Com Venezuela em crise, Brasil e EUA anunciam exercício na Amazônia
Para professor da UFF, reaproximação com os Estados Unidos indica reversão da política que diversificou fornecedores de material bélico ao país. Analista da PUC não vê importância na geopolítica de ocupação militar
A convite do governo Temer, exército dos EUA fará exercício militar na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia
A informação de que, a convite do governo Michel Temer, o exército dos Estados Unidos fará um exercício militar na fronteira amazônica entre Brasil, Peru e Colômbia, em novembro deste ano, é analisada sob pontos de vista diferentes por especialistas. O professor Thomas Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), chama a atenção para o contexto de instabilidade atual naquela região.
“Não vamos esquecer que a Venezuela – que está hoje num estado bastante tenso – está ali. Um exercício militar com as Forças Armadas americanas na fronteira é meio esquisito”, diz. Porém, ele pondera que, se a intenção fosse sinalizar uma possível intervenção ou ameaça ao país de Nicolás Maduro, “os americanos não iam esperar tanto tempo assim”. Os exercícios militares estão programados para novembro.
De qualquer forma, Heye avalia que certamente essa atuação conjunta mostra para os países da região uma crescente aproximação entre Brasil e Estados Unidos. “Isso sinaliza para os países vizinhos uma situação diferente daquilo que era sinalizado até a gestão anterior à de Michel Temer (Dilma Rousseff). É uma mudança. Como interpretar essa mudança vamos ter que esperar um pouco.” Em sua opinião, os exercícios previstos, aparentemente, não são ofensivos contra a Venezuela.
Para o professor fluminense, além de eventuais questões geopolíticas, a reaproximação entre os dois países implica uma possível reversão de uma política que, nos últimos anos, diversificou os fornecedores de material bélico ao Brasil, quando o país se aproximou de nações europeias como França e Suécia. “Passamos a construir submarinos com auxílio de tecnologia francesa e compramos os caças da Suécia”, lembra Heye.
Os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff conduziram e concluíram as negociações pelas quais o Brasil comprou os caças suecos Gripen NG, fabricados pela Saab. A negociação envolveu troca de tecnologia, prevendo, por exemplo, que cerca de 350 brasileiros trabalhem com o projeto Gripen na Suécia, no desenvolvimento da aeronave. Em julho do ano passado, foi entregue pela Nuclebrás a quarta seção do primeiro submarino com tecnologia francesa, integralmente produzido no Brasil.
“Essa diversificação foi positiva, porque permitiu ao Brasil retomar uma indústria de defesa autônoma e o desenvolvimento de tecnologia brasileira de defesa. Antes disso, éramos meros consumidores de material bélico dos Estados Unidos. Com a Europa, passamos a construir”, diz Heye.
Já para o professor de relações internacionais da PUC-SP Reginaldo Nasser, os exercícios militares estão mais para a propaganda do que para a realidade. Ele não acredita que a antiga geopolítica de ocupação militar tenha muito significado atualmente. “Aquilo que é para tomar, em relação à Amazônia, eles já tomaram de outro jeito: se apropriando dos recursos naturais, por meio de empresas, do direito a uso do princípio ativo das plantas”, afirma.
Na opinião de Nasser, num mundo em que o sistema de inteligência é norte-americano, o sistema de polícia é internacionalizado, e a antiga forma militar de domínio já não faz sentido. “O FBI circula por qualquer país da América Latina. A CIA também. Entendo que essas coisas, como esse exercício militar, são um pouco para desviar a atenção. É a mesma coisa essa questão dos EUA com a Coreia. Todo ano é a mesma coisa.”
Para o professor da PUC-SP, a discussão principal deve apontar para o fato de que os recursos minerais e naturais do mundo, hoje, são alvo de grandes corporações. “Temos que olhar para a apropriação real da terra, dos produtos, o agronegócio, o desmatamento da Amazônia. Algumas coisas têm efeito espetacular, como essa coisa de tropas, mas os Estados Unidos se mostram na economia.”
Fonte: RBA