçom que pedia o domínio de três idiomas”, diz a coordenadora do GIP.
A ideia de Jovana Fonseca era abrir caminho para a família, para buscar uma qualidade de vida melhor. “Não foi nem tanto pensando em dinheiro, foi pensando em lazer, escola, educação, saúde, tudo”, explica. “Fui em busca de trabalho totalmente fora da minha área, mas também não aconteceu”, diz a designer de joias que, 45 dias depois de desembarcar em Lisboa, está com passagem de volta marcada para Goiânia.
Fonte: DW