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Intervenção militar deixou legado perverso no país e na educação

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Fonte: UNE

 

Quando Dilma Rousseff (PT) era presidenta e Aldo Rebelo (então, PCdoB) o ministro da Defesa, o general Mourão havia sido destituído de comando de tropa no Rio Grande do Sul e transferido para tarefas burocráticas por ter se pronunciado em público sobre questões políticas, o que é vetado pela Constituição.

A intervenção militar no Brasil nasceu com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, com o marechal Deodoro da Fonseca. Seguiram-se o governo inconstitucional do general Floriano Peixoto, os conflitos e levantes militares como o da Armada (1893-1894), de 1922 (Forte de Copacabana), 1924 (revolta paulista ou Revolta de Isidoro), de 1925 (início da Coluna Prestes-Miguel Costa), o governo provisório de 1930, o levante paulista de 1932, o levante de militares comunistas de 1935, o Estado Novo (com decisivo apoio militar) em 1937, a ação de militares e integralista em 1938, o golpe de 1945, que pôs fim ao Estado Novo, a crise de agosto que levou Getúlio Vargas ao suicídio em 1954, as tentativas de impedir a posse de Juscelino Kubitscheck, de golpe dos brigadeiro Eduardo Gomes e marechal Juarez Távora, a deposição do presidente Café Filho, as investidas de Jacareacanga (1956) e a de Aragarças (1959), a tentativa, em 1961, de impedir a posse de João Goulart, e o golpe de 1964.

Este golpe, executado pelos comandantes militares e açulado pelo governo norte-americano e seus cúmplices nas classes dominantes brasileiras, mergulhou o país por 21 anos em uma ditadura perversa e violenta. Violações de direitos humanos foram praticadas e incentivadas pelas Forças Armadas até 1985. O novo regime interviu na educação e na política educacional com consequências negativas que até hoje se refletem nas salas de aula, instituições de ensino, projetos pedagógicos, movimentos estudantil e sindical de trabalhadores do setor.

Na sua presidência, João Goulart, deposto com o golpe, apresentou várias propostas de reformas, inclusive a educacional. Assim como na questão agrária, trabalhista e nacional, também neste setor as instituições de ensino, professores, estudantes e entidades sindicais foram vítimas da repressão que se estendeu até 1985, com perseguição a educadores e lideranças.

A coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco, teve sua trajetória acompanhada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops, criado pela ditadura) até mais de uma década após a saída dos militares do poder. Outro diretor da Contee, Antonio Rodrigues, foi demitido em 1969 do Centro Educacional de Niterói por debater músicas de Geraldo Vandré, desafeto da ditadura, com estudantes do então segundo grau. No início dos anos 1970, durante um seminário de professores no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rodrigues foi procurado por dois homens com mosquetões nas costas. Como não sabiam sua aparência, ele conseguiu sair pelos fundos da escola, para a qual não retornou mais.

A professora e jornalista Mariluce Moura estava grávida quando foi presa, em 1973, em Salvador, e torturada. Mesmo após ter sido absolvida pela Justiça Militar, foi demitida do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, onde lecionava. “É uma história de violência. Uma atrás da outra. Esse clima de temor e insegurança perdurou até a redemocratização. A luta pelo reconhecimento do que ocorreu e de quanto o Estado foi violento, torturou, matou e negou todos os direitos não terminou até hoje”, afirmou.

O geólogo Adriano Diogo lecionava Ciências na rede estadual de ensino quando, em 1973, foi preso e torturado. “Os crimes do passado acobertam os do presente. A impunidade do passado perpetua o modus operandi do presente”, afirma.

Em Sorocaba, interior de São Paulo, 20 homens ligados ao Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) invadiram o Instituto de Educação Ciências e Letras (atual Colégio Objetivo), na noite de 9 de outubro de 1975, para raptar o professor Miguel Trujillo Filho, de 22 anos, durante o intervalo de suas aulas de História. O diretor do estabelecimento, Aldo Vanucci, cujo sobrinho, Alexandre, tinha sido assassinado pela repressão semanas antes, disse que o professor não estava, mas os beleguins descobriram sua presença e o prenderam. A escola inteira testemunhou, o que talvez tenha permitido que não fosse mais um “desaparecido”. Miguel foi levado para a capital, onde foi torturado durante 15 dias consecutivos.

