Interessado na reforma previdenciária, mercado pressiona deputados
Sem conseguir apoio para aprovar a Reforma da Previdência, Michel Temer tem feito apelos a representantes do sistema financeiro e do empresariado para que se engajem na caça por votos. Afinal, o mercado é o principal interessado nas mudanças. Espera aumentar sua rentabilidade, seja com a abertura de mercado para a previdência privada, com a gestão de fundos complementares ou mesmo garantindo que recursos públicos sejam reservados para o pagamento da dívida.
A previsão é de que a reforma seja votada em 20 de fevereiro, na Câmara. Mas, desde o ano passado, entidades empresarias fazem “corpo a corpo” nos gabinetes de Brasília, pressionando parlamentares a votarem a favor das mudanças na aposentadoria, que deverão dificultar o acesso ao benefício para milhares de trabalhadores.
Em ano eleitoral, os deputados estão ainda mais reticentes sobre o apoio à medida. Se a cobrança do eleitor contrariado pode pesar contra o projeto do governo, os donos do dinheiro agora querem ser o fiel da balança.
Nesta terça-feira (30)), a Reuters noticiou que o “Planalto repassou uma lista com nomes de deputados indecisos para que agentes do mercado e empresários auxiliem no convencimento a favor da reforma”. Em um país em que as disputas eleitorais ainda sofrem muita interferência do poder econômico, a capacidade de “convencimento” do mercado não é pequena.
Em busca de ampliar sua rentabilidade, empresários e rentistas talvez sejam a parte mais interessada na aprovação do projeto que altera as regras para concessão de aposentadorias e pensões. Primeiro, porque são detentores da dívida pública e, nesse sentido, quanto menos verbas o governo destinar à Previdência e a demais gastos sociais, maiores são as garantias de que receberão seu enorme quinhão do Orçamento público.
Em segundo lugar, porque, quanto mais limitado for o acesso da população ao benefício da previdência pública, maior é o espaço aberto para as aposentadorias privadas, uma fonte de lucro para o tal mercado.
Fundos de Previdência Complementar
Para o economista Guilherme Delgado, o objetivo principal da reforma é obrigar a criação dos Fundos de Previdência Complementar Privada em todos os entes federados, o que beneficiará bancos e empresários.
De acordo com ele, o discurso de acabar com privilégios, equiparando os sistemas de aposentadoria do setor público e privado, não passa de um subterfúgio: “A ideia é passar recursos públicos, compulsoriamente, para os fundos de previdência complementar privados”, disse, ao Portal Vermelho.
Pelo estabelecido na proposta de Temer, os servidores públicos vinculados a regimes próprios de previdência, para ter acesso a um benefício maior que o teto do regime geral do INSS R$ 5.531,31, terão que contribuir para um Fundo Complementar.
“Ninguém diz, mas a Previdência Complementar privada tem o condão de agravar a crise fiscal de Estados e Municípios. O Estado é então obrigado a depositar os pagamentos acima do teto do INSS (R$ 5.531,31) dos funcionários públicos, num fundo de previdência complementar privado, ao qual os trabalhadores do setor público vão aderir se quiserem receber aquele repasse dos empregados. Portanto, essa verba que hoje é usada para pagar aposentados e pensionistas deixa de participar do fundo público, mas ao mesmo tempo esses Estados têm que continuar pagando os aposentados e pensionistas já incluídos no benefício”, ressaltou Delgado.
Ele sublinha que, durante 30, 35 anos – tempo mínimo para a aposentadoria –, esses fundos serão capitalizados pelos novos servidores e, só ao final desse período, é que os beneficiários têm direito ao que for financeiramente acumulado. “Então, na prática, a contribuição é definida, o valor do benefício da aposentadoria complementar, não”, resumiu.
Ovos de ouro
De acordo com o economista, caso a reforma seja aprovada, tais fundos serão “a galinha dos ovos de ouro” do mercado financeiro.
“O mercado financeiro vai ganhar uma bolada de dinheiro. Você vai receber durante 35 anos aportes mensais compulsórios de empregados e empregadores da classe média e alta do setor público. Na verdade, você está extraindo recursos públicos para um projeto de engenharia financeira que pode dar certo ou errado, mas, do ponto de vista do sistema financeiro, estarão garantidas as suas comissões, porque você cobra um percentual sobre os aportes para gerir esse fundo”, disse.
Segundo Delgado, a exemplo do que aconteceu no Chile, os trabalhadores não estão protegidos de problemas futuros com os fundos nesse modelo de previdência complementar. “Se vier uma crise, o fundo for para brejo, a aposentadoria complementar vai para o brejo. O fundo não tem seguro. É o que o mercado pagar. Mas os agentes financeiros terão suas comissões fixas garantidas”, colocou.
“Essa é razão a intransigência e insistência de se aprovar essa reforma. A coisa é maquiavélica”, criticou. Na sua avaliação empresários também estão de olho nos fundos, uma vez que têm a expectativa de que os recursos neles depositados possam ser revertidos para uma linha de financiamento de longo prazo.
Com o encolhimento dos aportes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que deixou de cumprir o papel de financiador de longo prazo, haveria a expectativa de que os bancos privados ocupem esse espaço, especialmente no que diz respeito aos investimentos para infraestrutura. “Mas isso depende da gestão, não teria nada garantido”.
Os interesses do setor financeiro e empresarial na agenda do governo, portanto, não é à toa. Na outra ponta, uma pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi, em novembro de 2017, constatou que 85% dos brasileiros são contra a reforma da Previdência. Na disputa pelo voto dos deputados, está em curso a peleja do mercado contra o povo.
Portal Vermelho