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Eleições 2016: Corrupção não é motivo para não se eleger um candidato

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Reprodução da internet

 

Nas muitas análises do primeiro turno das eleições 2016 foi destaque a perda de prefeituras por parte do Partido dos Trabalhadores e ainda o enorme contingente de abstenções. Além disso, os resultados têm deixado cientistas políticos de cabelo em pé, pela ascensão de um certo tipo de candidato avesso à própria política.

Mas, muito mais do que uma análise do quadro político nacional, este artigo pretende analisar a lógica eleitoral presente na política realizada no seu nível mais próximo dos cidadãos – principalmente a imaginação de que o voto é mecanismo de punição contra políticos corruptos.

O desafio é enquadrar as eleições municipais tendo em vista a capacidade de resiliência dos políticos locais, que conseguem se manter em carreiras políticas mesmo com denúncias, processos de investigação e condenações que envolvem corrupção. Ao que parece, a corrupção, essa tão alardeada “causa de todos os nossos males”, não é motivo para não se eleger um candidato. Nem para não se reeleger. Nem para barrar nenhuma carreira política. Nem do seu autor, nem dos seus coautores. O causo é esse: ela serve para imputar ao “outro” a causa de problemas gravíssimos, mas é incapaz de gerar uma autorreflexão por parte do próprio grupo político. Ela é sempre uma característica da alteridade, atribuída aos que não são parte do meu clã.

O argumento começa assim: se há corrupção na esfera local, isto afeta diretamente a vida da população, não apenas pela entrega de bens públicos ruins, mas também pela exclusão política que isto representa. As ações tomadas pelo poder Executivo quando da implementação das políticas contribuem indiretamente para a inclusão dos cidadãos – seja uma inclusão social pela via do acesso a bens e serviços públicos, seja uma inclusão política por não privilegiar ilegitimamente nenhum cidadão ou grupo político.

Mas a via eleitoral é muito mais complexa do que apenas punir com a não-(re)eleição de políticos envolvidos em esquemas duvidosos. O voto é apenas um instrumento de controle dos nossos representantes, e essa sua característica o torna frágil e obriga o eleitor a fazer escolhas no mínimo difíceis. E o argumento aqui é o de que “corrupção” não parece ser o crivo das escolhas. E mais do que ficarmos alardeados com isso, cabe-nos pensar em quais outros mecanismos de controle local nós cidadãos poderíamos pressionar ou ativar para além de ameaçar (e não cumprir) não eleger.

Tem sido recorrentemente afirmado, tanto pela literatura da área quanto pelas agências de financiamento internacionais, que a descentralização é uma boa estratégia anticorrupção. Descentralizar é defendido como uma forma de trazer o governo para mais perto do povo, o que permitiria uma maior inclusão e um maior controle sobre o uso dos recursos públicos. O governo local teria maior capacidade de responder as demandas locais, permitiria maior influência da comunidade em suas decisões, sendo mais receptivo e mais passível de cobrança, proporcionando maior visibilidade aos comportamentos desviantes e corruptos.

Mas o debate também tem apontado múltiplas ambiguidades envolvendo processos de descentralização ao redor do mundo, com conclusões discrepantes sobre os seus efeitos diminutivos sobre a corrupção. A descentralização pode, por exemplo, dissolver a prestação de contas. Os funcionários locais podem se aproveitar do fato de que pequenos projetos locais não são sujeitos a revisões centrais e usarem o dinheiro público para fins corruptos.

Um dos achados de parte desta literatura é o de que a descentralização conseguiria controlar e responsabilizar a corrupção apenas quando conectada a fortes poderes centrais de fiscalização. Daí a importância de se estudar o controle que as instituições centrais exercem sobre o nível municipal, principalmente em um país como o Brasil que descentraliza grande parte das políticas sociais (como Saúde, Assistência Social e Educação).

Preocupada com a incidência de corrupção e a capacidade de gestão dos municípios brasileiros, em 2003 a então Controladoria Geral da União iniciou o seu Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos, auditando os recursos federais repassados aos municípios brasileiros com menos de 500 mil habitantes.

Até o 40º Sorteio, a Controladoria já havia fiscalizado 2.144 municípios (38% dos municípios brasileiros). Este programa foi extensamente analisado pela pesquisa “O Fortalecimento das Instituições de Accountability no Brasil”, realizada pelo CRIP-UFMG e do qual fiz parte. Essa pesquisa contou com uma amostra aleatória e estratificada por estado e ano do sorteio dos relatórios disponibilizados pela CGU, resultando no estudo de 322 municípios. Seguimos cada uma das irregularidades encontradas (mais de 19 mil), captando em que medida foram absorvidas e geraram processos de investigação ou punição no TCU, MPF e Justiça Federal.

Os resultados foram, no mínimo, alarmantes. Quando a CGU encontra no seu programa de sorteios uma irregularidade merecedora de investigações por parte do TCU, por exemplo, este órgão demora cerca de 5,4 anos para abrir uma Tomada de Contas Especiais, e em média 995 dias para concluí-la. Ou seja, dois ciclos eleitorais se passam desde o monitoramento até a conclusão do processo.

