DATAFOLHA RETRATA AVANÇOS E PERIGOS PARA DILMA
A cada pesquisa divulgada nos últimos meses, confirma-se a curva de recuperação do governo Dilma Rousseff e a consolidação de seu favoritismo para as eleições de 2014. Os números da última enquete do Datafolha não fogem desse registro. Cinco meses depois das manifestações de junho, o índice dos que acham seu governo ótimo ou bom pulou de 30% para 41%, enquanto as avaliações negativas despencaram de 25% para 17%.
Para cada brasileiro que gostava da gestão petista, em seu pior momento político, havia outro que a detestava. Atualmente, a cada eleitor que vaia, há outros dois que aplaudem a administração. Da mesma maneira que nenhum colapso econômico ou social esteve na origem do fosso junino, a recuperação acelerada de popularidade tampouco se apoia sobre feitos formidáveis. Mas revela-se um aparente retorno à confluência entre os interesses de classe, o ânimo diante do governo e a disposição de voto. Não é pouca coisa.
O bloco de candidaturas oposicionistas, que chegou a ostentar de 52% a 56% das intenções eleitorais em outubro, dependendo dos postulantes, desidratou para algo entre 33% e 41% em menos de dois meses. A titular do Planalto, nesse mesmo período, pulou de uma faixa que variava de 37% a 40% para outra entre 41% e 45% das simpatias eleitorais. Se o ex-presidente Lula estivesse no páreo, a diferença seria ainda mais acachapante.
Pode-se interpretar que a reação de Dilma às manifestações, tratando-as como protestos legítimos e respondendo a suas reivindicações através dos célebres cinco pactos, foi o freio de arrumação que deteve a queda e assentou o caminho da recuperação. A oposição de direita, também surpreendida pelas ruas, não tinha repertório para encantar as multidões mobilizadas, que pediam mais reformas e mais Estado.
A presidente sinalizou que aceitava os desafios de mudanças no governo, como contraposição à mudança de governo. Apesar de algumas propostas lançadas por Dilma terem sido mortas no nascedouro, especialmente a convocação de uma Constituinte para a reforma política, o esforço de diálogo deteve a avalanche social e refez paulatinamente os vínculos de confiança construídos com as camadas populares ao longo da trajetória do PT e do governo Lula.
Não é à toa que o programa mais empolgante tenha sido o Mais Médicos. Além de enfrentar um problema crucial na vida dos mais pobres, escancarou o caráter elitista e antipopular das classes dominantes, externado pela aliança entre os partidos conservadores, a mídia tradicional e boa parte das entidades médicas.
A situação, porém, não é isenta de perigos. Para 66% dos entrevistados pelo Datafolha, afinal, é melhor que o próximo presidente adote ações diferentes das atuais, contra 28% que desejam a permanência de tudo como está. A presidente está consolidando seu favoritismo eleitoral porque são minoritários os brasileiros que pleiteiam uma volta ao passado ou que aceitem correr esse risco. Mas pode emergir um cenário menos confortável se não responder mais agressivamente aos anseios mudancistas que, de fato, estavam na raiz das mobilizações de junho.
Estas demandas, porém, se chocam com decisões recentes na economia. O refluxo das lutas populares colocou em evidência a pressão da burguesia financeira e seus meios de comunicação para o reforço de medidas ortodoxas – especialmente a elevação da taxa de juros, a contenção dos gastos estatais e termos mais privilegiados para os investimentos em infraestrutura. Esse caminho tem contradições profundas com a ampliação e a melhoria dos serviços públicos, particularmente nos estados e municípios.
Não é razoável supor que as ruas permanecerão quietas até o desfecho do processo eleitoral. A recuperação da presidente está aparentemente ancorada em um sentimento de identidade com os debaixo que poderia ser abalado se o país retornasse a zonas de turbulência. Apenas uma permanente capacidade de se reinventar, aprofundando mudanças que acelerem a prosperidade social, seria capaz de se antecipar a esse perigo.
Apesar do silêncio das multidões, a percepção de que é necessária e urgente uma nova geração de reformas continua a ser tanto ameaça à estabilidade do projeto inaugurado por Lula quanto oportunidade para um salto à frente que consolide a hegemonia petista e de esquerda.
Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
Brasil 247