DISCURSO DURO FAZ DE GILMAR O NOME MAIS FORTE PARA UMA ELEIÇÃO INDIRETA
Ao criticar a Procuradoria Geral da República pelos vazamentos da Lava Jato e falar até em anulação das delações da Odebrecht, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, passou a ser o nome mais forte para se tornar presidente da República, por meio de eleição indireta, caso Michel Temer seja cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral; isso porque a eleição do novo presidente seria feita pelo Congresso Nacional, onde o discurso de Gilmar cai com uma luva; Temer já não é mais capaz de oferecer a mercadoria que ofereceu ao mercado financeiro – com reformas inviáveis, como a da Previdência – nem proteção aos parlamentares, uma vez que seu governo, com nove ministros na lista de Janot e um ministro da Justiça ligado à máfia dos fiscais agropecuários, não tem autoridade para peitar o Ministério Público; ontem, o relator da cassação no TSE, Herman Benjamin, deu dois dias para Temer apresentar suas alegações finais
O fracasso do governo de Michel Temer em sua missão mais importante – ao menos, naquela que justificou o golpe de 2016 – pode abrir espaço para que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, se torne presidente da República, ainda em 2017.
Qual era essa missão? Temer deveria garantir proteção a seus aliados no parlamento, ajudando a estancar a sangria da Lava Jato. No entanto, com nove ministros na lista de Janot, um ministro da Justiça ligado à máfia dos fiscais agropecuários e ele próprio citado de forma constrangedora nas delações da Odebrecht, Temer tem se mostrado incapaz de garantir essa blindagem. Prova disso foi a mais recente etapa da Lava Jato, que, ontem, atingiu pessoas ligadas a senadores importantes, como o próprio presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Paralelamente, Temer também não tem mais o que oferecer a outro pilar importante do golpe de 2016 – o mercado financeiro. Sua reforma da Previdência, inviável e rechaçada até por aliados, já foi adiada para agosto ou setembro e o Palácio do Planalto tenta ganhar tempo com um projeto de terceirização que praticamente acaba com a CLT.
Sem serventia para parlamentares e banqueiros, Temer recebeu ainda uma outra notícia negativa, na tarde de ontem, quando o relator de sua cassação no Tribunal Superior Eleitora, Herman Benjamin, lhe deu 48 horas para apresentar suas alegações finais. Já se sabe que Benjamin irá propor sua cassação e que a jurisprudência do TSE impede a divisão da chapa.
Enquanto isso, o ministro Gilmar Mendes tem feito discursos que soam como música para os parlamentares, que seriam os eleitores do novo presidente, em caso de cassação de Temer e eleição indireta. Ontem, ele criticou duramente os vazamentos da Lava Jato feitos pela Procuradoria Geral da República e falou até em anular as delações da Odebrecht. Num aceno ao setor produtivo, afirmou que a Operação Carne Fraca, que causou prejuízos gigantescos ao País, foi provocada por uma disputa por holofotes na Polícia Federal. Gilmar disse ainda que não é papel de autoridades cavalgar escândalos.
Com esse discurso, Gilmar se cacifa para se tornar presidente numa eleição indireta, com apoio do establishment político e econômico, caso Temer se torne uma mala pesada demais para ser carregada. Detalhe: no sábado, o colunista Jorge Bastos Moreno, do Globo, disse que Gilmar foi “picado pela mosca azul”, sem fornecer maiores detalhes.
Abaixo, a fala de Gilmar:
Senhores Ministros, no início da semana passada, foi noticiado que o Procurador-Geral da República enviou ao STF várias representações, com base em material produzido em colaborações premiadas relacionadas à Operação Lava Jato.
Muito embora o material esteja sob sigilo, parte do conteúdo das representações foi divulgada em veículos de comunicação social.
No último domingo, dia 19.3.2017, foi publicada matéria pela Ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, intitulada “Um jato de água fria”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2017/03/1867852-um-jato-de-agua-fria.shtml.
A matéria comenta justamente o vazamento de informações sob segredo de justiça. Afirma que “a cobertura dos principais órgãos de comunicação _ impressos, televisivos e eletrônicos_ trazia versões inacreditavelmente harmoniosas” do conteúdo dos pedidos do Procurador-Geral da República. Narra que “vazaram para os jornalistas os mesmos 16 nomes de políticos _ cinco ministros do atual governo, os presidentes da Câmara e do Senado, cinco senadores, dois ex-presidentes e dois ex-ministros”.
Trata-se de um fenômeno tristemente conhecido e repetido. Na Operação Lava Jato, a publicação de informações sob segredo de justiça parece ser a regra e não a exceção.
Nem mesmo o STF foi poupado. Em agosto de 2016, foi divulgado que o Min. Dias Toffoli teria sido delatado por um dos empreiteiros colaboradores. Quando o depoimento veio a lume, constatou-se que o crime do Ministro não foi corrupção ou lavagem de dinheiro. Foi receber a indicação de um encanador, para consertar vazamento em sua residência.
Eu mesmo me manifestei publicamente sobre esse lamentável fenômeno em mais de uma oportunidade. Cheguei a propor, no final do ano passado, o descarte do material vazado, uma espécie de contaminação de provas colhidas licitamente, mas divulgadas ilicitamente.
Até aí, o quadro é conhecido. A novidade trazida pela publicação da Ombudsman está na divulgação de um novo instrumento de relacionamento com a imprensa: a “entrevista coletiva em off“.
De acordo com a matéria, após “receberem a garantia de que não seriam identificados, representantes do Ministério Público Federal se reuniram com jornalistas, em conjunto”, e passaram informações da chamada “segunda lista de Janot”.
É importante destacar a fonte da denúncia. A imprensa parece acomodada com esse acordo de traslado de informações. Pouca relevância dá ao fato inescapável de que, quando praticado por funcionário público, vazamento é eufemismo para um crime: a violação de sigilo funcional, art. 325 do CP. Foi necessária uma jornalista independente, dentro da estrutura da grande imprensa, para arejar a situação.
Mais grave é que a notícia dá conta da prática de dentro da estrutura da Procuradoria-Geral da República. Essa não seria a primeira vez, como afirma a matéria e transparece da experiência recente.
Tenho que a Procuradoria-Geral da República tem que prestar explicações sobre esses fatos.
Não haverá justiça com procedimentos à margem da lei. As investigações devem ter por objetivo produzir provas, não entreter a opinião pública ou demonstrar autoridade.
Esse não é um problema externo, que não nos diz respeito. O Poder Judiciário tem um compromisso com a forma como suas ordens são executadas.
Recordo de uma representação que recebi pela realização de busca e apreensão na sede do Senado da República. Vislumbrando a gravidade institucional que a medida representaria, procurei cercar o cumprimento da busca de todas as cautelas possíveis, determinando que fosse executada, sem estardalhaço, por pessoal descaracterizado. Alguns dias depois, a Procuradoria-Geral da República desistiu da medida cautelar.
Em outro caso, a Procuradoria-Geral da República representou pela vinda aos autos de lista em que determinado advogado esteve nesta Corte. Não contente em requerer a diligência, o Ministério Público pediu também que as informações fossem colhidas do sistema do STF diretamente por Procuradores da República – Pet 6.323, atual Inq 4.367.
Faço esse registro, para marcar a gravidade do noticiado e lembrar a imperiosidade de constante vigilância não só quanto ao conteúdo, mas também quanto à forma como nossas ordens são executadas.
Brasil 247