Mudança na taxa do BNDES pode inviabilizar investimento produtivo
Proposta em tramitação no Congresso pode encarecer o financiamento de longo prazo, inviabilizando o investimento produtivo no país. Nesse sentido, a medida pode ter impactos sobre o crescimento da economia, a competividade das empresas, a produtividade, os empregos e os salários.
Por Joana Rozowykwiat
Governo esvazia papel do BNDES, principal instrumento de financiamento do investimento da indústria e da infraestrutura.
A Comissão Mista que analisa a Medida Provisória 777/2017 deve votar, na próxima quarta-feira (9) o relatório do deputado Betinho Gomes (PSDB-PE), favorável à proposta. A MP altera a metodologia do cálculo da taxa de juros para empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Desde 1994, o custo básico dos financiamentos concedidos pelo BNDES é definido pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), fixada administrativamente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Caso a MP seja aprovada, ela desaparecerá. Em sua substituição, o governo propõe a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), a ser definida a partir da inflação medida pelo IPCA e atrelada a títulos do Tesouro NTN-B.
A ideia do governo é que, num prazo de cinco anos, a TLP esteja próxima à taxa básica de juros, a Selic, colocando o preço do financiamento do BNDES em linha com os “parâmetros do mercado”.
Para Emilio Chernavsky, doutor em Economia pela USP, a mudança deve fazer com as taxas de juros do BNDES aumentem muito, afetando o investimento produtivo no país. “A proposta do governo fala em aproximar a TLP à Selic. E a grande preocupação, especialmente da indústria, é o fato de que a nossa taxa básica de juros tem estado sempre entre as três mais altas do mundo. Então [se a Selic continuar elevada como hoje], existe o risco de a taxa de juros de longo prazo aumentar muito”, explica.
Na tentativa de apaziguar o empresariado, que se opõe à mudança, o governo tem dito que, com a aprovação das reformas que tramitam no Congresso, a Selic poderá cair, mantendo a TLP em um patamar também menor. “É trocar o certo pelo duvidoso”, avalia Chernavsky. De acordo com ele, não há nenhuma garantia de que as medidas defendidas pelo governo sejam aprovadas pelos parlamentares, nem que isso se refletirá em redução da Selic de fato.
“Se essas expectativas do governo sobre a Selic não se cumprirem, [a aprovação da MP] é um grave problema para a indústria. É inviabilizar o investimento produtivo no Brasil”, afirma. Isso porque os bancos privados não oferecem alternativas para o investimento de longo prazo, não só por causa dos riscos envolvidos, mas também por que, como a Selic – novamente ela – é muito elevada, os juros que seriam cobrados para compensar esses riscos já partiriam de um patamar muito elevado, diz o economista.
E minar o investimento produtivo acarretará efeitos negativos sobre a economia de maneira geral, especialmente em meio a uma recessão. “Não ter investimentos é a economia não crescer, é afetar a produtividade, o salário, o emprego. As empresas perdem competitividade, quebram. Fala-se muito que é preciso aumentar a qualificação da mão-de-obra, mas, sem investimento, isso de nada adiantará”, afirma Chernavsky.
O economista defende que faz sentido vincular a taxa do BNDES à variação do IPCA. Ele lembra que, em determinados momentos, a TJLP chegou a ser negativa, quando descontada a inflação. Mas opina que a taxa de longo prazo não pode ser igual à de curto prazo, ou seja, a política de financiamento do BNDES não pode estar sujeita à volatilidade da Selic.
O governo tem dito que a TLP é fundamental para o ajuste fiscal, uma vez que acabará com os juros subsidiados do BNDES. Hoje a TJLP está em 7% ao ano. Quanto maior a distância dessa taxa para a Selic, atualmente em 9,25%, maior o subsídio implícito do Tesouro às operações de crédito.
Na outra ponta, economistas avaliam que a taxa de juros do BNDES em um patamar mais baixo é fundamental para induzir o investimento, com impactos positivos sobre o crescimento do país, a geração de emprego e renda e, por consequência, sobre a própria arrecadação do país. Quer dizer, o empréstimo a juros menores valeria à pena, uma vez que voltaria aos cofres públicos em forma de impostos.
Chernavsky ressalta que a mudança na TJLP foi proposta em um contexto no qual o governo anunciou uma alteração no perfil do BNDES, diminuindo o papel do principal banco de financiamento e indução do setor produtivo. Para ele, a mudança é negativa. “Ao tirar um elemento central do financiamento dos investimentos, sem colocar nada claro em seu lugar, coloca-se em risco o desenvolvimento. É arriscado”, opina.
Em seu perfil no Twitter, o relator da MP, Betinho Gomes, disse que “aprovar a TLP significará o sepultamento da fracassada política de ‘Campeões nacionais’”. A referência é à política, iniciada na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de conceder crédito subsidiado justamente para fortalecer empresas brasileiras.
De acordo com o doutor em Economia pela USP, se não forem dadas condições para que as empresas brasileiras sejam competitivas, as estrangeiras ocuparão este espaço. “Há setores em que, se não houver nenhuma política, as empresas estrangeiras virão. De qualquer forma, haverá campeões. A questão é se preferimos que eles sejam nacionais ou não”, provoca.
O economista sublinha que valorizar empresas nacionais significa que os empregos, os impostos e a tecnologia gerados por elas tendem a ficar mais no país. Com as estrangeiras, o desenvolvimento fica fora do Brasil. Além disso, diminui a capacidade do governo de influenciar as decisões dessas grandes empresas, que têm o poder de afetar o mercado.
Portal Vermelho