Da agricultura familiar vem a base da alimentação nacional
No Maranhão, os focos são a produção de mel, enviado in natura para os estados vizinhos, como o Piauí, e recomprado industrializado, e de açaí
A agricultura familiar no Brasil é sinônimo de Nordeste. Os produtores da região respondem por metade do fornecimento de alimentos que chegam às mesas do País. Os nove estados reúnem quase 50% dos 4,4 milhões de empreendimentos desse segmento. O esforço nos últimos anos visa adensar as cadeias produtivas locais, incorporar novas culturas e tecnologias, aumentar a compra e ampliar os investimentos para reduzir os efeitos da seca.
Por Roberto Rockmann
A estiagem traz prejuízos incalculáveis aos agricultores familiares. “A seca afeta principalmente a pequena pecuária e a agricultura, pois os grandes produtores têm mais recursos para combatê-la, pois sempre ocuparam as terras perto de rios e contam com abastecimento de água mais farto. Os programas sociais nesse campo têm um papel importante para diminuir os efeitos da seca”, afirma a economista Tania Bacelar, sócia da consultoria Ceplan.
A importância da agricultura familiar e os efeitos da seca sobre o segmento estimulam a discussão sobre o tamanho do Brasil rural. Para o secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará, Dedé Teixeira, estudos recentes apontam um fenômeno recente, uma nova ruralidade, que engloba dois tipos de produtores: famílias que habitam zonas periféricas das grandes cidades e plantam para subsistência ou para vender a vizinhos e agricultores de pequenas cidades que empurram a economia local.
Sete anos atrás, 70% dos municípios tinham menos de 20 mil habitantes e quase 90% tinham menos de 50 mil habitantes. Os indicadores de que 16% da população vive no meio rural, sugere esta análise, estariam defasados e contrastam com a realidade.
“Esse direcionamento aponta que quase 40% da população no Brasil está ligada a essa nova realidade. Isso cria a percepção de que a União, os estados e os municípios precisam ter uma visão diferente sobre o tema e os orçamentos públicos precisam contemplar essa discussão, que precisa ganhar espaço na sociedade”, destaca.
“O que faz a gente desconfiar do total de 16% que vive no meio rural, apresentado pelos indicadores, é a quantidade de municípios com menos de 20 mil habitantes no País, que são 70%. Um habitante do perímetro urbano de um município de 5 mil habitantes é tido como urbano. É comparado com o morador de São Paulo. O Brasil rural é muito maior do que a sociedade pensa”, acrescenta Tania Bacelar, uma das pesquisadoras que estimam o Brasil rural em 40%.
Os governos estaduais apostam em diversas estratégias para fomentar o segmento. Estado com maior número de agricultores familiares, a Bahia investe 260 milhões de dólares desde 2015 em um programa chamado Bahia Produtiva, para adensar cadeias produtivas de agricultores familiares, que conta com recursos do Banco Mundial.
O estado ainda prepara duas novas chamadas públicas, uma direcionada ao açaí e outra ao babaçu. “Queremos exportar o óleo de babaçu, já que exportamos apenas o coco”, afirma o secretário. Para o açaí, preveem-se investimentos de 540 mil reais, que beneficiariam até 70 produtores dos municípios de Amapá, Cândido Mendes, Godofredo Viana, Carutapera e Luís Domingues.
No Ceará, o governo assinou em agosto um decreto que cria a política de aquisição de alimentos da agricultura familiar, destinado a cinco modalidades: compra com doação simultânea, compra direta, incentivo à produção e ao consumo de leite, apoio à formação de estoques e compra institucional.
De janeiro de 2016 até junho de 2017, o estado comprou perto de 150 milhões de reais em alimentos. “Com esse decreto, pelo menos 30% serão da agricultura familiar, são cerca de 2,5 milhões de reais por mês. Isso também vai garantir aos produtores condições mais saudáveis nessa cadeia alimentar e, o mais importante, será um complemento ao trabalho dos nossos agricultores”, destaca Teixeira.