Na Justiça o tempo de espera pela conclusão é um pouco menor (4,3 anos), mas ela leva 1.741 dias para concluir o processo. Na prática, o resultado são prefeitos que terminam seus mandatos com tempo de sobra para se candidatar a reeleição, ou para tentar galgar degraus mais altos na carreira política. Ou ainda, quando a coisa aperta demais, lançam seus familiares enquanto discípulos políticos.

Ao analisar brevemente os resultados das eleições 2016 (quase 13 anos após o início dos sorteios) a conclusão é que os prefeitos da época não tiveram suas carreiras interrompidas nem barradas por casos de corrupção encontrados durante seus mandatos. A política local parece ser a arte de se esquivar e de se perpetuar no poder. Há uma certa continuidade política que não se abala, por nada, muito menos por casos de corrupção, investigações ou até condenações relacionadas a esse tipo de prática.

Vamos aos casos. Dos 322 municípios analisados, 253 sofreram algum processo administrativo e/ou judicial. Mas… Em Abel Figueiredo (PA), o então prefeito se reelegeu mesmo após a fiscalização da CGU em – 2003. Em 2014 o Ministério Público Federal no Pará (MPF) o processou por se apropriar de renda pública para a aquisição de lotes de terra, que foram doados pela prefeitura a famílias da cidade durante a campanha das eleições 2004, quando tento a reeleição. Em Acrelândia (AC), o prefeito investigado desde 2004 foi candidato ao governo do estado em 2010 e à prefeitura de Rio Branco em 2012.

Em Acreúna (GO), o prefeito da época das fiscalizações da CGU foi condenado por corrupção ativa a uma pena total de 10 anos de reclusão a ser cumprida no regime fechado, mas deixou a prefeitura como herança política para o atual prefeito. Em agosto de 2005, o ex-prefeito, o ex-secretário e a então secretária, bem como o ex-chefe do Legislativo, ofereceram vantagem indevida aos nove vereadores da cidade, no valor de R$ 1.100,00 para que eles comparecessem em prorrogação de sessão ordinária para votação de leis de interesse do ex-prefeito.

Em Afuá (PA), o prefeito da época dos sorteios acabou de se reeleger agora, pesando contra ele investigações sobre 69 irregularidades. Em Água Doce do Maranhão (MA), o prefeito da época das fiscalizações de CGU teve todas as contas do primeiro mandato reprovadas (2005 a 2008), mas acabou de eleger sua filha ao cargo de prefeita no domingo retrasado.

Mas pode-se – corretamente – argumentar que a mera investigação não é sintoma de corrupção e nem merece ser punida de saída. Ser investigado significa que algo levantou suspeitas, mas que podem muito bem estar mal embasadas. Mas, então, o que aconteceu com prefeitos condenados?

Sessenta municípios tiveram prefeitos condenados por alguma irregularidade investigada pela CGU anos atrás. E eles continuam a ser lideranças políticas na região. Por exemplo, o ex-prefeito de Aiuaba (CE), já era acusado de crime eleitoral nas eleições de 2000, que disputou com sua filha. Em Poço Redodo (SE), a ex-prefeita da época das fiscalizações da CGU ainda protela ações de revisão das suas contas. O processo perpassa a alegação de fraude na modernização da escola municipal, com obras realizadas de forma irregular, apesar da suposta contratação de empresa. Em Nova Mutum (MT), o então prefeito condenando por irregularidades na época das fiscalizações da CGU acaba de reeleger, tendo sido o único candidato neste pleito.

Com esse pequeno levantamento, o que se destaca é que a lógica da política municipal ainda é a da disputa eleitoral em torno de poucos e poderosos. Ainda, o que os dados da pesquisa permitem ver é que o grande gargalo do controle federal não estava no monitoramento, mas nas longas investigações e na demora em se chegar a sentenças (condenatórias ou não).

E mesmo quando condenações são alcançadas, o efeito prático delas nas eleições parece ser muito baixo. Mesmo com a lei ficha limpa e seu bloqueio de candidaturas, aqueles acostumados a governar acham um jeito de se perpetuar no poder. Seja pela troca de município, pela eleição de familiares, ou pela sequência na carreira política em níveis mais elevados, contando com a demora do controle em chegar a uma conclusão.

O fato é que descentralizar políticas só faz sentido se acompanhado de capacidade de monitoramento por parte do governo central. Mas essa capacidade, sem se unir a investigações e sentenças mais céleres, apenas levanta o problema sem conseguir dar uma solução adequada a ele.

Demorar quase dez anos para dar uma sentença para prefeitos que já saíram do poder há muito tempo, se reelegeram, subiram na carreira, ou lançaram a família toda na política, apenas autoriza a consolidação de carreiras políticas enviesadas desde seu início por práticas de má gestão da coisa pública. E esperar que o voto vá “limpar” a política dos corruptos é criar expectativas irreais em torno de um mecanismo frágil e cada vez menos suficiente de controle dos nossos governantes.

*É Cientista social e mestra em Ciência Política (UFMG). Doutoranda em Ciência Política pela UFMG e pesquisadora do Centro de Referência do Interesse Público (CRIP)

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