Bora lá juventude!
A professora e socióloga Maria Alda de Sousa Alves é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde atua como integrante do Laboratório das Juventudes (Lajus/UFC). Como especialista convidada desta semana da série “Esticadores de Horizontes”, Maria Alda fala sobre o movimento de ocupação das escolas públicas estaduais no Ceará e o protagonismo juvenil dele decorrido.
“A expressão protagonismo nos remete à ideia do ator social, que age com vistas à proposição de mudanças. Partindo da perspectiva dos jovens como tais atores; essas mudanças sociais podem ocorrer por meio da abertura ao diálogo e escuta aos jovens por parte do Estado, como não, no caso das ocupações”, defende a especialista.
Para Maria Alda, o atual cenário de reivindicações pelo qual passa as escolas brasileiras faz parte de um contexto mais amplo de autocompreensão desses jovens como sujeitos responsáveis pelas melhorias de que necessitam. “Esse movimento contestatório, a ocupação de suas escolas, é legítimo se compreendermos os jovens como sujeitos de direitos, tal como preconizado em leis, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Estatuto da Juventude, e não como problema social. Na condição de sujeitos de direitos e de cidadãos, portanto, é legítimo que os jovens reivindiquem do Estado melhores serviços de educação, cultura, saúde, etc. A ideia do protagonismo juvenil, nesse momento, assume um significado sociológico, político e, diria também, pedagógico”.
“Veremos que, dentre as características observadas no atual movimento dos estudantes secundaristas, estão: a participação e intervenção ativa, face a contextos socioculturais e históricos adversos; a autonomização, visando a um agir individual e/ou coletivo; a busca por cidadania, no sentido do reconhecimento dos direitos e deveres protegidos por lei; e o empoderamento, ou seja, ‘a criação de poder nos sem poder’, no sentido de ativar, desenvolver e dinamizar a potencialidade criativa do sujeito, conforme definições do educador Paulo Freire e do teólogo Leonardo Boff”, conceitua Alda.
“Os movimentos organizados pelos coletivos juvenis podem ser entendidos como uma forma de educação política, na qual os alunos envolvidos têm a possibilidade de experimentarem participação política a partir de decisões que repercutem diretamente em suas vidas. A educação não ocorre somente em espaços formais, como as salas de aula. Enquanto processo de socialização, ela se dá também em espaços não formais de educação, como esses coletivos, partidos políticos, organizações não governamentais, associações comunitárias, conselhos, igrejas, ou mesmo em escolas ocupadas”, assinala a especialista.
Além do empoderamento juvenil, chama a atenção da socióloga o caráter difuso e horizontal do movimento de ocupação dessas escolas, característica também observada nas manifestações de junho de 2013, no Brasil. “Essas ocupações, iniciadas em fins de 2015, assemelham-se, de certo modo, às chamadas ‘Jornadas de Junho’, de 2013, na qual mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas protestar contra a qualidade da vida urbana e a insuficiente oferta de serviços públicos, como transporte, saúde e educação. Os dois momentos assemelham-se no sentido de que são formas de manifestação que têm como cenário o contexto urbano, mas também seu caráter multifacetado, ou seja, a falta de uma hierarquia rígida. Não se trata necessariamente de um movimento político e ideológico liderado por um representante, como ocorria na década de 1960. Penso que os jovens estão dando seu recado de forma singular em relação às gerações que os antecederam”.
Talvez, esses jovens estejam mostrando ao país um novo modo de fazer política, exigido pelas Jornadas de Junho, sugere Alda. “Acredito que as reivindicações postas pelos professores e alunos já estão repercutindo positivamente. Exemplo disto foi São Paulo, com a revogação do decreto que instituía o plano de reorganização escolar e o fechamento de escolas. De certo modo, está se gestando aí uma nova cultura política, que reconhece esses jovens não somente como beneficiários de políticas sociais, mas como interlocutores válidos, com direito a voz e ao exercício da cidadania, algo propugnado pela própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) ”.
Apesar da semente de esperança plantada, é importante que a sociedade não se exima do seu papel, esclarece a especialista. “Para que o movimento estudantil nas escolas ganhe mais força, penso ser necessário o envolvimento de diferentes sujeitos sociais”, sugere. “São estes: as famílias dos jovens, professores, gestores, a universidade, enfim, pessoas e profissionais que conhecem de perto a realidade dessas escolas e que acreditam que ela pode ser melhorada”.
“Não é bom quando um aluno de escola pública, ou mesmo de universidade, volta cedo pra casa pela falta de professores ou de alimentação adequada. Isto traz consequências para suas trajetórias escolares. Devemos reconhecer que, na sociedade brasileira, houve avanços significativos nos últimos 13 anos, com ampliação da oferta da educação básica, tecnológica e superior; a descentralização do ensino, com a criação de institutos e universidades federais em municípios do interior do país; além da criação de mecanismos de acesso e permanência das crianças, adolescentes e jovens pobres nos sistemas de ensino. Em âmbito estadual, no Ceará, é válido citar a criação das escolas de ensino profissionalizantes, a partir de 2008”, destaca Maria Alda.
No entanto, ainda são muitos os desafios no que diz respeito à efetivação de uma educação pública de qualidade, “como bem nos revelam as ocupações estudantis que invadem a cena nacional”, assinala a socióloga. “Devemos assumir uma postura de cobrança enquanto cidadãos. Afinal, os gastos com todo e qualquer serviço público são mantidos com o nosso dinheiro. O Estado não está fazendo nenhum favor, mas cumprindo uma obrigação”, finaliza.
Publicado originalmente no site da Adital