Estudantes, professores e trabalhadores em estabelecimentos de ensino perseguidos, torturados, mortos “desaparecidos”, exilados. O desmantelamento do ensino público foi instituído pela ditadura. Teve impactos nefastos no controle da administração universitária, no exílio de professores, no comprometimento da qualidade da educação pública, na perda de qualidade na formação dos educadores, na mudança curricular (com a retirada de disciplinas cruciais para o desenvolvimento da reflexão crítica).

Em entrevista à revista CONTEÚDO e à TV Contee, o professor e ex-ministro da Educação Murílio Hingel, que, à época da derrubada do presidente João Goulart, era diretor da Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile) de Juiz de Fora (MG), considerou a pressão sobre o ensino de nível superior, particularmente na área das humanidades, o pior dos resultados do movimento de 1964. “Vieram a suspensão dos diretórios acadêmicos, o fechamento dos diretórios centrais dos estudantes e, realmente, encerrando esse ciclo, o fechamento da União Nacional dos Estudantes (UNE) e até a demolição do prédio que servia de sede à UNE. O Brasil viveu um tempo bastante grande sem a possibilidade de formar lideranças que, quando da volta da democracia, poderiam ter exercido um papel importante, mas que não existiam, porque não tinham sido formadas. Esse prejuízo sentimos até os dias de hoje”, recordou.

“A privatização do ensino, que culmina agora com o processo de financeirização, desnacionalização e oligopolização do ensino superior combatido pela Contee, teve seu início na educação básica, uma vez que o regime ditatorial fez minguar as verbas para a escola pública, auxiliando no desenvolvimento das instituições privadas “, registrou CONTEÚDO.

“Os militares cedo perceberam a importância e o poder da educação tanto em termos econômicos – tal como apregoava a teoria do capital humano formulada por Gary Becker e Theodore Schultz –, quanto político-ideológicos, pois se incumbiram de alterar todos os níveis de ensino, instrumentalizando-os em favor de uma concepção de educação tecnicista, utilitarista e instrumental; portanto, supostamente neutra. Para tanto foram reformuladas a estrutura e a organização do ensino, alteradas as funções da educação – o que provocou mudanças profundas na escolarização brasileira”, ressaltou Patrícia Trópia, professora na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à revista da Contee.

Segundo ela, “a reforma de 1º e 2º graus, instituída pela Lei 5.692/71, criou o ensino técnico profissionalizante, rebaixou a formação de professores de educação infantil e das séries iniciais do 1º grau, viabilizou um modelo de expansão da rede pública graças à contenção salarial, deixando, por sua vez, a educação livre não apenas ao ensino privado religioso, mas às ‘forças do mercado’”.

Paralelamente a esse processo, houve a reforma universitária, que introduziu no país o programa conhecido como MEC-Usaid, em 1969, “quando os governos militares se tornaram mais fechados, com o Ato Institucional Nº 5”, destaca Murílio Hingel. A reforma desintegrou as faculdades e departamentalizou os cursos. Um pequeno grupo de professores passou a ter o controle sobre a totalidade do departamento e sobre as decisões. Os cursos universitários se diluíram, porque eram constituídos por vários departamentos oferecendo disciplinas e o universitário não sabia exatamente se ele pertencia a esta unidade, a este instituto ou àquela faculdade.

Nessa época se ampliou o ensino superior privado. Aumentou a vinculação de dependência da educação em relação ao mercado de trabalho, em detrimento da formação para a vida em toda a sua multidimensionalidade; à comercialização do sistema educacional, ao avanço do ensino pago; à profissionalização do ensino médio e ao controle político-ideológico por meio do rebaixamento da formação de professores nas reformas curriculares.

“A observância da Constituição pelo Executivo, Legislativo e Judiciário – e pelas Forças Armadas, que devem estar subordinadas aos poderes constituídos – é o caminho para a continuidade democrática no país. É a trilha a ser perseguida neste momento de crise institucional, política, econômica e social que atravessamos. A conscientização dos trabalhadores em torno da construção de nossa soberania, a democracia com desenvolvimento econômico e inclusão social, a unidade de ação e a mobilização popular são a garantia para alcançarmos nosso objetivo de um país justo e solidário”, afirma o coordenador-geral da Contee, Gilson Reis.

Por Carlos Pompe para portal Contee

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