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Alexandre da Maia: O que resta do tempo

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O primeiro aspecto a ressaltar é o fato de o atual governo ter usado o discurso do “descontrole” supostamente gerado pelo governo Dilma Rousseff. Para enfrentar esse tigre ameaçador, usando aqui outra metáfora da nossa história recente, seria preciso implantar medidas de ajuste fiscal e de contenção de despesas. Para tanto, o Congresso Nacional fez as vontades do novo ocupante do terceiro andar do Palácio do Planalto: aprovou o déficit de 170 bilhões de reais, assim como a PEC do congelamento dos gastos públicos. Mercado e políticos em festa.

Porém, o que se viu na gestão Michel Temer foi a concessão de aumentos a múltiplos setores do funcionalismo público, sobretudo aqueles em que há mais privilégios pois atingem a parcela da população com maior poder aquisitivo no país. Argumenta-se que esses aumentos estavam nas mesas de negociação desde antes da mudança do comando do governo, o que é verdade. Mas o argumento da contenção de despesas, aliado ao aumento do salário das classes mais privilegiadas que ocupam o serviço público, é no mínimo controverso.

Mas o que salta aos olhos na incoerência do atual governo é a total falta de compromisso concreto do atual presidente com o seu discurso. Como o prosseguimento da denúncia de corrupção passiva oferecida pelo Ministério Público Federal contra o presidente da República depende da aprovação de 2/3 (dois terços) da Câmara dos Deputados, o que se vê em Brasília nos últimos dias é o Palácio do Planalto transformado em balcão de negócios em que o presidente tenta de tudo para se manter no poder. Quando falamos “tudo”, inclua-se a troca do apoio dos Deputados por emendas orçamentárias e outros pedidos nada republicanos. Em texto publicado por Laura Carvalho (USP) em 06 de julho de 2017, temos a informação de que Temer recebeu em seu gabinete na última terça-feira, dia 4 de julho, políticos em reuniões de meia hora durante treze horas.

Segundo os dados do SIAFI – sistema de gastos orçamentários do governo federal – trazidos no texto da profa. Laura Carvalho, o valor liberado para emendas parlamentares deu um salto de R$ 959 bilhões para R$ 1,25 bilhão só no mês passado. Em síntese, só no mês de junho houve o acréscimo de R$ 529 milhões de reais. Enquanto isso, falta dinheiro para políticas direcionadas à efetivação de direitos fundamentais das brasileiras e dos brasileiros, tais como saúde e educação. O que o grupo que está no poder no Brasil do presente deseja retirar, mediante as reformas em trâmite no Legislativo federal, são mais direitos daqueles que necessitam do aparato do Estado como agente indutor de minimização de desigualdades regionais e sociais. Para tanto, é necessário o apoio da grande mídia e sobretudo do sistema econômico.

O que todas as gravações revelam no fundo é uma simbiose entre o econômico, o político e o jurídico, retirando o véu de nossa ignorância e desnudando sem pejo que esses sistemas não funcionam de forma autônoma, algo que é um forte sintoma de que não vivenciamos um Estado de Direito no Brasil. E não é de hoje.

De um lado, um presidente tratado com desdém pela comunidade internacional e ignorado por “seu povo”, cambaleando sem garantias de manutenção da tão proclamada base de apoio no Congresso Nacional, sobretudo na Câmara dos Deputados. O instrumento usado para garantir um caminhar trôpego ao atual governo é a liberação de emendas para Deputados em troca dos votos favoráveis a Temer quando da votação da admissão da acusação feita pelo MPF contra o presidente da República.

De outro lado, o direito mostra-se escorregadio, incoerente e de fraca densidade institucional diante das mudanças na dinâmica política. Uma espécie de dura lex sed latex, ou seja, a lei pode ser dura, mas estica a depender dos fatores e dos interesses concretos. Ficou claro que houve um tratamento diferenciado no entendimento aplicado pelo STF nas decisões envolvendo os senadores Delcídio do Amaral, então líder do governo Dilma no Senado, e Aécio Neves, presidente nacional do PSDB.

Quando se espera de um presidente da República que se vende como jurista responder à denúncia do Ministério Público por meio de argumentos técnicos e sólidos, vemos um acusado acuado a tal ponto que parte para a tentativa de desqualificar o Ministério Público Federal. Ao fim e ao cabo, Michel Temer demonstra não ter a dignidade institucional e a compostura de um chefe de governo e de Estado.

Com a possível delação do ex-deputado Eduardo Cunha a caminho e a reticência da “base” parlamentar, o sistema capitalista já percebeu – e talvez só o encastelado não consiga enxergar – que talvez Michel Temer hoje seja mais um empecilho do que uma garantia de viabilização das reformas tão desejadas pelo “mercado”. Talvez a pergunta que se coloque é a que retiro do filme de Elia Suleiman, não por acaso um cineasta palestino que retrata as iniquidades e injustiças; a humanidade, enfim: o que resta do tempo para Michel Temer e para o Brasil?

*Alexandre da Maia é professor e coordenador do curso de graduação da Faculdade de Direito do Recife – UFPE e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE.

Portal Vermelho