O Ceará investe ainda na distribuição de mudas de cajueiros-anões, variedade que antecipa em dois meses e prorroga por mais dois meses a produção. Um cajueiro comum produz 280 quilos por hectare em um ano. A espécie anã produz até mil quilos por hectare no mesmo período. Normalmente, a safra inicia-se em setembro de um ano e segue até janeiro do seguinte. “Temos 10% dos hectares plantados de caju do estado com essa variedade”, aponta Teixeira. O Ceará é o maior produtor da fruta no Brasil.
Incorporar novas tecnologias para assegurar produtos com alta segurança alimentar tem sido o objetivo do governo da Paraíba, que tem promovido uma série de cursos sobre boas práticas de fabricação de alimentos para agricultores de polpa de frutas e derivados do leite. Outra iniciativa é o fomento de feiras locais. Em julho, foi a vez do município de Bonito de Santa Fé, no sertão da Paraíba. A feira, que funciona às sextas-feiras, reúne cerca de 20 produtores que se dividem em dez barracas com produtos agrícolas e animais.
O principal financiador da cadeia é o Banco do Nordeste, que investirá 2,5 bilhões de reais na safra iniciada em julho deste ano. O valor equivale a um acréscimo de 8% em comparação à safra anterior. Os juros variam de 0,5%, 2,5% e 5,5% ao ano, a depender da destinação do crédito. As taxas mais reduzidas favorecem a produção de alimentos em sistemas de base agroecológica e orgânica, assim como os investimentos em energia renovável, irrigação e práticas sustentáveis de manejo do solo e da água.
Para este ano, a novidade é uma nova linha com foco em investimentos em energia solar.“Ela vai aumentar a competitividade de atividades no meio rural e contribuir para a utilização de energia renovável e limpa no meio rural”, afirma Alex Araújo, superintendente de Microfinança e Agricultura Familiar.
Os governos estaduais têm buscado reduzir o impacto da seca no interior, com a instalação de cisternas. No Ceará, desde 2015 foram instaladas cerca de 40 mil cisternas, além de a administração ter ampliado o programa de reúso de água em comunidades do interior. No Maranhão, o governo estruturou um programa para a distribuição de cisternas a escolas rurais e a agricultores familiares. Outro programa fortalecido foi o Mais Feira, que distribui um kit composto de barracas, balanças, jalecos, caixa de isopor, gaiola plástica para aves e treinamento de comercialização e higiene.
Foram executados até o momento pouco mais de 170 milhões de reais. Até 2020, mais de 500 milhões de reais serão investidos. Recentemente, foi aberto um edital para a cadeia do cacau, por meio do qual foram selecionados 32 projetos que receberão 10 milhões de reais. “Queremos explorar o máximo essa cadeia, 90% do cacau produzido na Bahia vem de agricultura familiar. Queremos adensar com outros produtos, como manteiga de cacau, chocolate com mais teor de cacau”, afirma Jerônimo Rodrigues, secretário de Desenvolvimento Agrário.
No Maranhão, os focos são a produção de mel, enviado in natura para os estados vizinhos, como o Piauí, e recomprado industrializado, e de açaí, cuja fruta é em grande parte processada no Pará. “Queremos mudar essa realidade e adensar essas cadeias e produzir riqueza aqui”, afirma Adelmo Soares, secretário de Agricultura Familiar. Em agosto, a Associação dos Apicultores de Junco do Maranhão foi contemplada por uma chamada pública feita pelo governo para selecionar projetos de revitalização de agroindústrias familiares da cadeia produtiva do mel.
A associação receberá 100 mil reais que serão usados para reformar as unidades de produção e melhorar o processo de obtenção de licenças ambientais e registros sanitários, para garantir a inocuidade e a qualidade do mel. Com cerca de 45 famílias associadas, a expectativa da coleta, que vai do período de julho a outubro, é produzir perto de 200 toneladas do produto para comercialização.
Fonte: Carta Capital